Pobreza em queda revela força e limites do Bolsa Família
O Globo
Programa contribuiu para retirar 6,5 milhões
da miséria, mas a um custo bem maior do que no passado
Os
brasileiros em situação de pobreza — renda inferior a R$ 637 por mês — caíram
de 36,7% da população em 2021 para 31,6% em 2022, segundo o IBGE.
Caiu também a pobreza extrema — rendimento inferior a R$ 200 mensais —, de 9%
para 5,9%. A desigualdade, medida pelo índice de Gini, diminuiu de 0,544 para
0,518. Em termos absolutos, 6,5 milhões saíram da miséria e 10,2 milhões da
pobreza. Num país como o Brasil, com milhões na penúria e uma das maiores
desigualdades do mundo, o avanço merece celebração.
O melhor remédio contra a pobreza é, obviamente, a geração de riqueza. Só o crescimento econômico robusto e sustentado, aliado a uma política educacional capaz de promover mobilidade social, será capaz de erradicar a miséria em definitivo. Mas, enquanto ainda se patina para atingir tal objetivo, os programas sociais, mesmo com seus defeitos, têm desempenhado papel imprescindível. Pelos cálculos do IBGE, sem transferência de renda, a proporção de miseráveis seria 80% maior, a de pobres 12% maior, e a desigualdade 5,5% superior. Ainda que o nível de emprego tenha se recuperado, a ajuda governamental representou 67% do rendimento dos mais pobres em 2022.
Brasil e México são considerados inovadores
em programas de transferência de renda. Por aqui, eles começaram com Fernando
Henrique e ganharam vulto no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. De lá para cá, o modelo foi adotado por mais de dez países nos cinco
continentes. Mas o ineditismo não eximiu a iniciativa brasileira de erros.
O principal foi o uso para angariar votos,
como ficou patente durante o governo Jair Bolsonaro, que rebatizou o Bolsa
Família de Auxílio
Brasil. Em julho de 2021, uma Medida Provisória elevou o benefício
mensal para R$ 400. Seis meses depois, o valor estava em R$ 600. Depois de
assumir, o governo Lula retomou o nome antigo e voltou a subir o valor médio
para R$ 714. Como proporção do PIB, o gasto com o Bolsa Família quadruplicou,
de 0,4% em 2018 para 1,6% neste ano.
Infelizmente, o valor maior não veio
acompanhado de melhorias na gestão ou no desenho do programa. Pelo contrário. O
ponto forte do Bolsa Família sempre foi o foco: fazer o dinheiro chegar a quem
precisa. Foi o que permitiu a um programa que custava em torno de 0,4% do PIB
gerar R$ 1,78 por real nele investido, segundo o Centro de Políticas Sociais,
da FGV Social. Esse impacto equivale ao triplo do gerado por benefícios da
Previdência e é 50% superior ao do Benefício de Prestação Continuada (BPC),
destinado a idosos de baixa renda ou deficientes.
Porém, com o público-alvo ampliado para 55
milhões, em vez dos 12,7 milhões na pobreza extrema, o benefício perdeu foco.
As irregularidades aumentaram. Não houve ênfase nas condicionalidades
necessárias para quebrar a cadeia de transmissão da miséria de geração em
geração. A exigência de caderneta de vacinação e frequência escolar dos filhos
virou letra morta. O atual governo tentou corrigir alguns desses problemas.
Excluiu 1,5 milhão de famílias que recebiam de modo irregular, resgatou a
progressividade na concessão do benefício e criou desincentivos para as
famílias de um só integrante que proliferavam no Auxílio Brasil. Todos esses
esforços devem ser mantidos, e a arquitetura do programa precisa resgatar o
foco. É essa a lição que se espera ter sido aprendida.
Indignação com criminalidade não autoriza
‘justiça pelas próprias mãos’
O Globo
Insegurança é real, mas justiceiros devem ser
coibidos — estejam em Copacabana ou em qualquer lugar
Copacabana é
uma das vitrines do Brasil, ponto turístico que funciona como chamariz para uma
cidade que tem no turismo uma de suas vocações. Por isso causa consternação o
aumento da violência no
bairro carioca. Entre janeiro e outubro, furtos a transeuntes cresceram 56,3%
na comparação com o mesmo período do ano passado. Os roubos subiram 16,6%.
Considerando apenas celular, a alta foi de 47,4%. É compreensível, portanto, a
revolta dos moradores diante da agressão sofrida por um empresário que levou um
soco no rosto e caiu desacordado ao tentar defender uma mulher que sofria um
assalto. Mesmo inerte no chão, ele foi roubado. Não há como não se indignar.
A indignação não justifica, porém, o
ressurgimento de grupos de justiceiros formados por moradores para, ao arrepio
da lei, perseguir e espancar suspeitos de praticar roubos e furtos,
especialmente em bairros da Zona Sul. Nos últimos dias, proliferaram nas redes
sociais mensagens e fotos aterradoras, incentivando mais violência sob o
pretexto de combater a violência. Tais grupos flertam com a barbárie ao
recomendar o uso de soco-inglês, tacos de beisebol e pedaços de madeira para
“dar uma lição” aos ladrões. Chegam a divulgar fotos de suspeitos e até números
de CPF. E não ficam só na ameaça. Na madrugada de quarta-feira, um homem foi
perseguido por 350 metros antes de ser espancado por um grupo em Copacabana,
mostram imagens de câmeras de segurança.
A reação atual reproduz movimento semelhante
ocorrido no Rio em 2015, em meio a uma onda de arrastões. Num cenário de medo,
justiceiros chegavam a interceptar ônibus transportando banhistas para “caçar”
suspeitos de assaltos.
Desta vez, a polícia do Rio já investiga os
novos justiceiros. “É um grupo que se acha acima do bem e do mal, que se acha
no direito de fazer justiça com as próprias mãos. Praticam crimes com o
objetivo de evitar crimes”, disse o recém-nomeado secretário estadual de
Segurança, Victor Santos. “Na verdade são todos criminosos.” Ele compara os
justiceiros a milícias e grupos de extermínio. Faz sentido. O pretexto que os
próprios justiceiros alegam para violar a lei é idêntico ao das milícias que
controlam vastos territórios da cidade impondo um clima de terror à população.
A ideia de “justiça pelas próprias mãos”
costuma crescer com as deficiências na segurança pública. Compreende-se o
desespero da população, que paga impostos e não consegue exercer o direito
básico de andar nas ruas com tranquilidade. É verdade que o Brasil vive uma
crise aguda de segurança e que faltam ações concretas. Mas não há caminho para
resolver o problema que não dentro da lei. Grupo de extermínio, esquadrão da
morte, milícias, paramilitares, tribunal do tráfico e outras aberrações só
geram mais violência. Em qualquer país civilizado, o monopólio do exercício
legítimo da força cabe ao Estado — e a ninguém mais. Como estabelece o artigo
345 do Código Penal, fazer justiça pelas próprias mãos é crime. E não se
resolve um crime cometendo outro.
Maduro nada tem a ganhar com ameaça de
invasão à Guiana
Valor Econômico
O governo brasileiro é o único que tem alguma
chance de dissuadir Maduro de suas possíveis intenções expansionistas
Há seis meses, ao assumir a presidência
rotativa do Mercosul, o Brasil deixou claro que um de seus objetivos era trazer
a Venezuela de volta ao bloco, do qual fora suspensa em 2017. O Brasil encerrou
seu período no comando do bloco com o presidente Nicolás Maduro tocando os
tambores da guerra e ameaçando invadir a Guiana. No exterior, o presidente Lula
afirmou a respeito que “se tem uma coisa que a América do Sul não está
precisando agora é de confusão”, mas confusão é tudo o que o ditador
venezuelano tem feito o tempo todo. Ontem, em reunião do Mercosul, Lula foi
mais assertivo: “O Mercosul não pode ficar alheio a essa situação. Não queremos
que esse tema contamine a integração regional ou ameace a paz e a estabilidade.
Caso considerado útil, o Brasil e o Itamaraty estarão à disposição para sediar
quantas reuniões forem necessárias”.
O governo chavista resolveu reabrir uma
disputa centenária sobre a região de Essequibo na Guiana, que perfaz dois
terços do território do país e onde habitam 125 mil dos 800 mil cidadãos
guianenses. Hoje a questão está sob exame da Corte Internacional de Justiça,
que não é reconhecida por Caracas. Pouco depois de tomar posse, após a morte de
Hugo Chávez, em 2013, Maduro qualificou as rusgas territoriais com o vizinho de
“heranças do colonialismo” e prometeu paz na região. Mudou de ideia.
O motivo mais provável é que Maduro quer
desviar as atenções das eleições presidenciais de 2024, que prometeu que seriam
livres, justas e acompanhadas por observadores internacionais, compromisso em
troca do qual obteve a suspensão de parte do embargo à venda de petróleo e
transações financeiras pelos EUA. O governo venezuelano fez no domingo um
plebiscito com cinco perguntas enviesadas em direção ao “sim” para a anexação
de Essequibo à Venezuela. Não houve relatos independentes ou confiáveis sobre
quantas pessoas foram votar. Dados oficiais apontam que a grande maioria delas,
96%, apoiaram a anexação. Maduro se diz respaldado pela soberania popular para
fazer o que quiser - inclusive uma improvável intervenção armada.
A ameaça externa é um manjado libelo
nacionalista, mais uma vez usado para forjar união em torno do líder da nação.
Se Maduro contou com isso para se fortalecer, pode ter se enganado. A comissão
eleitoral estimou que 10,5 milhões de cidadãos compareceram às urnas, metade
dos 21 milhões habilitados. É pouco até mesmo diante dos mais de 7 milhões de
cidadãos que já votaram “com os pés” e deixaram o país para fugir da fome e da
inflação, em um dos maiores êxodos em tempos de paz na história recente. Mesmo se
os dados oficiais estiverem certos, esse comparecimento de 50% já seria
insuficiente para respaldar um esforço guerreiro e, mais importante, até mesmo
para ter certeza de que nas próximas eleições Maduro se mantenha no poder. Mas
os dados são pouco confiáveis e há rumores de que houve fraudes na contagem,
portanto o número pode ser ainda menor.
Não se pode descartar a cobiça como motivo
para uma guerra de rapina por parte de militares e de membros da cúpula
bolivariana. O tom em Caracas contra a Guiana só subiu, porém, muito tempo
depois que a americana ExxonMobil passou a explorar petróleo no mar do
território vizinho e descobriu reservas que podem ultrapassar 11 bilhões de
barris. A existência de grandes bacias de petróleo, no entanto, é um pretexto
frágil para justificar a retórica da invasão, mais voltada de fato à
necessidade de que Maduro tenha grande apoio - na cúpula e na base - para se
manter no poder. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, 304
bilhões de barris, mais de 30 vezes maiores que as de seu vizinho. Não falta
petróleo à Venezuela, mas o regime chavista sequer consegue explorá-lo. Ele
destruiu, com compadrio e corrupção, a estatal Petroleos de Venezuela (PDVSA).
O regime conseguiu a proeza de reduzir a produção nacional de quase 3 milhões
de barris/dia para os 800 mil atuais.
O governo de Maduro está queimando as pontes
que poderiam retirá-lo do isolamento. Os EUA suspenderam parte dos embargos ao
país em troca de promessas de eleições presidenciais livres e limpas. Feito o
acordo, Maduro em seguida impugnou o resultado das primárias da oposição e
manteve o veto a sua rival mais popular, Maria Corina Machado. Ontem, o
procurador-geral da Venezuela, Tarik Saab, pediu a prisão de 14 membros da
oposição, sob acusação de traição por suposto boicote ao plebiscito de domingo
sobre Essequibo. Entre os indiciados estão Juan Guaidó e Leopoldo López,
fundadores do Vontade Popular, hoje exilados.
O Protocolo de Ushuaya, assinado em 1998 pelos países do Mercosul, suspende direitos legais dos Estados membros que não respeitem os preceitos democráticos, caso claro da Venezuela. O governo petista costuma relativizar os arbítrios da ditadura chavista. O presidente Lula, sobre a Venezuela, chegou a dizer que o conceito de democracia “é relativo”. Mas o governo brasileiro é o único que tem alguma chance de dissuadir Maduro de suas possíveis intenções expansionistas. Lula sempre contemporizou com o chavismo, mas não pode menosprezar as chances de um conflito armado na fronteira do Brasil, protagonizado por seus amigos ideológicos.
O saneamento vence
Folha de S. Paulo
Apesar do tumulto, privatização da Sabesp
avança em benefício da população
É positivo o andamento do cronograma de
privatização da Sabesp, a partir da aprovação do
projeto na Assembleia Legislativa com 62 votos favoráveis e
apenas 1 contrário —a oposição, que completa os 94 deputados, ausentou-se do
pleito.
A conduta
deplorável dos discordantes que tumultuaram a sessão, levando a PM a
reagir, não bastou para impedir que a maior empresa de saneamento do país possa
avançar no objetivo central: acelerar a universalização dos serviços.
O modelo proposto pelo governo paulista
levará a uma redução de sua participação acionária de 50,3% para um patamar
entre 15% e 30%. A definição ainda depende de estudos, mas de todo modo o
estado não terá o controle acionário.
Ao contrário do que pregam os críticos, a
redução da fatia estatal não significa enfraquecimento da regulação. O novo
marco do setor prevê regras claras que deverão nortear o contrato, sob
supervisão da agencia reguladora estadual, a Arsesp, e também da ANA, federal.
A precariedade regulatória até aqui foi um
dos principais impedimentos para a expansão da cobertura no fornecimento de
água e coleta de esgoto. O setor é dominado por estatais há décadas, mas o país
ainda ostenta a vexatória marca de 100 milhões de brasileiros sem acesso ao
saneamento básico.
São Paulo e a Sabesp, por certo, apresentam
situação melhor que a da maioria dos outros estados. A empresa é superavitária,
com lucro de R$ 3,12 bilhões em 2022.
Mas daí não resulta que a situação atual seja
satisfatória. Com a privatização, espera-se ampliação nos investimentos, que
podem atingir R$ 66 bilhões, e antecipação da meta de universalização de 2033
para 2029.
O modelo que disciplinará a concessão,
ademais, prevê que os ganhos de eficiência serão partilhados com os
consumidores por meio de redução da tarifa, o que desmonta o principal
argumento contrário à operação. Tal premissa é condição necessária para que se
possa apoiar a privatização.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos)
estima que irá arrecadar R$ 10 bilhões com a venda de ações, quantia que pode
servir a outros investimentos essenciais.
A esperada melhoria de governança, ademais,
indica potencial de valorização das ações em mercado. A Sabesp também poderá
expandir sua participação em outras concessões no país e manter sua posição de
liderança.
Ainda será necessária a aprovação pelos
vereadores da capital, outro teste de fogo, ainda mais com a aproximação da
eleição municipal de 2024. A privatização, desde que respeitados os requisitos
básicos de eficiência e modicidade tarifária, deve prosseguir para benefício da
população paulista.
Tragédia anunciada
Folha de S. Paulo
Desastre em AL tem história de erros da
Braskem e, para o MPF, de fiscalização
A história da Braskem está ligada ao velho
desenvolvimentismo brasileiro. O complexo petroquímico que explora sal-gema em
Maceió (AL) constava das diretrizes do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)
lançado no longínquo 1971, durante a ditadura militar.
Apesar de o então órgão ambiental de Alagoas
não recomendar a mineração, o governo estadual a autorizou e, em 1976, a
Salgema Indústria Química de Alagoas iniciou suas atividades —o nome mudou para
Braskem em 2002, após uma fusão com outras empresas.
O afundamento
do solo em uma de suas 35 minas em novembro deste ano, que gerou
tremores e rachaduras em imóveis e ruas, pode ser resultado de outra tradição
nacional: a precariedade da fiscalização.
Em março de 2018, tremores foram reportados,
com 14,5 mil imóveis afetados nos bairros Mutange, Bebedouro, Bom Parto e
Farol. Rachaduras em casas já haviam sido verificadas cerca de dez anos antes.
Desde os anos 1980, pesquisadores da
Universidade Federal de Alagoas alertam para os riscos da mineração em área de
restinga.
Em 2019, o Serviço Geológico do Brasil,
ligado ao Ministério de Minas e Energia, concluiu que a extração de
sal-gema pela Braskem foi feita de modo inadequado, desestabilizando
cavernas subterrâneas já existentes nos bairros afetados.
O sal-gema, uma variação do sal de cozinha, é
insumo importante para a indústria química, e o Brasil é o 10º maior produtor
mundial de sal, segundo a Agência Nacional de Mineração. É óbvio, entretanto,
que o valor para economia não pode estar acima dos cuidados com o meio ambiente
e a qualidade de vida da população.
Segundo o Ministério Público Federal em
Alagoas, numa ação protocolada em 2019, a Agência Nacional de Mineração e o
Instituto do Meio Ambiente de Alagoas falharam no monitoramento e no controle
das atividades da Braskem.
Entre as omissões, de acordo com o MPF, a
empresa atuou desde 1986 sem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental,
obrigatório para a renovação de sua licença.
Agora, os moradores de Maceió vivem o maior
desastre ambiental em curso em área urbana do Brasil, com 20% de território
afetado e 60 mil pessoas atingidas.
Além das indenizações devidas, urge que órgãos fiscalizadores façam seu trabalho. No caso, proteger a população dos riscos de atividades produtivas potencialmente degradadoras do meio ambiente.
A privatização da Sabesp
O Estado de S. Paulo
Deve-se cobrar uma boa regulação para que a
privatização seja bem-sucedida
Como se viu nas cenas de violência promovidas
pela oposição durante a votação da privatização da Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), os inconformados com a democracia andam
de braços dados com a vanguarda do atraso. Como se ainda estivéssemos nos anos
1990, época em que sindicalistas davam pontapés em quem ousava participar dos
leilões, o debate está eivado de paixão, inimiga natural da razão. E agora,
fiéis à sua natureza, esses inconformados com a democracia vão buscar refúgio no
Judiciário para que a lei a ser sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas
seja declarada inconstitucional, complementando a tentativa já consumada pelo
PT e o PSOL, que entraram em outubro com uma ação direta de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar o
decreto que facilitou a privatização.
Enquanto o imbróglio jurídico se arma, é
preciso registrar, primeiro, a vitória política do governador, que fez a
promessa de privatizar a companhia em sua campanha, no ano passado. Essa é,
portanto, uma agenda já submetida ao crivo do eleitorado. O segundo registro é
de natureza técnica: o projeto de lei aprovado está em linha com a realidade do
setor, no geral longe de atingir as metas de universalização.
São Paulo é uma das raras exceções no cenário
de atraso que se observa no saneamento. Tem alta cobertura de água (96,5%),
coleta de esgoto (87,7%) e tratamento de esgoto (65%), todos em níveis melhores
do que a média nacional, segundo registrou Gesner Oliveira, ex-presidente da
companhia, no Estadão. Os críticos da privatização argumentam que esse sucesso
é justamente a razão pela qual não há necessidade de entregar a Sabesp para o
capital privado. Engano. O resultado paulista foi possível porque a empresa abriu
capital, ingressou no Novo Mercado (que engloba as companhias de melhor
governança corporativa da B3, a bolsa de valores brasileira) e selou parcerias
público-privadas. É uma empresa bem-sucedida, tecnicamente acima da média
nacional do setor, mas que ainda enfrenta desafios gigantescos, incluindo a
meta de universalização dos serviços prevista no Marco Legal do Saneamento. A
diminuição da presença do Estado provavelmente abrirá caminho para maior
investimento privado e maior capacidade de lidar com os desafios.
Os adversários da privatização apontam ainda
que empresas de saneamento privatizadas no passado, incluindo as de países
europeus e sul-americanos e de cidades como Paris, Berlim, Buenos Aires e
Atlanta, vêm sendo novamente estatizadas. A tese também merece reparo. Nesses
casos, os estudos apontam que a reestatização ocorreu, em sua maioria, em
países relativamente ricos, com a infraestrutura praticamente pronta graças à
ação privada. Nos casos latino-americanos, como os de Argentina e Venezuela,
governos majoritariamente de esquerda pura e simplesmente quebraram contratos,
como sói acontecer.
Se é verdade que o modelo da privatização da
Sabesp foi adequado (oferta privada com regulação pública), também é verdade
que há uma ampla literatura microeconômica demonstrando o papel fundamental da
regulação, especialmente quando o custo do controle da qualidade do serviço é
baixo. É o caso do saneamento básico, assim como da concessão de rodovias,
diferentemente, por exemplo, dos serviços de encarceramento.
Eis o alerta necessário: não basta transferir
a oferta para o setor privado, é preciso uma boa regulação. É ela que permitirá
preservar a qualidade dos serviços e um bom equilíbrio de preços das tarifas –
um temor natural de muita gente de boa vontade diante da privatização. Mas o
fato é que as estatais brasileiras deixaram praticamente metade do País fora do
sistema de esgoto, uma população carente castigada pela ineficiência, pela
baixa fiscalização e nenhuma punição pelo descumprimento de metas.
Estado ausente, cidadãos desamparados
O Estado de S. Paulo
Ou o governo do Rio exerce o monopólio da
violência com técnica e legalidade ou justiçamentos como os havidos em
Copacabana serão cada vez mais corriqueiros, instituindo a barbárie
Hauridos pela violência que aterroriza o
bairro e, não sem razão, sentindo-se abandonados pelo Estado, alguns moradores
de Copacabana, na zona sul do Rio, reuniram-se em grupos para identificar,
perseguir e atacar suspeitos de cometerem crimes na região, sobretudo roubos.
À luz da lei, deve-se dizer com todas as
letras: “justiceiros” são tão criminosos quanto aqueles que, supostamente,
pretendem enfrentar. Cabe ao Estado exercer o monopólio da violência. Essa é a
essência do pacto social, o atributo fundamental de uma sociedade civilizada. O
resto é barbárie.
De fato, são revoltantes as imagens que
correram o País mostrando hordas de criminosos cercando suas vítimas nas ruas
de Copacabana, a maioria mulheres, como uma alcateia que cerca uma presa.
Compreende-se a angústia dos muitos cariocas que se sentem largados à própria
sorte – não só em Copacabana, como em quase todos os bairros – por um Estado
frequentemente ausente, seja por desídia, corrupção ou conluio com os
criminosos. Porém, como é óbvio, não se combate a criminalidade recorrendo a
ações criminosas, como são as ações de justiçamento – que passam longe de serem
legais ou moralmente aceitáveis, como atestam os muitos indivíduos, culpados ou
inocentes, que já morreram a pauladas, socos e pontapés.
Legítima mobilização cidadã seria a reunião
dos moradores para cobrar do governador Cláudio Castro a mobilização da Polícia
Militar, em particular do 19.º Batalhão, responsável pelo policiamento
ostensivo em Copacabana e no Leme, para reforçar a segurança em ambos os
bairros. Também é possível buscar formas de estreitar a colaboração entre a
comunidade e as forças de segurança com vista à construção de um ambiente mais
seguro para todos.
É provável que tudo isso tenha sido feito,
mas a inação do Estado não autoriza que cidadãos tomem o poder de polícia nas
próprias mãos. Se a anomia começa a imperar num dos bairros mais tradicionais
da zona sul carioca, um dos pontos mais simbólicos do Rio e do Brasil mundo
afora, como estarão as outras regiões do Estado que não foram agraciadas com o
charme da “Princesinha do Mar”?
Não bastassem os problemas de ordem legal, o
justiçamento ainda corrói o tecido social na medida em que conspurca o
verdadeiro laço de solidariedade que deve unir os cidadãos. A reunião desses
grupos de “justiceiros” teve início logo após o empresário Marcelo Rubim
Benchimol ser brutalmente atacado por assaltantes ao tentar amparar uma mulher
que havia sido roubada momentos antes na Avenida Nossa Senhora de Copacabana,
uma das mais movimentadas do bairro. Não há registro de que o sr. Benchimol
tenha sido acudido por seus concidadãos nem tampouco que alguém tenha acionado
a polícia. Soube-se do caso pela imprensa, por meio da divulgação de imagens da
agressão captadas por câmeras de segurança instaladas num imóvel próximo.
A reação violenta dos moradores de
Copacabana, em boa medida previsível pela perigosa combinação das sensações de
terror e desamparo, é algo que não se coaduna com os princípios de um Estado
Democrático de Direito e deve ser contida dentro da mais absoluta legalidade. É
inegável, porém, que esse modo de agir reflete o desespero de cidadãos que
desejam nada mais do que poder sair às ruas sem o pavor de serem assaltados e
mortos ao virar uma esquina. Cabe ao sr. Cláudio Castro agir para retomar o
controle de áreas que hoje estão entregues ao arbítrio dos criminosos, que
definem quando e quem pode circular por territórios cada vez mais amplos do
Estado.
A falência do Rio em garantir a segurança dos
cidadãos, há muito submetidos ao tacão de ladrões, milicianos ou traficantes,
é, em última análise, a falência do Estado em sua própria razão de existir. Se
não serve para garantir o básico, servirá para quê? Ou o governo do Estado se
emenda e passa a exercer o monopólio da violência com técnica e legalidade ou
justiçamentos como esses havidos em Copacabana serão cada vez mais
corriqueiros, fazendo letra morta das leis e da Constituição e instituindo no
Rio a Lei do Talião.
Maduro precisa ser contido
O Estado de S. Paulo
Ditador venezuelano amplia ameaça à Guiana,
ante a espantosa apatia do Brasil
Ato contínuo ao referendo favorável à
absorção de Essequiba, que forma 70% do território da Guiana, o autocrata
venezuelano Nicolás Maduro escalou as ameaças. Ele ordenou que estatais
explorem petróleo e minas da região, nomeou um interventor, mobilizou um posto
militar na fronteira e determinou a aprovação de uma lei criando o Estado
venezuelano de Essequiba.
Independentemente de se isso é um teatro ou
se há intenção real de uma invasão, essas medidas violam o direito
internacional e exigem repreensão dura e inequívoca, e mobilizações para
estabelecer sanções à agressão política e à potencial agressão militar. Mas a
apatia do Brasil e de instâncias multilaterais como a Organização dos Estados
Americanos salta aos olhos.
Escalonando os objetivos de Maduro, dos
imediatos aos remotos, há primeiro os domésticos: fabricar uma imagem de
unidade nacional sob sua liderança e mobilizar as bases chavistas às vésperas
de um ano eleitoral. A meta final seria anexar Essequiba à força.
Os primeiros objetivos foram um tiro pela
culatra. Há consenso popular de que Essequiba deveria ser da Venezuela. Mas a
baixa adesão às urnas mostra que os venezuelanos não estão entusiasmados com a
aventura irredentista de Maduro. O governo fala em 50% de comparecimento, cerca
de 10 milhões de eleitores. Mas observadores independentes estimam cerca de 2
milhões. A líder da oposição, María Corina, denunciou o pleito como uma
“distração”, defendendo que a controvérsia seja solucionada pela Corte Internacional
de Justiça, como pretendem a Guiana e a ONU.
A tensão marcial servirá de pretexto a Maduro
para apertar os grilhões de sua ditadura, mas a invasão é improvável. A
assimetria é brutal: a Guiana não tem Forças Armadas; a Venezuela tem o apoio e
armas de agentes do caos, como Cuba e Rússia. Mas a região, com densa floresta,
impõe dificuldades operacionais e há dúvidas se as Forças Armadas venezuelanas
estão dispostas, tanto mais considerando o apoio dos EUA à Guiana.
O Brasil deslocou tropas a Roraima. É medida
indispensável para proteger as fronteiras nacionais, mas não implica condenação
nem punição das manobras ilegais da ditadura chavista, muito menos dissuasão de
uma potencial agressão militar. O silêncio no Planalto é ensurdecedor e já
deixou de ser obsequioso, arriscando-se a se tornar cúmplice.
O presidente Lula disse esperar que “o bom
senso prevaleça”. Mas a truculência de Maduro rasgou essa fantasia. Querendo
mostrar força, Maduro expôs sua fraqueza. Mas déspotas desesperados são mais,
não menos, perigosos.
Por tempo demais o líder petista se esquivou de tratar seu “companheiro” como o pária que é. Ao contrário, segue prestigiando Maduro como líder da vanguarda esquerdista contra a opressão “imperialista”. Agora que o tirano de seu povo exibe as garras de agressor de outro povo, essa fantasia também se rasgou. A complacência do chefe de Estado brasileiro é imoral e, no limite, a depender da ousadia de Maduro – por exemplo, atravessando Roraima para alcançar a Guiana –, poderá até ser crime de responsabilidade.
A urgência do combate ao câncer
Correio Braziliense
O não adoecimento por esses tipos de câncer,
preveníveis em grande parte por meio da vacinação contra o HPV, poderia
impactar os custos da saúde no Brasil, evitando assim 4,5 mil mortes/ano
Estudo da Fundação do Câncer, divulgado esta
semana, revela que cerca de 6 mil casos da doença relacionados ao HPV (papiloma
vírus humano) no Brasil poderiam ser evitados a cada ano por meio da prevenção
primária. A publicação O impacto do HPV em diferentes tipos de câncer no Brasil
mostra que são estimados 17 mil casos de câncer de colo do útero em um ano, o
tipo mais frequentemente associado ao HPV.
Foram analisados cinco tipos de câncer:
orofaringe, ânus e canal anal, vagina, vulva e pênis. A análise do perfil dos
pacientes com essas doenças revela que a maioria, considerando homens e
mulheres, tem mais de 50 anos (78%), baixa escolaridade (64%) e é negra (56% e
53%, respectivamente).
No entanto, a maioria dos pacientes já chega
às unidades de saúde em estágios avançados da doença, com destaque para o
câncer de orofaringe, tumor que se desenvolve em parte da garganta. Nesses
casos, as pessoas são diagnosticadas nessa condição em todas as regiões do
Brasil (homens, 88%; e mulheres, 84%).
Os dados apontam que aqueles que chegam ao
hospital com o diagnóstico em mãos, em sua maioria, são tratadas com mais de 60
dias, o que fere a Lei 12.732/12, que garante ao cidadão iniciar o tratamento
dentro desse prazo após o diagnóstico da doença.
A Fundação do Câncer também alerta para a
questão econômica. O não adoecimento por esses tipos de câncer, preveníveis em
grande parte por meio da vacinação, poderia impactar os custos da saúde no
Brasil, evitando assim 4,5 mil mortes/ano. Sem dúvida, a prevenção reduziria
gastos com diagnóstico, tratamento e internações, inclusive abrindo espaço para
o atendimento a pacientes com outros tipos de câncer no sistema de saúde.
Os dados da publicação reforçam a importância
de estratégias eficazes de detecção precoce, tratamento rápido e acesso
igualitário aos cuidados de saúde, tanto em termos de gênero, faixa etária e
nível econômico. Além disso, ao observar informações sobre o tempo entre
diagnóstico e tratamento, é perceptível a ineficiência do fluxo da rede de
saúde. Devido às disparidades regionais, é fundamental desenvolver intervenções
direcionadas para cada tipo de público e região brasileira.
Dito isso, medidas preventivas, no caso dos
cânceres relacionados ao HPV, são cruciais. A boa notícia é que o Brasil dispõe
da vacinação contra tipos relevantes do papiloma vírus, disponível pelo Sistema
Único de Saúde (SUS). A partir dos 9 e até os 14 anos, meninos e meninas podem
tomar as duas doses gratuitamente, assim como pessoas de 15 a 45 anos vivendo
com HIV/Aids, além de pacientes transplantados e oncológicos.
Mas enquanto a sociedade não se despir de
preconceitos, e isso começa na infância, os números continuarão ascendentes. O
pensamento de que "meu filho (minha filha) não precisa se vacinar contra o
HPV porque está longe de ter relações sexuais" precisa ser transformado em
"meu filho (minha filha) precisa se vacinar contra o HPV porque o contágio
é pele a pele, e não necessariamente via relação sexual".
Por ora, assistimos aos baixos índices de vacinação contra o HPV, que, no Brasil, são de 76% (primeira dose) e 57% (segunda dose) para meninas, e 62% (primeira dose) e 50% (segunda dose) para meninos.
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