Valor Econômico
Brasil tem presença de jovens no ensino
técnico menor que a média de outros países, inclusive da América Latina
Forte, alto e magro, José Benedito (nome
fictício) tinha tudo para ser um zagueirão. Desde garoto, destacou-se entre os
coleguinhas do bairro pela estatura, que hoje chega quase a 1,90m. Era um
gigante intransponível na defesa em jogos de futebol no terrão.
O tempo foi passando e Benedito teve de abandonar os amiguinhos do bairro, enquanto alguns já faziam testes na base de grandes times de São Paulo. Tendo pai ausente, aos 9 anos começou a ajudar a mãe, empregada doméstica, a sustentar a família, com cinco irmãos menores. Vendeu picolés caseiros no farol e ao mesmo tempo carregou tijolos como servente de pedreiro.
O trabalho infantil, que envolve 1,9 milhão
de crianças no país, destruiu dois sonhos do jovem Benedito: ser jogador de
futebol e fazer engenharia civil. Mas ele conseguiu uma vaga no ensino técnico,
o que hoje lhe garante um emprego na enfermagem em um grande hospital de São
Paulo.
Já trabalhando na área médica, Benedito
tentou realizar o sonho da engenharia, mas não deu certo. A faculdade era
privada e ele não conseguiu bolsa, porque seu salário estava acima do limite
para a concessão do benefício. Já com dois filhos, teve que optar entre
sustentar a própria família e estudar engenharia. Abandonou a faculdade no
segundo ano. (Entre parênteses, isso lembra o clássico “Pequeno Burguês”, de
Martinho da Vila: “Felicidade, passei no vestibular/mas a faculdade é
particular/”).
Não há, como já houve no passado, conflito
ideológico sobre a importância dos cursos médios técnicos no país. Durante
décadas, a educação profissional e tecnológica sofreu com o estigma de que
seria apenas uma boa opção para pobres. E os jovens ricos iriam para a
universidade. Talvez por isso e, consequentemente, por falta de investimento
público, hoje apenas 10% dos alunos cursam o técnico, enquanto países ricos,
líderes nas avaliações internacionais sobre educação, investem pesadamente para
que os estudantes ingressem nos cursos técnicos e tecnológicos. Cerca de 84%
dos jovens fazem ensino técnico na Suíça, 68% na Finlândia e 49% na Alemanha.
Até na América Latina os números são desfavoráveis ao Brasil: 34% no México,
29% no Chile, 24% na Colômbia e 20% na Costa Rica.
Os resultados de 2022 do Pisa, a prova mais
importante de educação no mundo, que avalia estudantes de 15 anos em 81 países,
foram divulgados no fim de 2023. E mostraram que os seis países líderes do
ranking são asiáticos: Cingapura, China, Taiwan, Hong Kong, Japão e Coreia do
Sul. Não por coincidência, todos são entusiastas e incentivadores do ensino
técnico. Também no Brasil, que está em posição vergonhosa no ranking do Pisa
(65º lugar entre os 81 países), alunos de escolas técnicas são os que conseguem
melhores notas nos vestibulares quando comparados com outros alunos de escolas
públicas.
Pessoas que cursaram o ensino técnico no país
têm uma remuneração profissional média 12% acima daqueles que fizeram apenas o
ensino médio convencional. Há inúmeros estudos nacionais e internacionais sobre
esse tema e alguns concluem que o aumento da remuneração chega a 32% em muitos
casos, com efeito direto na redução da desigualdade de renda. Estudo divulgado
recentemente pelo Itaú Educação e Trabalho e pelo Insper mostrou que, além dos
benefícios para os estudantes, há ganhos macroeconômicos para o país. Quando o
governo triplica o número de vagas no ensino técnico, ocorre um impacto
positivo de 2,32% no PIB a longo prazo.
Em entrevista à imprensa, o pesquisador do
Insper Vitor Fancio disse que a capacidade de produzir de uma empresa que tem
mais funcionários com ensino médio técnico é maior: produz mais bens e mais
serviços do que se tivesse empregados majoritariamente com o médio tradicional.
É isso, segundo ele, que leva à elevação do PIB a longo prazo no país.
O sonho de entrar na universidade não
conflita com a escolha do técnico no ensino médio. A educação profissional
representa até um incentivo à continuidade dos estudos. Exatamente o que José
Benedito tentou fazer, mas foi barrado pela falta de recursos e de
financiamento estudantil.
Agora, todo seu empenho é para formar a filha
mais velha, de 13 anos, que é um fenômeno na escola, segundo os professores da
rede pública em que estudou. O novo sonho é colocá-la numa escola privada para
fazer um bom ensino médio e depois conseguir ingressar em uma universidade
pública.
Na semana passada, foi sancionada a lei que
institui o “Programa Pé-de-Meia”, que dará incentivo financeiro para a
permanência de estudantes de baixa renda no ensino médio. Talvez isso ajude os
Beneditos a realizar seus sonhos. Talvez.
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