terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Eliane Cantanhêde - A nova polarização do Brasil

O Estado de S. Paulo

Mais do que a guerra de Israel, é a posição de Lula que divide empresários e intelectuais

Em sua reação a uma fala impensada do ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) voltou a pedir “equilíbrio e moderação” das lideranças e autoridades diante da guerra de Israel e acrescentou: “Para não importar as tensões do Oriente Médio para o Brasil”. Parece tarde demais. Assim como famílias e amigos romperam por causa da polarização política interna, empresários, artistas e intelectuais guerreiam a favor e contra a posição do Brasil sobre os ataques israelenses aos palestinos. O bombardeio é por manifestos e em torno de uma palavra: genocídio.

Com uma biografia estonteante, de altos e baixos, Genoino foi por décadas o homem do diálogo entre esquerda, centro e direita no Congresso, o melhor porta-voz informal do PT para jornalistas e uma imprescindível presença entre as várias tendências petistas. De todos os condenados do mensalão, foi o que pagou o preço mais injusto.

Tornou-se assim o mais ressentido, um radical extemporâneo, e admitiu numa live até o boicote a “empresas de judeus”, atraindo, após anos de discrição e recolhimento, os holofotes e a ira da comunidade judaica. A Conib acusou sua fala de “antissemita”, lembrando que o boicote aos judeus foi uma das primeiras medidas do regime nazista que culminaram no Holocausto.

Se a Conib e o Instituto Brasil-Israel produzem manifestos em série e um grupo de empresários, executivos, cientistas e uma ex-ministra do Supremo aderem e condenam o apoio do governo Lula à ação da África do Sul contra Israel por genocídio, agora emerge, um tanto tardiamente, mas com força, o outro lado.

Ex-ministros, parlamentares e embaixadores aposentados vão no sentido contrário, defendendo a posição de Lula, destacando a “primazia dos Direitos Humanos” no artigo 4.º da Constituição e lembrando o êxodo das famílias, a morte de 25 mil palestinos, as amputações e cirurgias sem remédios e anestesia e a transformação de Gaza num “cemitério de mais de dez mil crianças”.

Se o professor, escritor e exchanceler Celso Lafer, de família judia da Lituânia, rebate a acusação de genocídio contra Israel “à luz do direito”, a economista Zeina Latif, filha de palestino, foca nos bombardeios, nas mortes, na destruição, na fome e no êxodo em Gaza e conclui: “Nem mesmo discussões semânticas mais cuidadosas conseguirão empanar o desastre a que se assiste”.

Independentemente de apoiar ou condenar a ação da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça de Haia, o resultado da decisão de Lula, portanto, é o que menos se queria e se quer: “importar as tensões do Oriente Médio para o Brasil”, como alerta a Conib.

 

Um comentário:

Neves disse...

Conforme o que a mesma Catanhêde transcerveu: Zeina Latif:“Nem mesmo discussões semânticas mais cuidadosas conseguirão empanar o desastre a que se assiste”.
Então, é nisso que dá este texto da Catanhêde: algumas linhas para defender uma 'isenção' do governo brasileiro, para não desagradar os "lobbies" de sempre. Que belo jornalismo. Leiam o Guardian, o Google traduz