sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Marcos Augusto Gonçalves - Depois de Milei, Trump vem aí

Folha de S. Paulo

Argentino tem boas chances de contar com o apoio de republicano na Casa Branca

A posse de Javier Milei, programada para este domingo (10), marca o início de mais um governo ultra qualquer coisa que chega ao poder com apelo antissistema, sem enraizamento na política institucional e partidária.

Como não é possível governar no vácuo, a tendência, que já se desenha, é o novo presidente argentino recuar, em parte, de radicalismos de campanha. Permanece no ar, ainda assim, um risco considerável de instabilidade, como se viu em outras aventuras semelhantes, como a de Jair Bolsonaro no Brasil, e a de Donald Trump nos Estados Unidos.

Não é improvável, aliás, que o anarcocapitalista portenho venha a ganhar no ano que vem o respaldo de um novo ciclo presidencial do magnata populista americano, que deverá ser o escolhido pelo Partido Republicano para enfrentar o declinante Joe Biden –caso se confirme a opção dos democratas pela reeleição do atual mandatário.

Biden enfrenta no momento enormes dificuldades para projetar-se como um candidato competitivo, embora tenha a vantagem de estar na Casa Branca. Trump, contudo, também estava lá quando perdeu –e promoveu, a seguir, a patética invasão do Capitólio.

O democrata chegou ao poder mais elogiado por representar uma volta à normalidade institucional do que por despertar expectativas promissoras. Não tem conseguido criar a impressão de que terá energia e capacidade para fazer um grande segundo mandato.

Às voltas com um país e um mundo em mudança, Biden investiu na velha lógica da política externa americana de respaldar ativamente confrontos com a Rússia e apoiar incondicionalmente Israel. Tem destinado uma montanha de dinheiro para municiar a Ucrânia, país invadido unilateralmente por Putin, e apoiar militarmente Israel, depois do ataque terrorista do Hamas. Ao mesmo tempo, preocupa-se com a expansão geopolítica e diplomática da China, sob as nuvens cinzentas que rondam as relações da potência asiática com Taiwan.

A população americana, enquanto isso, tem dado sinais de desinteresse e impaciência com a gastança de dinheiro e o envolvimento dos EUA em conflitos longínquos, enquanto problemas internos se avolumam. O lema de Trump "America First" surfa também nesse sentimento já conhecido de que o mundo até importa, mas já não importa tanto.

Há crescente apreensão nos próprios círculos democratas, segundo se lê, a respeito da evolução desses conflitos. O dinheiro desembolsado pelo governo americano será bem gasto?

cenário na Ucrânia é desanimador. As chances de uma derrota militar e da retirada da Rússia das posições que reivindica são nulas. No caso de Israel, as preocupações humanitárias com o rolo compressor sobre Gaza e o pessimismo quanto a um acordo de paz razoável geram resistências ao apoio incondicional, que talvez prevalecesse, com menos questionamentos, tempos atrás. Agora estão em cena novas movimentações e estratégias no rearranjo das relações Norte-Sul e Leste-Oeste, além da percepção crítica sobre as supostas vantagens da globalização.

Internamente, os republicanos, já de olho na campanha, jogam duro na aprovação de mais um grande pacote de ajudas, desta vez no valor de US$ 100 bilhões (aproximados R$ 500 bilhões), para beneficiar sobretudo Ucrânia e Israel. A pergunta é: por que tem tanto dinheiro para esse pessoal de fora enquanto estamos aqui enfrentando dificuldades para superar problemas agudos como a crise na fronteira com o México?

Biden não tem muito tempo para demonstrar que sua política está no caminho certo. A probabilidade de que se enrole com a situação não é pequena. Enquanto isso, Trump esfrega as mãos e prepara-se para mais um giro pela Casa Branca. No que contará com o brinde efusivo de seu amiguito argentino.

 

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