Valor Econômico
Discurso do presidente dá início à disputa de
rumos no partido que quer ver presidido por Edinho Silva para preparar a
reeleição e o pós-Lula com Fernando Haddad
“Estava numa reunião com Gleisi e outros
dirigentes do PT. Eram 10h da noite e avisei que ia dizer isso pela última vez.
‘O PT faça o que quiser, mas eu vou falar. Falo isso e me calo.’ Se a gente
quiser ganhar tem que trazer a Marta de volta pra ser vice de Boulos.” O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tinha chegado nem à metade de um
discurso de 38 minutos e já se mostrava irrefreável.
Estava na Casa de Portugal, centro de São
Paulo, no dia 2 de fevereiro, onde o partido se reunia para refiliar a
ex-prefeita da capital Marta Suplicy e torná-la vice na chapa do deputado
federal Guilherme Boulos (Psol-SP).
Naquela noite, fez questão de falar que Marta
foi a prefeita que mais fez pelos pobres de São Paulo na frente do ministro da
Fazenda e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, um dos quatro titulares da
Esplanada presentes ao evento, e continuou a desfiar o rosário de queixas sobre
o PT.
Listou todas as prefeituras na Grande São Paulo já governadas pelo partido, chegou à conta de 22 milhões de paulistas que chegaram a ficar sob o comando petista, e se disse inconformado que hoje a mancha vermelha no entorno da capital esteja reduzida a Mauá e Diadema. “Por que perdemos?”, perguntou, para responder em seguida: “O partido não é massa de manobra de candidato. Tem que ver quem tem condições de ganhar. E tem que fazer aliança com gente que não gosta de mim. Alguma coisa está muito errada se um partido que tem 20% de preferência consegue apenas 5% dos votos para vereadores em São Paulo”.
Neste momento, a deputada federal Gleisi
Hoffmann (PT-PR), a primeira a falar no evento, se levantou, cochichou junto à
primeira-dama, Janja Silva, que estava sentada no palco ao lado de Lula, e
saiu. O presidente ainda falaria por 27 minutos. A presidente do PT ainda se
encaminhava para a saída do palco quando Lula entrou na curva com o pé no
acelerador: “Precisamos escolher lideranças reais do movimento social, e não
apenas aquelas que querem se lançar. Não tem isso de querer se lançar porque é
branco, mulher, negro ou indígena”.
Lula sugeriu que o partido ignorasse não
apenas a política de inclusão identitária, mas também sua previsão na
legislação eleitoral - a nacional, que prevê 30% de candidaturas femininas, e
as locais, como a da Bahia, que reserva 30% das candidaturas para negros. A
plateia, majoritariamente de petistas da periferia de São Paulo, que, uma hora
antes do evento, já arrodeava o quarteirão, não reagiu.
A presidente do partido já havia saído, mas
os deputados federais do PT paulista (Rui Falcão, Arlindo Chinaglia, Carlos
Zarattini, Alencar Santana) estavam lá quando Lula avançou sobre a bancada: “Na
última eleição tinha menina candidata à Câmara dos Vereadores que não tinha um
único panfleto porque o fundo eleitoral foi cooptado pelos deputados federais”.
Tanto sabia da gravidade da acusação que continuou: “Que me perdoem, quem ficar
com raiva de mim, que fale, agora quero salvar esse partido porque é a coisa
mais importante que tem neste país”.
Como Lula não recebeu a bancada petista na
Câmara dos Deputados desde que tomou posse, vai ser difícil que algum deles lhe
expresse contrariedade com o que foi dito, mas os grupos de WhatsApp da bancada
naquela noite fervilharam. Antes de começar a elencar os feitos de seu governo,
Lula ainda exporia outra ferida aberta na relação com o partido. Acusou seus
militantes, dirigentes e parlamentares de perder muito tempo “criticando o
governo” e falando para convertidos: “Nosso papel é ir para a periferia conversar
com as pessoas que foram enganadas pelo bolsonarismo”.
Àquela altura, a música escolhida para
simbolizar o evento de refiliação de Marta Suplicy (“De volta pro meu
aconchego”, de Elba Ramalho) só parecia fazer sentido para a pré-candidata a
vice de Boulos, que não escondia o encantamento com o cortejo do presidente. Em
2015, Marta chamou o PT de corrupto, disse que Haddad havia sido o pior
prefeito da história de São Paulo e deixou o partido. Ao ser refiliada por
Lula, tirou o microfone de suas mãos para narrar, com deslumbramento, o
acontecimento ao público que o assistia - “Ficha abonada pelo Lula não é para
qualquer um”. O partido descrito pelo presidente, porém, não parecia um lugar
muito aconchegante.
O que está em disputa é o futuro do PT quando
Lula deixar a Presidência da República. Ao lhe mostrar uma prévia do que pode
se transformar o partido sem sua liderança, a prisão, na visão de um petista
próximo do presidente, lhe deu um sentido de urgência sobre a necessidade de
reformar o PT. O problema é como. O que não falta neste pós-Lula é divergência.
A bancada se queixou do discurso do começo ao
fim. A pregação de Lula sobre a renovação do partido, por exemplo, colide com
seu aval à prorrogação da atual direção do PT por mais dois anos, atropelando o
estatuto. Esbarra ainda na decisão do diretório nacional de revogar o artigo do
estatuto que proíbe mais de três recandidaturas de mandatos proporcionais.
Este artigo começaria a valer neste ano para
vereadores e em 2026 para deputados. A revogação foi feita pelo diretório,
quando a instância investida dessa prerrogativa é o Congresso. Foi impulsionada
pelo risco de enxugamento das bancada de vereadores, embora já esteja
engatilhada a extensão para a bancada federal onde há deputados, como Arlindo
Chinaglia (SP) no oitavo mandato consecutivo.
Se o estatuto tem que se acomodar para evitar
que as bancadas proporcionais sejam dizimadas, também se deixa atropelar por
renovação que se impõe por cima de pau e pedra. Elói Pietá, um dos quadros
históricos do partido, e ex-prefeito de Guarulhos, segunda maior cidade de São
Paulo, foi impedido de tentar voltar ao cargo. O deputado federal Alencar
Santana (PT) também disputa a vaga e tem a preferência da atual direção do
partido. Quando há mais de um candidato, o estatuto manda realizar prévia, mas
o diretório se reuniu e escolheu o deputado por dois terços de seus
integrantes. Elói Pietá agora ameaça deixar o PT para disputar por outro
partido.
Um parlamentar acusa Lula de não ser leal ao
jogar militantes e novas lideranças locais contra a bancada quando os problemas
que cercam a distribuição de recursos durante a campanha, disse, são mais
complexos do que os apontados. O partido ignora as regras de distribuição das
verbas previstas no estatuto. Tanto os dirigentes agem com discricionariedade
na distribuição de verbas quanto os deputados federais têm ingerência sobre o
fundo eleitoral de eleições municipais nas quais não disputam. E uma das razões
é que foi seu voto que arrancou o valor aprovado - R$ 4,9 bilhões, um aumento
de 150% em relação à disputa de 2020.
É assim que todos os partidos funcionam, mas
Lula quer um partido rezando pelo manifesto do Colégio Sion, de 1980, em plena
era das gigantescas emendas parlamentares. Pelo menos no discurso. Um deputado
da bancada passou a festa de réveillon na casa do empresário Carlos Suarez, o S
da OAS, e um dos maiores patrocinadores de emendas jabuti no Congresso. Outro é
muito mais próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do que das
lideranças de seu partido.
Se é verdade que o PT tem embarcado nos
grandes jabutis do Congresso e votou pela ampliação dos fundos e emendas, fica
difícil entender, por outro lado, como o partido disputaria postos de poder na
Casa se os parlamentares fossem obrigados a abrir mão de disputar a recondução
quando adquirissem experiência. Ou ainda que não pudessem dispor do mandato
para pagar as dívidas adquiridas durante as campanhas eleitorais.
Um parlamentar alerta para os riscos aos
quais o partido se expõe com a pregação de Lula. Na bancada há ex-prefeitos que
puderam fazer campanha com mais facilidade por conta das relações estabelecidas
na gestão. O PT, diz, não resistiria ao estabelecimento de um comitê interno
encarregado de fiscalizar a distribuição e o gasto de cotas iguais de recursos
nas campanhas.
É ao bater de frente contra os critérios
identitários que o discurso de Lula mais ressoa entre parlamentares que não
querem correr o risco de expressar publicamente a mesma opinião. Ressuscita um
velho embate na esquerda entre aqueles que veem a disputa entre capital e
trabalho se sobrepor àquela entre homens e mulheres, brancos e negros, héteros
e LGBTQI+.
Lula mira a base bolsonarista, mas não está
claro como afrontaria um aperfeiçoamento legislativo egresso, em grande parte,
da pressão das bases petistas. Um deputado queixa-se que o presidente pressiona
o PT para tomar de volta as bases do bolsonarismo sem fazer a disputa de
valores.
O bolsonarismo ofereceu à direita a
possibilidade de reciclar seu conservadorismo com o discurso anticorrupção,
pela família e pela pátria, em consonância com igrejas que, cada vez mais,
dominam as periferias do país. Enquanto isso, o PT, agarrado ao discurso da
melhoria das condições reais de vida, enfrenta a batalha de transformá-las
significativamente, no curso de um mandato presidencial.
Enfrenta ainda as evidências de que a extrema
direita populista cresce num eleitorado focado em valores em detrimento da
plataforma econômica.
O presidente diz que seu mandato está a
serviço da melhoria de vida. Antes da disputa pela reeleição, quando o eleitor
julgará se foi bem-sucedido, pretende colocar o partido na mesma toada e
prepará-lo para o pós-Lula. Seu candidato para substituir Gleisi Hoffmann é o
prefeito de Araraquara, Edinho Silva, que encerra seu mandato em 31 de dezembro
deste ano, estando, portanto, desimpedido para disputar a eleição interna em
fevereiro de 2025.
Edinho Silva não é apenas o prefeito da
cidade em que Lula se refugiou no 8 de janeiro de 2023, mas também um dos
petistas mais próximos de Haddad, favorito para liderar o pós-lulismo. Como o
mandato do presidente do partido é de três anos renováveis por mais três,
aquele que for escolhido em 2025 conduziria o PT não apenas na disputa pela
reeleição de Lula em 2026, como naquela de 2030. As chances deste dueto
Haddad-Edinho estão, quase que integralmente, nas mãos deste governo.
5 comentários:
Hahahahah
Ninho de cobras.
Aliás, como em, provavelmente, qualquer grande partido.
Excelente coluna.
O PT é um partido político relativo.
O PT só vai se sentir realizado como partido político quando tiver conseguido que o Brasil se torne uma democracia relativa como são a Venezuela de Nicolas Maduro, a Rússia de Vladimir Putin, a Coreia do Norte de Kim Jong-un, a China de Xi Jiping...
E quando alcançarem este objetivo, o PT vai se reunir três vezes por ano em Congresso - na Casa de Portugal, é claro, ali na Avenida da da Liberdade, bem do ladinho da FECAP, onde foi este encontro narrado pela Mª Cristina Fernandes-- e, com o ambiente decorado com imensos painéis de suas referências:: i)Vladimir Putin com a boca suja de sangue e um punhado de mísseis na mão; ii)Nicolas Maduro com uma caneta na mão riscando a Guiana do mapa; iii) Xi Jiping invadindo Taywan e gritando "VIVA a democracia relativa"; iv) o Aiatolá do Irã oferecendo aos deuses o corpo de mais uma menina assassinada por se negar a usar o véu; v)Kim Jong-un ordenando mais um assassinato em nome da democracia relativa...
...O PT celebrará a conquista democrática da integração do Brasil na a Nova Ordem Mundial das democracias relativas.
PT e suas crises.
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