Folha de S. Paulo
País não consegue livre comércio nem no bloco
com os vizinhos, travado faz 20 anos
Há uma falação sobre o destino do acordo
comercial entre Mercosul e União
Europeia, aliás ruim, pelo que se sabe de sua última versão pública. Dá
vontade de perguntar: quando vai haver um acordo de liberação comercial DENTRO
do Mercosul, travadão faz 20 anos?
A pendenga com a União Europeia fica parecendo dramática, como se o grande problema fosse a assinatura de um tratado na semana que vem, embora essa história se arraste faz mais de década. O rolo se torna maior porque os vizinhos estão pensando em cuidar da vida, de fazer acordos que os interessem, que se dane o zumbi do Mercosul —vide o Uruguai.
A conversa fica ainda mais vulgar por causa
da pinimba entre governantes de Brasil e Argentina,
desta vez entre Javier Milei e
Luiz Inácio Lula da Silva. Dá-se atenção ao que Lula vai fazer da posse do
presidente dos vizinhos, se vai "mandar recado", se manda o
vice-presidente para a cerimônia, ou se manda o chanceler, o estagiário ou o
copeiro. Rende fofoca, "bastidores" (ninharias), espuma. Nada.
Nem os argentinos sabem o que o perturbado
Milei vai fazer de seu governo. No entanto, um dos pilares do seu projeto
liberal, aliás, de qualquer um, é a abertura da economia. Pode
ser que não o faça, até porque qualquer novo governo argentino teria tantas
mudanças duras a implementar que talvez deixasse uma abertura séria para mais
adiante. Além do mais, Milei teria de comprar briga feia com muitas empresas
argentinas, tão protecionistas quanto as brasileiras.
Abrir economias é complicado, até em termos
econômicos, que dirá sociais e políticos. Ao menos no médio prazo, aberturas
comerciais causam baixas, perdedores, empresas avariadas, desemprego setorial.
É um risco social e político, ainda mais em economias tumultuadas.
O Mercosul andou um pouco, aos tropeços, nos
anos 1990. Os governos de Carlos Menem e Fernando Collor tinham propensão a
liberalizar; "globalização" estava na moda, na prática e na conversa.
Depois de Menem e também por causa da lambança deixada por ele, a Argentina
viveu um tumulto horrendo, seguido pelos governos peronistas "de
esquerda", com cheiro de mofo e de cravo de defunto.
Desde 2014, o Brasil vive em colapso
econômico (ainda não saímos daí); de 2019 a 2022, viveu sob trevas e tentativas
de destruição do "sistema", do Estado de direito, e de fazer do país
um pária mundial, com relativo sucesso.
Que projeto comum pode haver entre países em
tamanho desarranjo? Estabilidade é um requisito básico, mas insuficiente, de
resto. Um projeto de integração econômica, se é que era essa mesmo a ideia,
apenas começa com a integração comercial, travada faz tempo. É um plano de
longo prazo, "política de Estado", de Estados com visões comuns sobre
política externa e estabilidade macroeconômica (dívida pública e inflação
contidas etc.). Mas temos até empecilhos comezinhos à integração, países que
padecem de volatilidade cambial grande ou que manipulam loucamente um monte de
taxas de câmbio e têm controles de capital (Argentina).
O Mercosul foi despedaçado por
protecionismos, muito incentivado por lobbies setoriais de empresas, por
desenvolvimentismos equivocados, pela invasão chinesa e pelo tumulto quase
permanente de Brasil ou Argentina.
Além de não saber o que fazer do bloco, o
Brasil também não tem projeto pensado de integração comercial com o resto do
mundo. Dada a nossa vocação conservadora e nosso apreço pela mediocridade, é
bem possível que venhamos a ser apenas isso que parte da esquerda ou
desenvolvimentistas chamam de dependência neocolonial da China, meio
disfarçada, como o México é uma dependência dos EUA, por outros meios.
Um comentário:
Excelente!
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