terça-feira, 21 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Terceira via tem oportunidade diante de si

O Globo

Maioria está descontente com dois extremos políticos, mas até agora ninguém soube aproveitar a chance

A erosão do centro político desafia diversos países. Alimentada por sucessivas crises econômicas nas primeiras décadas deste século e pelo crescimento das redes sociais, a polarização entre esquerda e direita, amigos e inimigos, nós e eles se tornou o ingrediente decisivo em eleições mundo afora. Em muitas sociedades, na brasileira inclusive, a divisão em dois campos políticos opostos cresceu a ponto de a identidade social ser suplantada pela identidade política. Até pais e mães passaram a avaliar futuros genros ou noras pelo apoio a este ou àquele candidato.

Traz certo alento, diante desse quadro, a pesquisa Ipec noticiada pelo GLOBO. Dos entrevistados, 57% afirmaram concordar total ou parcialmente com a afirmação: “gostaria que o Brasil tivesse uma terceira via para evitar a polarização política no país”. Apenas 18% declararam discordar totalmente e 9% em parte. A opinião majoritária no Brasil, portanto, é que a divisão entre petistas e bolsonaristas que deu o tom nas duas últimas eleições presidenciais tem feito mais mal que bem ao país. É uma boa notícia. Despolarizar é mesmo necessário.

Ao mesmo tempo, o resultado não é surpreendente. A eleição do ano passado deixou claro que os votos dos petistas não teriam bastado para eleger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foram os eleitores mais ao centro do espectro ideológico que garantiram sua vitória, e eles têm motivos para desejar uma terceira via. Da mesma forma, os votos da extrema direita bolsonarista não bastaram para eleger Jair Bolsonaro em 2018. Ele também dependeu de votos do centro, sobretudo da parcela antipetista.

Por isso mesmo, é preciso ter cautela ao interpretar o resultado apontado pelo Ipec. Uma coisa é o que o brasileiro diz na pesquisa, outra o que decide na hora do voto. A existência de uma porção majoritária da sociedade insatisfeita com os extremos não é propriamente nova. Nas urnas, contudo, grande parte desses eleitores tem acabado por escolher um dos polos, na tentativa de dar a vitória ao “menos pior”. É essa a lógica fundamental da polarização, insuflada tanto por Lula quanto por Bolsonaro. É uma armadilha difícil de desarmar.

A principal deficiência do campo político identificado com o centro é a carência de nomes populares. Diversas candidaturas que tentaram emergir nessa raia naufragaram, incapazes de despertar uma fração da paixão e da popularidade associadas a líderes como Lula ou Bolsonaro. Sem isso, o desejo de uma terceira via não tem como se tornar realidade — afinal não aparecem as palavras “terceira via” em nenhuma urna eletrônica, apenas nomes de candidatos.

É certo que o Brasil já viveu épocas de polarização acirrada, seguidas de períodos de menos tensão política — os governos Collor e Itamar são exemplos. Não há polarização que dure para sempre. A pesquisa Ipec serve, mais uma vez, para reiterar que está aberta uma oportunidade. O brasileiro espera que surja alguém com capacidade e talento político para saber aproveitá-la.

Com cobertura deficiente, jogar fora vacinas contra Covid é incompetência

O Globo

Não adianta governo atual ficar eternamente culpando o anterior pelo desperdício de milhões de doses

É revoltante que o Ministério da Saúde tenha jogado no lixo, entre 2021 e 2023, 38,9 milhões de doses de vacina contra a Covid-19, avaliadas em R$ 2 bilhões. O descarte aconteceu porque elas não foram usadas no prazo previsto. A maior parte (27,1 milhões) venceu em 28 de fevereiro deste ano, 9,9 milhões expiraram no ano passado, e 1,9 milhão em 2021. Pode ser ainda pior, pois mais 20 milhões de doses perderão a validade entre três e seis meses.

Em 2021, brasileiros disputavam lugar nas filas da vacina. Valia tudo para conseguir se vacinar: carteirada, pistolões, suborno, atestados fraudulentos e por aí afora. Havia até uma fila — a “xepa da vacina” — para tentar receber doses que sobravam. Tudo foi feito errado. Não se comprou a quantidade suficiente quando era mais necessário — e se comprou demais quando a demanda caiu, por falta de empenho do governo, pela resistência ou indiferença da população. O que faltava em 2021 vai para o lixo em 2023.

O governo atual culpa o anterior pelo descalabro. O Ministério da Saúde alega que a gestão Bolsonaro negou à equipe de transição informações sobre estoques e validade. Afirma que, ao assumir, deparou com 27 milhões de doses prestes a vencer, “sem tempo hábil para distribuição e uso”. Argumenta ainda ter buscado solução junto aos conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde (Conass e Conasems) para evitar o desperdício.

Ainda que a atual equipe tenha assumido há menos de três meses, não há inocentes nessa história. Todos sabiam que encontrariam na Saúde uma terra arrasada depois da gestão desastrosa de Bolsonaro. Era necessário ter previsto soluções para gerir crises óbvias. Ou esperavam encontrar tudo em ordem?

Se hoje não há tanta procura pela vacina, é porque a doença está sob controle graças à vacinação. Mas não se pode relaxar. Enquanto doses são jogadas fora, a cobertura vacinal no Brasil ainda está muito aquém do necessário. Só um estado (São Paulo) atingiu no ano passado a meta de vacinar 90% da população com duas doses (no Brasil todo, o total chegou a 81%). Quanto às doses de reforço, essenciais para combater novas variantes do coronavírus, apenas 108 milhões (51%) tomaram a primeira e 43 milhões a segunda (pífios 20%). Jogar vacinas fora nesse cenário é prova de incompetência.

Aplicar as doses continua sendo fundamental para que os cidadãos possam levar uma vida normal. A vacina é a melhor forma de conviver com o vírus. Por isso Ministério da Saúde, estados e prefeituras precisam fazer campanhas e levar doses a lugares de grande concentração, com o objetivo de aumentar os índices de cobertura e evitar que elas encalhem e acabem no lixo.

O Ministério da Saúde tem menos de seis meses para impedir que outros 20 milhões de doses sejam desperdiçadas. É inadmissível que um país onde ainda se morre de Covid-19 descarte vacinas por desleixo e incompetência. Na escassez crônica do SUS, os R$ 2 bilhões que foram para o lixo seriam de enorme valia. Não dá para ficar culpando eternamente o governo anterior.

Mandato fixo no STF pode ser tiro no pé

O Estado de S. Paulo.

Em vez de afastara Cor teda política, a proposta, gerando maior rotatividade dos ministros, pode inviabilizar papel contra majoritário do STF e tornar jurisprudência mais instável

Vem ganhando corpo a discussão sobre a proposta de alterar a Constituição para criar mandato com prazo fixo para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, citou a ideia entre as prioridades legislativas deste ano. A proposta é vista por muitos como um modo de reduzir o poder do Supremo, ampliando o controle do Executivo e do Legislativo sobre a composição da Corte. Com uma maior rotatividade dos ministros, os representantes eleitos – no caso, o presidente da República que indica os nomes para a Corte e os senadores que fazem a sabatina – teriam maior influência sobre o STF.

É preciso calma na análise da proposta. Nos tempos atuais, o STF tem dois grandes desafios: manter distância da política – ter uma atuação jurídica conscienciosa, que não invada o campo da política – e produzir jurisprudência com estabilidade. Mandato fixo, gerando maior rotatividade dos ministros, pode produzir o efeito contrário.

Por exemplo, uma das hipóteses ventiladas é a de fixar mandato de ministro do Supremo em oito anos. Com isso, a cada mandato presidencial, que dura quatro anos, metade do STF seria trocada. Isso significaria vincular definitivamente o Supremo aos tempos da política, numa relação que pode inviabilizar o papel contra majoritário da Corte em defesa da Constituição. O desenho institucional de uma Corte constitucional deve assegurar que el anão fique atreladaà política ou às maiorias parlamentares.

Co matroca de meta dedo STF a cada quatro anos, muito provavelmente as eleições para o Executivo e o Legislativo federais se transformariam também em eleições a respeito do Supremo, sujeitando a Corte à lógica da política. A ocorrência de tal fenômeno significaria corromper o princípio da separação dos Poderes, aspecto fundamental do Estado Democrático de Direito. Para ser apto a cumprir sua função, o Judiciário tem de ser independente da política.

Não é uma independência absoluta. Tanto é assim que os ministros do Supremo são indicados pelo presidente da República e passam pelo crivo do Senado. No entanto, uma vez que os ministros são empossados, a vitaliciedade do cargo proporciona uma nova dinâmica, mantendo a Corte apartada da lógica majoritária própria da política. Estabelecer mandato fixo, especialmente se for menor do que uma década, altera essa virtuosa sistemática.

Mas o mais imediato (e grave) problema do mandato com tempo certo para ministro do STF relaciona-se à questão da estabilidade da jurisprudência. Há na proposta um erro de perspectiva. Pensar que se melhora o Supremo aumentando a rotatividade de seus integrantes, além de impedir qualquer possibilidade de segurança jurídica, significa entender a colegialidade da Corte como simples expressão do placar da composição de cada momento.

É antirrepublicana a ideia de que o mandato fixo de ministro do STF seria positivo porque, caso a população (ou determinado grupo político) não goste de determinada decisão do Supremo, será mais fácil alterá-la, uma vez que a composição da Corte será modificada logo adiante. O papel do Supremo não é atender aos gostos da maioria ou do poder político. E isso tem uma profunda razão de ser: o Direito não é mera expressão da maioria momentânea ou do poder político. A consequência é cristalina. Só há efetivo respeito à Constituição com uma jurisprudência estável, não submissa aos ciclos políticos.

Apontar os riscos da proposta de mandato fixo não significa aplaudir irrestritamente o funcionamento atual do STF. Há muita coisa a corrigir e a melhorar. É preciso, por exemplo, tornar efetivas as novas disposições regimentais sobre pedido de vista e decisões liminares. Também é necessário que os ministros falem apenas nos autos e sejam rigorosos na compreensão de suas competências.

Nos últimos anos, cumprindo seu papel, o Supremo fez valer, em situações muito especiais, os limites constitucionais, o que gerou resistências significativas. Mas a pressão por mudanças no STF expressa também anseios legítimos. Os ministros do STF, por darem a última palavra, têm de ser magistrados exemplares.l

O enriquecimento do Nordeste está à mão

O Estado de S. Paulo.

Políticas regionais de estímulo econômico precisam ser combinadas a aperfeiçoamentos na educação, nas instituições e em políticas nacionais que beneficiarão regiões mais pobres

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) anunciou a inauguração neste semestre do Centro de Desenvolvimento do Nordeste. Essa bem-vinda iniciativa suscita oportunidades de relembrar as riquezas nordestinas, diagnosticar as razões de seu desperdício e investigar remédios para corrigi-lo.

Os nove Estados do Nordeste cobrem 18% do território nacional e abrigam 28% dos brasileiros. Entre 2002 e 2020, o PIB nordestino respondeu por 13,6% do PIB nacional. Nesse período, a economia teve um desempenho comparativamente bom, sobretudo em razão do setor de serviços. Enquanto o PIB nacional cresceu, em média, 2% ao ano, o do Nordeste cresceu 2,2%.

Mas isso não foi suficiente para superar uma defasagem histórica. O PIB per capita nordestino ainda é o menor do País. Todos os nove Estados figuram entre os dez menores níveis do Brasil. A pandemia expôs fragilidades estruturais. No biênio 2021-22, enquanto o Brasil cresceu 8%, o Nordeste cresceu só 7%, sobretudo pelo baixo desempenho da indústria de transformação, particularmente afetada pelo fechamento da fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia.

O desafio do desenvolvimento do Nordeste exige ponderar suas diversidades. Bahia, Pernambuco e Ceará concentram 62% do PIB. “Temos o Semiárido, a Caatinga, a Zona da Mata, o Recôncavo Baiano”, lembrou o pesquisador do Ibre Flávio Ataliba. Entre as vantagens comparativas da região, ele aponta a geração de energia eólica, além de potencialidades locais, como a agropecuária no Maranhão e no Piauí, serviços no Ceará ou a indústria na Bahia e em Pernambuco. Sem dúvida, como disse Ataliba, “qualquer estratégia de desenvolvimento precisa ser pensada examinando todas essas características”. Mas nesse exame é crucial tirar as lições da história.

“Desde meados do século 20, o governo federal executa políticas de desenvolvimento regional voltadas a elevar a renda per capita do Norte e Nordeste e também do Centro-Oeste”, apontou o economista do Insper Marcos Mendes em um estudo sobre a desigualdade regional. “O custo dessas políticas é alto e os resultados pouco expressivos. Por outro lado, há políticas públicas não relacionadas à questão regional que atuam na direção contrária, concentrando benefícios no Sul e Sudeste, ou impondo custos ao N e NE.”

Com base no diagnóstico de que a causa do atraso estaria na falta de condições para a industrialização, as políticas regionais focaram majoritariamente em subsídios e incentivos fiscais para a indústria. Os custos foram elevados – somadas as três regiões, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, da ordem de 0,5% do PIB ao ano, o equivalente a R$ 50 bilhões hoje –, mas o efeito para a convergência da renda per capita aos níveis do Sul e Sudeste foram, como se sabe, pífios.

O problema não está tanto nessa política em si, mas na negligência de outras que lhe dariam condições de sustentabilidade. Quanto desse dinheiro não teria produzido resultados mais robustos em termos de geração de empregos e renda se tivesse sido investido diretamente nas pessoas, ou seja, em educação e capital humano? Quanto não teria sido mais bem empregado se condicionado a reformas de máquinas públicas regionais ineficientes e sujeitas à captura de interesses privados e corrupção, herança dos latifúndios escravocratas e sua cultura de privilégios?

O estudo de Mendes analisa – além da educação pública, prioritária – seis casos de políticas “não regionais” que poderiam ser aprimoradas: reformas da Previdência (para melhor incluir os informais e mais pobres), do Fundo de Participação dos Municípios (para corrigir o subfinanciamento das cidades médias e periferias), da tributação do consumo (para aumentar a arrecadação dos Estados menos industrializados), das políticas sociais (para conter o vazamento de recursos para famílias de renda média e alta) e redução de benefícios tributários e de proteções comerciais (para eliminar privilégios corporativos). Aperfeiçoamentos como esses trariam o duplo bônus de melhorar as perspectivas para todo o País e de reduzir desigualdades regionais.l

A recuperação da renda do trabalhador

O Estado de S. Paulo.

Não há mágica: com inflação em queda, rendimento médio real sobe, mesmo com desemprego em viés de alta

A desaceleração da economia começou a pesar no mercado de trabalho. Depois de cair por seis trimestres consecutivos, o desemprego ficou estável em 8,4% no trimestre encerrado em janeiro, ante 8,3% no trimestre até outubro, segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE. A taxa de desocupação, no entanto, subiu em relação aos 7,9% registrados no trimestre encerrado em dezembro.

Embora seja um comportamento esperado para esta época do ano, outros dados do levantamento indicam certa perda do dinamismo que marcou 2022. A taxa de participação, indicador que mostra a relação entre as pessoas na força de trabalho e a população em idade para trabalhar, foi de 62%, ainda abaixo do nível pré-pandemia. Em outras palavras, o desemprego só não aumentou porque havia menos pessoas em busca de ocupação, resultado de uma combinação entre a baixa geração de vagas e a expansão do alcance e dos benefícios pagos por programas sociais nos últimos anos.

A tendência é que o desemprego volte a subir ao longo dos próximos meses, muito em razão do baixo crescimento econômico e do atual nível dos juros. Mas ao menos um importante indicador na Pnad Contínua apresentou um comportamento bastante positivo. O rendimento médio real dos trabalhadores teve alta de 1,6% no trimestre encerrado em janeiro na comparação com o trimestre até outubro, para R$ 2.835,00. E em relação ao mesmo período do ano passado, o avanço foi de 7,7%.

A renda continua baixa e inferior ao período pré-pandemia, quando estava em R$ 2.857,00, mas subiu pelo terceiro trimestre consecutivo. Porém, ao contrário do nível de emprego, o rendimento apresenta uma tendência de recuperação ao longo dos próximos meses. Os economistas apontam o aumento do salário mínimo e o reajuste dos servidores públicos como fatores importantes a influenciar este comportamento, mas a inflação mais baixa tem tido papel preponderante para este resultado.

Não é coincidência que o rendimento médio mensal dos brasileiros tenha tido o menor patamar dos últimos dez anos ao longo do ano de 2021. Mais do que consequência do aumento do desemprego e da baixa qualidade dos postos de trabalho criados na pandemia de covid-19, foi nessa mesma época que o IPCA superou os 10% no acumulado em 12 meses. A relação entre a renda e a variação da inflação é muito clara. Se os preços sobem demais, os salários podem até aumentar, mas os reajustes anuais não conseguem compensar a corrosão do poder de compra dos trabalhadores. Além disso, essas negociações não costumam atingir os autônomos, uma parcela relevante do mercado.

Por tudo isso, a recente recuperação do rendimento, ainda que tênue, reforça a importância do controle da inflação e da vigilância atenta do Banco Central (BC). O controle da inflação traz benefícios para o País como um todo, mas principalmente para os trabalhadores e a parcela mais vulnerável da população. Para consolidar esse quadro, falta agora uma âncora crível e uma política fiscal mais austera por parte do governo.

Desemprego aumenta, mas a renda real ainda cresce

Valor Econômico

Dados são positivos, mas a manutenção desses ganhos é improvável no atual cenário de incertezas

O mercado de trabalho deu sinais de que pode estar perdendo força neste início de ano, depois de um 2022 de vigorosa recuperação pós-pandemia. Mas ainda não há consenso a respeito da tendência. É comum a dispensa de mão de obra e a diminuição da oferta de emprego neste período, depois do aumento sazonal de fim de ano em consequência da expansão da produção e das vendas de Natal. A expectativa de desaceleração foi reforçada desta vez diante das previsões de arrefecimento da economia local e global, como resultado do aumento da inflação, das taxas de juros, e das incertezas com o novo governo.

Depois de o desemprego ter caído para 7,9% em dezembro, o menor patamar desde 2014, na esteira da recuperação da economia e da retomada dos contatos sociais, acabou subindo para 8,4% no trimestre terminado em janeiro, informou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, (a Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o primeiro aumento após dez recuos seguidos e a taxa ficou acima da mediana das projeções coletadas pelo Valor, que era de 8,2% de desocupação.

Ao fim de janeiro, havia 9 milhões de desempregados no país, número praticamente igual ao do trimestre terminado em outubro, e acima dos 8,6 milhões do trimestre encerrado em dezembro. O número de ocupados era de 98,6 milhões e a força de trabalho, que soma os que estão trabalhando com os que buscam emprego, era de 107,6 milhões, ambos os grupos com 1 milhão a menos na comparação com outubro.

Os analistas ponderam que o desemprego só não cresceu mais porque a procura por trabalho está menor. Geralmente isso acontece em início de ano por conta das férias. Outro fator apontado foi a redução da taxa de participação, que mede a proporção de pessoas de 14 anos ou mais têm ocupação ou estão desempregadas e em busca de vagas, ou seja, fazem parte da força de trabalho.

A taxa de participação teve um tombo na pandemia, recuperando-se depois. Chegou a 62,7% no terceiro trimestre de 2022, e voltou a se retrair. O aumento do valor do Auxílio Brasil para R$ 600 seria um dos motivos da redução da taxa de participação. No quarto trimestre, a participação no mercado de trabalho voltou a 62,1%, se distanciando da média histórica de 63,5% anterior ao surto de covid-19. Diminuiu mais, para 61,9% no trimestre terminado em janeiro, provavelmente sob influência da expectativa com a nova configuração do Bolsa Família no governo de Lula, com valores adicionais para as crianças e adolescentes. Por outro lado, o pente-fino que está sendo feito no Cadastro Único (CadÚnico) pode diminuir o número de beneficiados pelo Bolsa Família.

A taxa de participação pode ser determinante para o comportamento do mercado de trabalho neste ano, dado que a desaceleração econômica não permite maiores expectativas positivas em relação à abertura de vagas. Se a procura por ocupação aumentar, ampliando a taxa de participação, o desemprego deve crescer.

Segundo a Pnad Contínua, a maior parte do recuo da taxa de participação ocorre pela queda na ocupação de trabalhadores informais, que está sendo mais forte do que a dos formais. Desde fevereiro do ano passado, o número de ocupados com carteira assinada vem crescendo a um ritmo maior do que o total de ocupado; em janeiro, superou também o ritmo dos que não possuem carteira assinada.

Ocupações geralmente informais ou de menor renda também estão crescendo menos. É o caso do trabalho doméstico e, sobretudo, da ocupação por conta própria, que inclui os “bicos”. O IBGE calcula que a taxa de informalidade tenha atingido 39% em janeiro, nível que está mais próximo do registrado em 2016 e 2017.

Como os formais têm rendimento superior ao dos informais, isso contribui para outra característica atual do mercado de trabalho, que é o aumento da renda real, também favorecida pela desaceleração da inflação. O rendimento médio de todos os trabalhos recebidos ficou em R$ 2.835 em janeiro, 1,6% acima do trimestre terminando em outubro, com 7,7% de variação em um ano. O valor da massa de rendimentos reais em janeiro, de R$ 275,1 bilhões, está perto do patamar mais elevado da série histórica comparável do IBGE. Considerando as diferentes séries da Pnad, o valor é o terceiro mais elevado. Os dados são positivos, mas a manutenção desses ganhos é improvável no atual cenário de incertezas.

Tensão bancária

Folha de S. Paulo

Bancos centrais americano e brasileiro decidem juros com os olhos na crise

As providências tomadas com o fim de conter a desconfiança global nos bancos não bastaram para evitar a venda maciça de ações de instituições financeiras de pequeno e médio porte nos EUA.

Por si só, esse não é um indicador de crise descontrolada. Mas é sinal de que o problema ainda se desenrola —e atinge outras praças, como demonstra o socorro ao Credit Suisse, comprado pelo UBS com apoio das autoridades suíças.

Mais do que isso, o tumulto deve ter impacto na atividade econômica e coloca os bancos centrais, dos Estados Unidos e do mundo, diante de um dilema difícil. Uma decisão equivocada pode ter consequências dramáticas.

Desde a derrocada do americano SVB, em 6 de março, o preço das ações do First Republic desabou. Na semana passada, 11 bancos do país anunciaram que depositariam US$ 30 bilhões em contas do combalido par de negócios.

Não bastou. Ao que parece, investidores desconfiam das perspectivas do First Republic e similares. Não foi suficiente também o governo dos EUA divulgar, de modo informal, que cessara a onda de saques das contas das pequenas e médias instituições financeiras —ao menos no conjunto delas.

Bancos também recorrem em massa às linhas emergenciais de empréstimos do Fed, o banco central americano, como não o faziam desde 2008. De um lado, é evidência do estresse. De outro, quer dizer que há ampla rede de apoio.

O problema maior ainda parece ser a insegurança. A crise foi detonada pelo colapso de instituições que não estavam no radar de analistas e, mais grave, de supervisores. Há setores financeiros pouco transparentes e nada regulados.

Além disso, o próprio abalo dos bancos médios deixará cicatrizes na economia real, com redução do crédito. A queda de taxas de juros e de preços de commodities indica que, nos mercados, espera-se resfriamento econômico.

Afora o setor de tecnologia, a economia resistia bem à alta rápida da taxa básica de juros. Nos EUA há pleno emprego; a confiança e a despesa de consumidores se recuperavam no início do ano.

Esse, aliás, era o problema do Fed: uma inflação em queda apenas ligeira em uma economia ainda aquecida. Um par de dias antes dos colapsos bancários, a discussão era se o BC americano deveria acelerar o aperto monetário.

O Fed terá decisão difícil pela frente nesta semana. Subir os juros, como fez o Banco Central Europeu, pode ter impacto sobre os bancos. Guardadas as proporções, o Banco Central brasileiro, que tende a manter estável a Selic, e as demais autoridades econômicas também terão de levar em conta o novo cenário em suas decisões.

Farsa que reverbera

Folha de S. Paulo

Guerra entre EUA e Iraque completa 20 anos com legado de erros geopolíticos

Em janeiro de 1991, os Estados Unidos lideraram uma coalizão com mandado da ONU para expulsar as forças do ditador iraquiano Saddam Hussein do Kuwait, que havia sido invadido no ano anterior.

Após 12 anos, os mesmos EUA seguiram à risca o dito de Karl Marx em "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte" e repetiram a história, dessa vez não como tragédia, mas como farsa que reverbera até hoje.

O precedente para a invasão ilegal do Iraque, que completou 20 anos nesta segunda (20), inexistia. Não havia armas de destruição em massa no país, e Sadam não estava aliado à Al Qaeda —que, em 2001, havia justificado a chamada Guerra ao Terror com o 11 de Setembro.

Havia um projeto geopolítico e econômico com pitada de vingança, já que o então presidente americano, George W. Bush, era filho do quase homônimo que venceu em 1991 mas não derrubou Saddam.

No campo político, os Estados Unidos estavam no zênite de poder pós-Guerra Fria, e a ameaça do terrorismo ajudou a justificar o apetite de Washington.

O problema foi reconhecido quase 20 anos depois, quando Joe Biden deixou o Afeganistão, ocupado em 2001 por abrigar a Al Qaeda. A imposição de valores democráticos a sociedades alheias a eles criou mais brutalidade —uma exceção foi o arrefecimento da opressão das afegãs durante a ocupação.

No Iraque, isso foi demonstrado com a resistência da minoria sunita associada a Saddam e a posterior guerra civil sectária com a maioria xiita do país. O saldo, segundo estudo da Universidade Brown (EUA), pode ter chegado a 315 mil mortos e um custo de US$ 1,8 trilhão.

O país livrou-se de uma ditadura cruel e ficou com uma autocracia a flertar com a anarquia. De quebra, o arquirrival dos EUA na região, o Irã, ganhou um virtual vassalo.

Se as petroleiras ocidentais aliadas às locais lucram com a produção recorde do país, quase o dobro do nível pré-guerra, essa bonança não alcança a população. Cerca de um terço dos 42 milhões de iraquianos vive na pobreza, diz a ONU.

Ademais, a guerra não acabou totalmente. Ainda há tropas no Iraque, visando conter um dos maiores males oriundos do caos instalado: o terrorista Estado Islâmico. Por fim, a ação americana expôs a impotência das Nações Unidas, que também a Rússia evidenciou ao mundo ao invadir a Ucrânia.

Afora a queda de Saddam e a atual aversão americana a repetir o erro, não há legado a celebrar.

 

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