O Globo
Ainda não temos uma legislação que garanta
a responsabilidade por toda a cadeia produtiva
As três empresas envolvidas no escândalo de trabalho escravo nas vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul — Salton, Garibaldi e Aurora —, responderam que não tinham ciência do que acontecia com seus trabalhadores, que eram gerenciados por uma empresa terceirizada, a Fênix Serviços. As três gigantes do vinho brasileiro alegaram que não tinham conhecimento dos choques, dos espancamentos, das ameaças de morte e da escravidão por dívidas a que eram submetidos os trabalhadores que faziam a carga e a descarga das uvas e afirmaram que a responsabilidade pelas violações de direitos humanos é da terceirizada.
O problema não está restrito à vinicultura,
nem ao Brasil. Nas últimas semanas, reportagens do New York Times revelaram que
grandes empresas, como a brasileira JBS e a General Mills
(que faz o cereal Cheerios e o sorvete Häagen-Dazs), empregaram trabalho de
crianças imigrantes em suas fábricas nos Estados Unidos.
A terceirizada da JBS, a Packers Sanitation
Services, empregou pelo menos 102 crianças imigrantes, algumas com apenas 13
anos, para trabalhos pesados de limpeza da fábrica, usando produtos químicos
perigosos em turnos noturnos em 13 fábricas de processamento de carne. A
resposta das empresas nos Estados Unidos foi muito parecida com a das vinícolas
no Rio Grande do Sul. A JBS alegou que desconhecia que crianças imigrantes
faziam a limpeza de suas fábricas em turnos noturnos e informou que romperia o
contrato com a terceirizada.
Embora as três vinícolas brasileiras tenham
sido responsabilizadas pelo Ministério Público do Trabalho pelo trabalho
escravo da terceirizada, ainda não temos uma legislação que garanta a
responsabilidade por toda a cadeia produtiva. Isso faria que as empresas
monitorassem o emprego de trabalho escravo e trabalho infantil nas etapas
anteriores à manufatura dos produtos.
Muito do trabalho de responsabilização das
empresas tem sido feito por iniciativas de boicote lembrando aos empresários
que o custo de terceirizar o trabalho, sem se certificar de que ele obedece às
leis, pode ser alto. Estudos têm mostrado que os boicotes em geral são pouco
eficazes para impor prejuízos significativos à receita das empresas, mas a
exposição à controvérsia pública pode causar um grande prejuízo à imagem.
A CNBB emitiu uma nota orientando que nas
missas não sejam usados vinhos canônicos oriundos de vinícolas que empregam
trabalho escravo. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos (ApexBrasil), órgão governamental que promove os produtos
brasileiros no exterior, suspendeu a participação da Aurora, da Garibaldi e da
Salton em iniciativas como feiras internacionais, missões comerciais e eventos
promocionais até que as investigações sejam concluídas. A rede de supermercados
Zona Sul retirou das prateleiras e devolveu todos os vinhos da vinícola Aurora
que tinha em estoque. Nas redes sociais, iniciativas incentivam consumidores a
aderir ao boicote aos produtos das três empresas.
Este momento de comoção é importante para
que medidas de maior impacto sejam tomadas e para que, no futuro, não vejamos
mais uma vez empresas como JBS, Salton, Garibaldi e Aurora alegando que não têm
responsabilidade pelo trabalho que terceirizam.
A multa aplicada pelo Ministério Público do Trabalho seguramente servirá de exemplo, e as campanhas de boicote podem fazer empresas deste e de outros setores se apressarem a verificar o tratamento dado aos trabalhadores em suas terceirizadas, com medo de se tornarem o próximo objeto de indignação pública.
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