Folha de S. Paulo
Até onde o governo vai apertar os botões para
arrecadar mais?
O governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
entrou em 2024 mantendo a pressão para fazer o ajuste fiscal pelo lado da
arrecadação, mas terá que sinalizar o quanto antes qual será o limite para o
aumento da carga tributária.
Parte da queda dos investimentos do ano
passado pode estar relacionada, na visão de alguns economistas e empresários,
às incertezas sobre até onde o governo vai apertar os botões para arrecadar
mais. O tema também já entrou no radar da própria equipe econômica.
Enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu em torno de 3% em 2024, os investimentos tiveram um desempenho muito ruim. No terceiro trimestre, registraram a quarta queda consecutiva, mostrando que a capacidade produtiva no Brasil não está se expandindo como se esperava.
Segue viva entre os empresários a
desconfiança de que o resultado final das reformas das taxações do consumo e
da renda será
de aumento do peso dos impostos para as companhias.
Em 2023, Haddad e o governo colocaram pressão
no Congresso e conseguiram aprovar medidas que prometem aumentar o custo
tributário para as empresas, entre elas a polêmica MP (medida provisória) 1185
da subvenção, com um impacto nada desprezível de pelo menos R$ 35 bilhões.
Sem saber até onde vai chegar o ímpeto
arrecadatório do governo Lula, as empresas pensam duas vezes antes de botar a
mão no bolso para investir.
A queda dos investimentos tem outros fatores,
como os juros elevados, mas não dá para negar que a falta de clareza sobre até
onde vai o apetite arrecadatório do governo pesou.
A primeira fase da reforma, que tratou dos
impostos sobre consumo, já foi aprovada. Para 2024, está contratada a segunda
fase, a dos impostos sobre a renda e patrimônio (que, pela Constituição,
precisa ser enviada até março). Também falta a votação de pelo menos três
projetos de regulamentação da primeira fase da emenda aprovada no fim do ano
passado.
Congresso e governo não poderão deixar esse
debate na geladeira sob o risco de os investimentos seguirem travados no país.
Afinal, quem vai querer investir pesado sem saber ao certo quanto vai pagar de
impostos nós próximos 5, 10, 20 anos?
O risco não desprezível é de a regulamentação
e a reforma da renda se embolarem no Congresso em meio ao segundo round de
definição sobre mudar ou não a meta fiscal.
Se ainda há grande incerteza empresarial
sobre o sistema tributário que vai vigorar nos próximos anos, o processo de
consolidação fiscal (da virada de déficit para superávit) reforça as dúvidas
sobre o cenário.
O governo quer impedir um contingenciamento
muito forte em ano de eleições municipais, que atrapalhe os planos de
investimentos do PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento). Para isso, precisará de mais receitas, além de
apoio para a mirabolante interpretação dada ao arcabouço sobre o limite de
corte de gastos na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). No TCU, o clima não é
nada favorável para aceitar o contingenciamento menor.
Ampliar a arrecadação também é necessário
para viabilizar o cenário fiscal de médio prazo, leia-se, as metas de resultado
primário de 2025 e 2026.
Caso as medidas já anunciadas se revelarem
insuficientes, o temor é que governo tenderia a buscar outras propostas que
pesem ainda mais o peso dos impostos.
O imbróglio político e econômico em torno da
MP da reoneração evidencia esse ímpeto, além de mostrar que não será nada fácil
seguir na toada de aumento de receitas.
É mais do que prudente o Ministério da
Fazenda botar luz nesse horizonte. Poderia começar divulgando o
impacto das reforma aprovada (com a lista de exceções) na alíquota do IVA
(Imposto sobre Valor Agregado). À Folha o secretário Extraordinário de Reforma
Tributária, Bernard Appy, disse que o estudo está pronto. O que o mais o
governo está esperando?
Haddad agiu corretamente em tentar recuperar
o lado da receita na equação do ajuste fiscal, que vinha abandonado há quase
uma década. A agenda da progressividade tributária é muito importante diante do
aumento da renda dos estratos mais altos da sociedade brasileira em ritmo até
três vezes mais do que na base da pirâmide social, como mostrou a Folha.
O ministro não pode correr o risco, contudo,
de exagerar na dose e matar o paciente. Afinal, investimentos são o melhor
motor para o crescimento econômico, parte essencial do esforço arrecadatório.
Imprevisibilidade e investimentos não combinam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário