O Globo
Se há uma campanha de reescritura da História
recente da bandalheira no país, em curso um movimento pela reabilitação de
agentes corruptos, natural será que se tentem limpar também os objetos da
corrupção. Donde o discurso fraudador sobre a Refinaria Abreu e Lima, exemplo
de “volta por cima”.
O Brasil que volta consistindo também naquele
que nada aprendeu. O crítico já acusado de fascista a favor da reencarnação do
capeta. A adulteração do passado protegida — beneficiada, acelerada — por este
8 de Janeiro permanente; estado de vigília que, em defesa da democracia,
autoriza variadas modalidades de autoritarismo virtuoso e tolera a imposição da
História deturpada.
E então: o petrolão foi armação. Envolvido no
complô o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que não desejaria uma
Petrobras pujante.
Blitz refazedora do passado a se estender — potencialmente — até as piratarias do mensalão. Por que não? O bolsoportunista Valdemar Costa Neto, outrora sócio do lulopetismo, já farejou o possível alcance regenerativo das distorções sobre a verdade. Elogiou o presidente como gancho para atacar Moro, o corrompimento da Lava-Jato tendo o condão de desmontar o combate à corrupção e reabilitar biografias retroativamente. Injustiçado também ele, Valdemar. Por que não? Às favas o fato de que condenado antes da existência da operação.
Abreu e Lima estava condenada — por
incompetência, por derivar de opção ideológica, superfície ofertada, de
partida, à roubalheira — antes da existência da Lava-Jato e da corrupção de
meios praticada por seus operadores. A operação — é necessário dizer o óbvio —
sendo resposta à pilhagem estabelecida e difundida a partir da Petrobras. A
debacle da petroleira a ser resumida no prejuízo da ordem de R$ 100 bilhões
entre — atenção — 2011 e 2014, ano de início da Lava-Jato.
A refinaria, em 2005, era orçada em cerca de
U$ 2,3 bilhões e deveria estar concluída em 2011. Em 2015, quando interrompida
(a Lava-Jato a completar um ano), custara quase US$ 20 bilhões e ainda estava
longe de pronta. E como começou?
Lula, cansado “de esperar” pelo dinheiro do
sócio prometido, o ditador Chávez, resolveu “tocar a refinaria”. “Graças a
Deus” o fez — pela metade e superfaturada — por conta própria; assim como diria
alguém que decide, no peito, no amor, promover churrasco em casa mesmo faltando
o amigo que se comprometera a bancar metade da picanha.
— E seguiremos tocando as obras com nossos
erros e acertos.
A concepção de “acertos” será a que nos fará
repetir os erros. Seria importante que o presidente explicitasse o que
considera “erros”.
Em 2009, auditoria interna da Petrobras
concluíra que a construção de Abreu e Lima fora iniciada com os dirigentes da
petroleira já sabedores de que daria prejuízo de US$ 2 bilhões. Preferiu-se
maquiar a realidade e meter bronca.
A versão que se quer impor à verdade, por
influente que seja, é incapaz de resistir ao mais simples exame cronológico dos
fatos: a Petrobras pujante de Lula não parava de pé, com ou sem Lava-Jato, e o
crescimento do país fora minado — esgotada, dilapidada, a companhia — pelas
escolhas dos governos petistas.
O ambiente que se considera polarizado,
certamente radicalizado, em que tudo é tomado sob filtros ideológicos,
interdita a observação nuançada e inviabiliza a coexistência de desgraças.
Coexistem. Tanto o conluio lavajatista, a corrupção de meios da Lava-Jato,
quanto o esquema de assalto à Petrobras, o petrolão. Coexistem. O sem
precedentes do segundo provocando a deflagração do primeiro. Os desvios da
operação não tornando inexistentes os desvios de dinheiros públicos.
O cronista aprendeu com os desmandos da
Lava-Jato, daí que em alerta ante os inquéritos xandônicos. É preciso aprender.
A Lei das Estatais foi criada em resposta à rapinagem contra a Petrobras. Não à
toa a articulação corrente por aterrar seu dispositivo que determina restrições
a agentes político-partidários na direção de estatais.
Esse episódio faz lembrar como a petroleira
era permeável aos comandos de parlamentares. O deputado José Janene — por Abreu
e Lima — negociava com executivos da Odebrecht; empresa que, depois de anuladas
as provas de seu acordo de leniência, pleiteará a suspensão das multas.
Capítulo em que também se vai reescrevendo a História, os empreiteiros,
defendidos pelas maiores bancas do mundo, tendo delatado sob o “pau de arara do
século XXI”.
Janene era do PP, hoje Progressistas —
partido-base do Lirão. A história fraudada criando as condições para a
repetição da História.
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