terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Carlos Andreazza - Refinaria da História

O Globo

Se há uma campanha de reescritura da História recente da bandalheira no país, em curso um movimento pela reabilitação de agentes corruptos, natural será que se tentem limpar também os objetos da corrupção. Donde o discurso fraudador sobre a Refinaria Abreu e Lima, exemplo de “volta por cima”.

O Brasil que volta consistindo também naquele que nada aprendeu. O crítico já acusado de fascista a favor da reencarnação do capeta. A adulteração do passado protegida — beneficiada, acelerada — por este 8 de Janeiro permanente; estado de vigília que, em defesa da democracia, autoriza variadas modalidades de autoritarismo virtuoso e tolera a imposição da História deturpada.

E então: o petrolão foi armação. Envolvido no complô o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que não desejaria uma Petrobras pujante.

Blitz refazedora do passado a se estender — potencialmente — até as piratarias do mensalão. Por que não? O bolsoportunista Valdemar Costa Neto, outrora sócio do lulopetismo, já farejou o possível alcance regenerativo das distorções sobre a verdade. Elogiou o presidente como gancho para atacar Moro, o corrompimento da Lava-Jato tendo o condão de desmontar o combate à corrupção e reabilitar biografias retroativamente. Injustiçado também ele, Valdemar. Por que não? Às favas o fato de que condenado antes da existência da operação.

Abreu e Lima estava condenada — por incompetência, por derivar de opção ideológica, superfície ofertada, de partida, à roubalheira — antes da existência da Lava-Jato e da corrupção de meios praticada por seus operadores. A operação — é necessário dizer o óbvio — sendo resposta à pilhagem estabelecida e difundida a partir da Petrobras. A debacle da petroleira a ser resumida no prejuízo da ordem de R$ 100 bilhões entre — atenção — 2011 e 2014, ano de início da Lava-Jato.

A refinaria, em 2005, era orçada em cerca de U$ 2,3 bilhões e deveria estar concluída em 2011. Em 2015, quando interrompida (a Lava-Jato a completar um ano), custara quase US$ 20 bilhões e ainda estava longe de pronta. E como começou?

Lula, cansado “de esperar” pelo dinheiro do sócio prometido, o ditador Chávez, resolveu “tocar a refinaria”. “Graças a Deus” o fez — pela metade e superfaturada — por conta própria; assim como diria alguém que decide, no peito, no amor, promover churrasco em casa mesmo faltando o amigo que se comprometera a bancar metade da picanha.

— E seguiremos tocando as obras com nossos erros e acertos.

A concepção de “acertos” será a que nos fará repetir os erros. Seria importante que o presidente explicitasse o que considera “erros”.

Em 2009, auditoria interna da Petrobras concluíra que a construção de Abreu e Lima fora iniciada com os dirigentes da petroleira já sabedores de que daria prejuízo de US$ 2 bilhões. Preferiu-se maquiar a realidade e meter bronca.

A versão que se quer impor à verdade, por influente que seja, é incapaz de resistir ao mais simples exame cronológico dos fatos: a Petrobras pujante de Lula não parava de pé, com ou sem Lava-Jato, e o crescimento do país fora minado — esgotada, dilapidada, a companhia — pelas escolhas dos governos petistas.

O ambiente que se considera polarizado, certamente radicalizado, em que tudo é tomado sob filtros ideológicos, interdita a observação nuançada e inviabiliza a coexistência de desgraças. Coexistem. Tanto o conluio lavajatista, a corrupção de meios da Lava-Jato, quanto o esquema de assalto à Petrobras, o petrolão. Coexistem. O sem precedentes do segundo provocando a deflagração do primeiro. Os desvios da operação não tornando inexistentes os desvios de dinheiros públicos.

O cronista aprendeu com os desmandos da Lava-Jato, daí que em alerta ante os inquéritos xandônicos. É preciso aprender. A Lei das Estatais foi criada em resposta à rapinagem contra a Petrobras. Não à toa a articulação corrente por aterrar seu dispositivo que determina restrições a agentes político-partidários na direção de estatais.

Esse episódio faz lembrar como a petroleira era permeável aos comandos de parlamentares. O deputado José Janene — por Abreu e Lima — negociava com executivos da Odebrecht; empresa que, depois de anuladas as provas de seu acordo de leniência, pleiteará a suspensão das multas. Capítulo em que também se vai reescrevendo a História, os empreiteiros, defendidos pelas maiores bancas do mundo, tendo delatado sob o “pau de arara do século XXI”.

Janene era do PP, hoje Progressistas — partido-base do Lirão. A história fraudada criando as condições para a repetição da História.

 

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