Congresso controla mais recursos do que seria razoável
O Globo
Em vez de enfrentar Executivo para
ampliá-los, Lira deveria concentrar esforço no êxito da agenda econômica
Sob qualquer ângulo, a fatia do Orçamento da
União controlada pelo Congresso é enorme. Deputados e senadores decidirão o
destino de R$ 44,6 bilhões neste ano, ou 20% dos gastos livres do governo (90%
das despesas são engessadas por gastos obrigatórios com salários do
funcionalismo, benefícios previdenciários e demais vinculações orçamentárias).
Há dez anos, a fatia dos recursos livres nas mãos dos congressistas era pouco
menos de um quarto disso, ou 4,65%.
Como mostrou reportagem do GLOBO, essa parcela destoa na comparação internacional. Numa análise de 29 países, os outros três onde o Parlamento detém maior poder sobre os recursos são Estados Unidos (2,4%), Eslováquia (5,5%) e Estônia (12,3%). No Brasil, o Congresso arbitra sobre uma proporção equivalente a oito vezes a que cabe aos congressistas americanos. Só isso deveria ensejar reflexão.
Tal reflexão se torna mais necessária diante
da declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
na cerimônia de abertura do ano legislativo. Ao afirmar que a peça orçamentária
“pertence a todos e todas, e não apenas ao Executivo”, Lira apenas constata a
realidade expressa nos números. Esquece, contudo, que não se trata
necessariamente de realidade positiva.
Com uma parcela maior do Orçamento sob
comando dos parlamentares na última década, o governo brasileiro ganhou
contornos não só de extravagância, mas de disfuncionalidade. No
presidencialismo, cabe ao Legislativo elaborar a peça orçamentária, mas sua execução
é, por definição e determinação constitucional, papel do Executivo. E por bons
motivos. Políticas públicas são mais eficazes quando formuladas de modo
abrangente, levando em conta urgências e demandas nacionais ou regionais — o
oposto da lógica paroquial das emendas parlamentares. Evitar a pulverização tem
a vantagem de aumentar a transparência e reduzir brechas para desvios e
corrupção.
Tanto a ciência política como a comparação
internacional demonstram que emendas parlamentares não são o instrumento
adequado para melhorar os serviços prestados à população. Parlamentares
brasileiros alegam conhecer as demandas do eleitorado. Mas não há evidência de
que anabolizar o poder do Congresso sobre o Orçamento tenha obtido bons
resultados. Não há notícia de país que tenha seguido os passos do Brasil nesse
quesito.
Por tudo isso, seria mais lógico o Parlamento
brasileiro cair em si e entender seu papel na dinâmica orçamentária. Fez bem o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ao vetar R$ 5,6 bilhões que seriam destinados a emendas de comissão. Em
vez de tentar enfrentar o Executivo ou derrubar o veto para que congressistas
controlem fatia ainda maior dos recursos, Lira deveria dar ênfase ao papel
essencial que tem desempenhado para o êxito da agenda econômica, em parceria
produtiva com o Executivo. Ele foi um dos protagonistas da reforma tributária e
de outros avanços legislativos. Além de contribuir para o sucesso da economia,
também aumentou seu capital político.
Mas essa é uma obra inacabada. Lira tem mais
um ano no cargo e precisa dedicá-lo com afinco ao que falta: regulamentação da
reforma tributária, reforma administrativa e medidas essenciais ao futuro do
Brasil. Seria um erro político usar seu cacife para arrancar mais concessões
num Orçamento cujos recursos os congressistas já controlam mais que em qualquer
outro país.
Acordo para produzir no Brasil vacina
japonesa reforçaria combate à dengue
O Globo
A exemplo do que ocorreu na pandemia,
fabricação nacional pode aliviar escassez em momento crítico
Mesmo antes do período de maior incidência
da dengue,
entre março e maio, o Brasil já enfrenta explosão nos casos. De acordo com
o Ministério da
Saúde, nas primeiras quatro semanas do ano os infectados mais que
triplicaram em relação ao mesmo período do ano passado, passando de 215 mil. Os
estados de Minas Gerais, Goiás e Acre, além do Distrito Federal e da cidade do
Rio de Janeiro, decretaram situação de emergência.
O Ministério da Saúde começa neste mês a
aplicar a vacina Qdenga,
da farmacêutica japonesa Takeda, mas a capacidade de produção do laboratório é
limitada. Para todo o ano, está prevista a entrega de 6,5 milhões de doses.
Como cada vacinado precisa de duas, em torno de 3,2 milhões de pessoas poderão
ser imunizadas.
Para contornar a escassez, o governo decidiu
que a vacina será destinada prioritariamente a adolescentes de 10 a 14 anos,
apenas em regiões onde há maior incidência da doença. Dos 5.570 municípios
brasileiros, pouco mais de 500 receberão as doses. Com o intuito de aumentar a
oferta para o SUS, a Takeda anunciou que não venderá mais a vacina a clínicas
particulares ou municípios.
O Instituto Butantan, em parceria com o
Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos,
desenvolve uma vacina contra a dengue que se mostra promissora, mas não está
pronta. De acordo com estudo publicado na semana passada na revista científica
New England Journal of Medicine, ela apresenta eficácia de 79,6% na prevenção
da doença (semelhante à da Qdenga, de 80,2%). Como a vacina japonesa, protege
contra os quatro tipos de dengue, com uma vantagem: é aplicada em dose única.
Mas só estará disponível para aplicação no ano que vem.
Diante do quadro que se agrava a cada dia e
da impossibilidade de promover uma vacinação maciça, é importante que o governo
federal firme acordo com o fabricante para produzir também a Qdenga no Brasil,
a exemplo do que foi feito durante a pandemia. Na época, o Butantan produziu a
CoronaVac e a Fiocruz a AstraZeneca. Ambas foram fundamentais no controle da
epidemia. A própria
ministra da Saúde, Nísia Trindade, aventou essa possibilidade e prometeu
trabalhar para colocá-la em prática.
O combate ao mosquito transmissor não pode
ser esquecido e precisa ser reforçado. Segundo o Ministério da Saúde, 75% dos
focos estão dentro de residências. Mas o Brasil necessita de soluções urgentes.
O aumento nas internações já pressiona as redes de saúde, e os mortos
confirmados já chegaram a 15 (149 estão sob investigação). A vacina é uma
aliada importante na prevenção de casos graves e mortes. A quantidade oferecida
pela Takeda não atende às necessidades. Os resultados da vacina do Butantan são
auspiciosos, mas ela ainda não pode ser usada. Por isso uma alternativa é
produzir a Qdenga no Brasil. A pandemia de Covid-19 mostrou que é um caminho
viável.
Evolução de salários e emprego preocupa BC
Valor Econômico
Mercado de trabalho apertado e salários com
correção acima da inflação podem retardar convergência do IPCA para a meta
O Banco Central (BC) está preocupado com a
dinâmica dos salários e com o aquecimento do mercado de trabalho. Não é uma
preocupação nova, mas subiu um pouco de grau na avaliação das condições que
determinam a trajetória prospectiva da inflação. Ainda que o Comitê de Política
Monetária (Copom), na ata divulgada ontem, indique que a “dinâmica
inflacionária não divergiu significativamente do que era esperado”, ele
reconheceu que há nela elementos que “requerem maior escrutínio”. O hiato do
produto, distância (positiva ou negativa) que separa o crescimento do seu ritmo
potencial, e o balanço entre oferta e demanda de mão de obra foram novamente
apontados como objeto de atenção. O BC ratificou a indicação de que manterá o
ritmo de corte da taxa de juros de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões.
Em suas primeiras declarações após a reunião
do Copom, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse ontem que o
comportamento da economia no primeiro trimestre do ano “vai surpreender para
cima” e que dados de alta frequência indicam que o setor de serviços “puxa
bastante o crescimento”. Isso aparentemente contradiz a ata, mas Campos Neto
ressaltou que a taxa de participação, proporção das pessoas em idade de
trabalhar que estão empregadas ou procuram emprego, subiu recentemente, “algo
que não acontecia há bastante tempo”. Na ata, o Copom apontou, além da
“resiliência” no consumo das famílias, o fato de o mercado de trabalho se
manter aquecido, com avanço nos rendimentos reais.
A atitude de cautela do BC decorre do balanço
dos riscos externos e domésticos, altamente associados. A ata registra que a
desinflação do setor de serviços, que hoje é um elemento de resistência a uma
queda acelerada de preços, depende do comportamento do mercado de trabalho e da
velocidade do crescimento, que definirão a “natureza das pressões
inflacionárias e potencialmente o ritmo de distensão monetária” nos países
avançados. Há algo semelhante ocorrendo no cenário interno. A desaceleração da
atividade tornou-se mais lenta, devido à elevação da renda das famílias em
consequência do aumento real do salário mínimo, do emprego e dos benefícios
sociais.
Entretanto, há forças que jogam contra
pressões inflacionárias lá fora e aqui. No primeiro caso, a deflação dos preços
ao produtor na China e sua moderação nos Estados Unidos ajudam a frear os
preços dos serviços. A desaceleração do crescimento global, que amortece as
cotações das commodities, influi na mesma direção. O problema se concentra no
setor de serviços, que responde mais ao aumento de salários e do emprego. Nos
Estados Unidos, os últimos dados de criação de vagas ultrapassaram as
expectativas, assim como a evolução anual do reajuste de salários.
No Brasil, em menor grau, o Copom anotou
crescimento maior dos rendimentos reais recentemente, com a avaliação de que
esses ganhos podem “refletir questões temporárias”. Assim como há uma defasagem
temporal entre o aumento de juros e seus efeitos sobre a atividade econômica,
algo semelhante pode ocorrer com os salários diante de uma queda significativa
da inflação, como vem ocorrendo. Olhando para trás, os rendimentos do trabalho
perderam poder de compra com o avanço dos preços. Olhando para frente, os reajustes
com base na maior inflação passada correm à frente da menor inflação presente,
o que na presença de uma forte inércia poderia impedir o IPCA de recuar. Mas
isso não é um fator de grande preocupação no presente, porque quanto menor a
inflação corrente menor a inércia inflacionária. O BC, em seu cenário de
referência, projeta um IPCA de 3,5% este ano e de 3,2% no ano que vem.
Mesmo com a queda sucessiva da taxa Selic, a
taxa atual de 11,25% ainda é bastante contracionista, com juro real de 6%.
Ainda assim, o BC detectou “sinais de maior concessão de crédito em algumas
linhas e redução das taxas de juros correntes de novas concessões, auxiliados
também por incipiente aumento do apetite na oferta de crédito em certas linhas
por parte das instituições financeiras”. Há também maior atividade no mercado
de capitais. Ou seja, sem que a economia tenha esfriado bastante, já se notam
indícios de que a desaceleração pode não ser tão intensa e, com isso, a
economia crescer acima do 1,6% previsto no boletim Focus.
Nessas circunstâncias, segundo o Copom, “um mercado de trabalho mais apertado, com reajustes salariais acima da meta de inflação, pode potencialmente retardar a convergência da inflação, impactando notadamente a inflação de serviços e de setores mais intensivos em mão de obra”. Mas o arrefecimento dos preços das commodities e eventual menor inflação de serviços poderiam fazer a inflação cair mais rapidamente. Com as expectativas ainda desancoradas (3,8%, mas com viés de baixa), a política monetária seguirá cautelosa, desaconselhando um ritmo mais veloz de queda da Selic, mas também sem interromper os cortes significativos de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões.
Governo não pode ser hospital de empresas
Folha de S. Paulo
Tesouro não tem recursos para socorro
financeiro, que pode gerar distorções
Está aberta a temporada de pedidos de socorro
ao governo federal por parte de setores empresariais diversos. Os demandantes
se queixam de dificuldades causadas por fatores em tese externos a sua
atividade, de oscilações de custos e receitas ou, em escala menor, de problemas
regulatórios.
A agropecuária reclama de perdas de safras
devido a eventos climáticos, da baixa do preço de grãos, do custo de produção
e, pois, da dificuldade de honrar o pagamento de dívidas, com os bancos
estatais em especial.
Reivindica-se a renegociação desses
compromissos e instrumentos de garantia de preços mínimos e compra de estoques
pelo governo federal, além de mais subsídio para seguros. O Ministério da
Agricultura afirma que, até março, haverá um pacote para o setor, que dispõe de
uma bancada poderosa instalada no Congresso.
Também na fila, as companhias aéreas apontam
custos altos, em particular dos combustíveis, crédito caro e até excesso de
judicialização devido a demandas de passageiros —que, no entanto, pesam apenas
1% em suas despesas.
O pedido de recuperação judicial da Gol nos
Estados Unidos impulsionou o pleito pela baixa do preço do querosene —até com
questionamento de um monopólio da Petrobras— e por financiamento barato do
BNDES, o banco oficial de fomento. Especula-se sobre socorro direto do Tesouro
Nacional.
O Ministério de Portos e Aeroportos prevê
que, até o fim de fevereiro, haverá um plano de ajuda. Fala-se em um fundo de
até R$ 6 bilhões para crédito, entre outros
benefícios também reivindicados por pilotos, comissários de bordo e outros
trabalhadores do setor.
Já a pasta da
Fazenda afirma que não haverá recursos do Tesouro e que estuda
um programa de "reestruturação", de formatação ainda obscura. O BNDES
pode ofertar crédito, mas quer garantias, que dependem de mudança legal.
A velha ideia do governo como hospital de
empresas está de volta, como se vê. Trata-se, como sempre, de um risco para o
erário e para a economia como um todo.
Em casos extremos, como foi a pandemia de
Covid-19, pode-se considerar um auxílio estritamente temporário e sujeito a
avaliação de custos e vantagens para a sociedade. No mais, contudo, o pleito é
ou iníquo ou inviável.
Não é possível bancar todos os socorros ou,
ainda que a ajuda pudesse ser extensa, a providência seria deletéria para o
funcionamento do mercado, com efeitos daninhos para a eficiência. Empresas não
raro se tornam dependentes do Estado e mobilizam lobbies pela perpetuação do
privilégio.
Querelas brasilienses
Folha de S. Paulo
Lula e Lira medem forças, mas não é a
moralização do Orçamento que está em jogo
Nas heterogêneas e instáveis coalizões que
caracterizam o presidencialismo brasileiro, Planalto, Congresso e partidos
vivem em disputa quase diária por espaços de poder, cargos e verbas. Em tal
cenário, nem sempre se consegue distinguir com clareza a pressão cotidiana de
uma turbulência mais grave.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tensionou as
relações com os parlamentares ao editar, no apagar das luzes do ano passado,
uma medida provisória para reonerar gradualmente a folha de pagamento de
setores empresariais diversos —o Congresso já derrubara o veto presidencial a
um projeto que prorrogava a desoneração.
Há poucos dias, Lula testou novamente os
limites de sua força ao vetar R$ 5,6
bilhões em emendas de deputados e senadores ao Orçamento deste 2024.
Também nesse caso, a medida corre grande risco de ser revertida pelo
Parlamento.
Foi nesse contexto que declarações do
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), soaram como reação ao governo.
"A política, como sabemos, apoia-se num pilar essencial: o respeito aos
acordos firmados e o cumprimento à palavra empenhada", discursou o
deputado, na abertura do ano legislativo.
"O Orçamento da União pertence a todos e
todas, não apenas ao Executivo" —foi mais uma obviedade que passaria
despercebida em outras circunstâncias.
Lira chegou ao posto ainda sob Jair Bolsonaro
(PL), num período de fortalecimento do Congresso ante o Planalto. Liderou um
avanço irresponsável e sem precedentes dos parlamentes sobre verbas públicas,
não interrompido pela troca de guarda em Brasília.
Não são propósitos moralizadores que estão em
jogo, porém —e nada indica que convenha a Lula um aprofundamento das querelas.
Desde o início de seu terceiro mandato, o petista dá mostras de compreender as
novas condições de negociação política. Ter acomodado um nome do PP de Lira no
ministério é apenas um dos exemplos.
A correlação de forças, no entanto, é reexaminada a todo momento. A sucessão no comando da Câmara, que ocorrerá dentro de um ano, decerto motivará mais pressões e barganhas de lado a lado.
O ânimo de Toffoli
O Estado de S. Paulo
A esta altura, está claro que tudo o que se
interpuser entre o ministro do Supremo e sua autoatribuída missão de reescrever
a história da Lava Jato será impiedosamente atropelado
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Dias Toffoli mandou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) insista numa
investigação sobre um suposto conluio entre a ONG Transparência Internacional e
a Lava Jato para se apropriar de recursos recuperados de esquemas de corrupção.
A ordem de Dias Toffoli se deu poucos dias depois que a ONG incluiu algumas
decisões recentes do ministro – sobretudo as que favoreceram empresas
envolvidas em escândalos na era petista – na lista dos fatores que ajudaram a
piorar a posição do Brasil no Índice de Percepção da Corrupção. Não se conhecem
os motivos do ministro Toffoli, que de resto parece profundamente empenhado em
reescrever a história de corrupção e desmandos que marcaram a trevosa passagem
do PT pelo poder. Fica claro, no entanto, que o ministro não se sente
constrangido de nenhuma maneira, nem pelas normas mais comezinhas do Estado
Democrático de Direito, em seu empreendimento revisionista – que, como todo bom
revisionismo, vem carregado de ânimo vingativo.
Ressalte-se que a acusação contra a
Transparência Internacional é antiga e que, em 2020, já havia sido
peremptoriamente rejeitada pela PGR por absoluta falta de provas. Anteontem, o
ministro ordenou que a PGR retome a investigação da atuação da ONG no Brasil,
malgrado nesse ínterim não ter vindo nem a público nem aos autos qualquer novo
elemento probatório que consubstanciasse a retomada das investigações. Diante
disso, não se pode condenar quem veja na ordem exarada pelo ministro Dias
Toffoli à PGR uma espécie de retaliação, o que não se coaduna com a judicatura.
O Índice de Percepção da Corrupção deve ser
recebido com muita parcimônia, haja vista que a Transparência Internacional se
propõe a capturar as percepções de empresários, acadêmicos e outros
especialistas no tema, e não dados objetivos e mensuráveis. Mas aqui não está
em questão o conteúdo do relatório, e sim a reação truculenta de um ministro do
Supremo a algo que leu e não gostou. Resta esperar que o colegiado da Corte
ponha termo a esse empreendimento, mas nada sugere que os pares do ministro
Dias Toffoli o farão, pois tudo indica que estamos diante de um fato consumado.
A decisão de apagar a Lava Jato da historiografia do País parece que já foi
tomada. É muitíssimo improvável que Dias Toffoli esteja tomando as decisões que
tem tomado sobre os acordos de leniência firmados no âmbito da Lava Jato desde
setembro do ano passado, decisões estas extremamente sensíveis, sem a anuência
presumida de uma maioria confortável de seus colegas. É urgente, portanto, que
o Supremo se pronuncie o quanto antes sobre esses casos como o tribunal
colegiado que é.
Essa cruzada revisionista empreendida por
Dias Toffoli, sejam quais forem as suas motivações, é gravíssima por tornar
ainda mais espessa a névoa de suspeição que paira sobre a atuação do ministro
nos processos que culminaram na suspensão do pagamento de multas bilionárias
pactuadas entre as autoridades brasileiras e as empreiteiras apanhadas na Lava
Jato corrompendo agentes públicos e enriquecendo à custa do erário. A rigor, é
forçoso dizer, o ministro Dias Toffoli nem sequer deveria estar à frente de quaisquer
processos envolvendo os interesses do Grupo J&F e da Odebrecht no Supremo.
Estivesse o País menos bagunçado moral, ética e institucionalmente, o ministro
teria se declarado impedido – ou ao menos sua permanência nesses processos
provocaria mais espanto. Dias Toffoli, convém lembrar, foi citado como sendo o
“amigo do amigo de meu pai” em manifestação enviada por Marcelo Odebrecht à
Polícia Federal, em referência ao presidente Lula da Silva e ao pai do
empresário, Emílio Odebrecht. Não bastasse isso, a mulher do ministro, Roberta
Rangel, é advogada do Grupo J&F.
O conflito de interesses, como se vê, é
clamoroso. Ainda mais escandaloso, porém, é o estado de letargia dos pares do
ministro Dias Toffoli no STF, que assistem a esse assalto monocrático a tudo o
que há de minimamente ético e republicano no exercício do múnus público em nome
de interesses para lá de obscuros.
A quem pertence o orçamento
O Estado de S. Paulo
Ele deveria pertencer a todos os brasileiros.
Se não pertence, o Congresso deveria assumir sua parcela de responsabilidade.
Não são emendas parlamentares que farão com que isso mude
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
fez sentir sua ausência nos principais eventos políticos do início deste ano.
De forma calculada, o deputado não participou das cerimônias para lembrar os
atos do 8 de Janeiro nem da retomada dos trabalhos do Judiciário, em que foram
retiradas as grades que cercaram a Esplanada dos Ministérios por mais de dez
anos. E agora se sabe por quê. Seu primeiro discurso público, na abertura do
ano legislativo, foi preparado para marcar posição e enviar recados ao Executivo.
Lira não está satisfeito com o tratamento que
o governo lhe tem reservado – leia-se, com o veto presidencial que reduziu o
valor das emendas de comissão em R$ 5,6 bilhões. Acredita ter feito tudo o que
fora combinado – ou seja, trabalhado pela aprovação da agenda econômica do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad – e cobra do Executivo que reconheça seu
esforço e faça sua parte – leia-se, pague o valor integral das emendas.
Poderia ter sido mais sutil, mas preferiu ser
bem direto. Para defender seu ponto de vista, citou a Constituição para cobrar
respeito ao papel do Legislativo. Mirou não apenas na chefia do Executivo, mas
na própria estrutura da administração pública, a quem cabe cumprir etapas
burocráticas e obrigatórias, estabelecidas em lei, até que o pagamento das
verbas seja liberado.
“O Orçamento da União pertence a todos e
todas e não apenas ao Executivo porque, se assim fosse, a Constituição não
determinaria a necessária participação do Poder Legislativo em sua confecção e
final aprovação”, afirmou.
“O Orçamento é de todos e para todos os
brasileiros e brasileiras: não é e nem pode ser de autoria exclusiva do Poder
Executivo e muito menos de uma burocracia técnica que, apesar de seu preparo,
não duvido, não foi eleita para escolher as prioridades da nação. E não gasta a
sola de sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros como nós,
parlamentares”, acrescentou.
Lira, como sempre, confunde conceitos de
forma propositada. Tenta convencer o público que aprovar o Orçamento é o mesmo
que elaborá-lo e quer tirar do Executivo a função de executar a peça
orçamentária. Para isso, defende um calendário para o pagamento das emendas e
dá a entender que o governo não quer dividir os recursos que tem à disposição
com o Legislativo, que, mais próximo da população, saberia exatamente onde e em
que aplicar os recursos.
Mais de 90% das despesas do Orçamento são
obrigatórias, ou seja, precisam ser pagas independentemente da vontade ou da
existência de recursos em caixa – entre elas os salários dos servidores dos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e os benefícios da Previdência
Social, como aposentadorias e pensões, bem como o fundo eleitoral.
Sobram menos de 10% em despesas
discricionárias, nas quais há alguma ingerência sobre o destino final, e que
incluem investimentos e emendas. Sobre este naco, o Legislativo avança ano a
ano. Segundo reportagem do jornal O Globo, dos R$ 222 bilhões de livre
destinação neste ano, R$ 44,6 bilhões se referem a emendas parlamentares, ou
20,05% do total. A título de comparação, em 2014, antes da criação das emendas
impositivas, ao Legislativo cabia indicar 4,65% do valor dos gastos
discricionários.
Se Lira estivesse certo, o olhar do
Legislativo teria feito com que as desigualdades regionais caíssem
vertiginosamente nos últimos anos. Este modelo, no entanto, agravou o que já
era ruim e criou os chamados desertos políticos, municípios sem padrinhos em
Brasília que não recebem recurso algum.
O Orçamento, de fato, deveria pertencer a
todos os brasileiros e brasileiras. Se não pertence, o Congresso também deveria
assumir sua parcela de responsabilidade em vez de jogar toda a culpa no
Executivo.
Não basta recompor o valor das emendas
parlamentares para que esse problema seja solucionado. E, se realmente quer
aumentar sua participação na destinação de despesas do Orçamento, o Legislativo
também terá que começar a contribuir mais ativamente pela recomposição das
receitas e, eventualmente, pela elevação da carga tributária.
Tentações salvadorenhas
O Estado de S. Paulo
A repressão ao crime de Bukele está sendo
conduzida sob um falso dilema entre segurança e liberdade
Corroborando os índices de aprovação de 80% a
90% do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, as urnas devem lhe conferir um
segundo mandato com a mesma proporção de votos. Seu partido deve conquistar uma
maioria esmagadora no Parlamento.
A popularidade de Bukele reflete o desespero
dos salvadorenhos. A percepção é de que estavam sequestrados pelo crime
organizado e que Bukele os libertou. Quando foi eleito, em 2018, o país era um
dos mais violentos do mundo, com uma taxa de homicídios de 51 por 100 mil
habitantes. Hoje ela se equipara à dos EUA.
Mas essa trajetória foi construída como uma
resposta a um dilema perigosamente falso entre a segurança e as liberdades
civis e políticas, como se a única solução para a primeira fosse sacrificar as
últimas.
Constituições democráticas preveem estados de
“emergência” para calamidades públicas, e dificilmente há calamidade maior que
a dizimação da população por criminosos. Em 2016, a ONU calculou que os custos
da violência no país consumiam 16% do PIB. Em 2022, Bukele declarou um “estado
de exceção” que permitiu à polícia promover encarceramentos em massa com base
em “evidências” como tatuagens e denúncias anônimas. Hoje o país tem a maior
taxa de encarceramento do mundo.
Até então o suposto dilema entre Estado de
Direito e segurança não havia sido testado no país, porque não havia nem o
primeiro nem a segunda. O Estado paralelo do crime tornava letra morta os
direitos dos salvadorenhos.
Após a terapia de choque, um líder
republicano aproveitaria a pacificação e sua popularidade para construir as
condições para que um Estado de Direito que só existia de jure passasse a
existir de facto. Isso começaria por garantir um julgamento justo aos
encarcerados. Mas nada indica que Bukele buscará isso. O “estado de exceção”,
que deveria durar 30 dias, já foi reeditado 22 vezes. Inocentes padecem das
condições duríssimas das prisões, à mercê do recrutamento das facções.
Além disso, o combate ao crime serviu de
pretexto para eliminar freios e contrapesos. Bukele tem distribuído generosos
benefícios às forças de segurança para garantir sua lealdade, intimidado
opositores com elas, aparelhado o Judiciário e o Ministério Público e
manipulado a legislação eleitoral. Sua reeleição, vetada pela Constituição, só
foi possível com uma manobra casuística dos juízes instalados por ele na
Suprema Corte.
Para os políticos que respeitam o Estado de Direito há uma advertência: é preciso levar a criminalidade a sério, sob o risco de serem atropelados por demagogos autoritários. Os salvadorenhos deveriam despertar para os perigos de sua barganha. Nenhum combate à criminalidade é sustentável sem o fortalecimento do Estado de Direito. Em meados dos anos 2000, El Salvador já havia tentado as políticas de “mano dura” e “superdura”, só para testemunhar o refluxo mais brutal do crime. Com um Estado de Direito meramente formal e uma insegurança real, eles aquiesceram sacrificar temporariamente suas liberdades em nome da segurança. Mas há a possibilidade de que no futuro se vejam permanentemente tolhidos de ambas.
E a dengue avança
Correio Braziliense
Além de algumas ações louváveis, no DF, em
Minas Gerais e Rio de Janeiro, com unidades de saúde para atendimento às
pessoas, é preciso que a sociedade se una para enfrentar o mosquito, seguindo
as dicas das autoridades sanitárias
Quase 365 mil casos prováveis de dengue, 36
mortes pela doença e outras 234 em investigação. O Brasil segue em batalha
ferrenha contra o Aedes aegypti, nosso conhecido de longa data — pelo menos
desde a década de 1980. Nas últimas semanas, assistimos ao crescimento
avassalador dos números envolvendo pessoas doentes, filas nos postos de saúde e
uma grande quantidade de pacientes que sequer conseguiram ser atendidos
dignamente.
Por outro lado, não podemos deixar de
destacar algumas ações louváveis, como o funcionamento de unidades de saúde, a
exemplo do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília nos fins de semana para
atendimento a pessoas com sintomas de dengue e a abertura de um hospital de
campanha da Aeronáutica, em Ceilândia, no Distrito Federal, além de iniciativas
a longo prazo, como a vacina desenvolvida por pesquisadores do Instituto
Butantan, que há 15 anos estudam o mosquito transmissor da dengue.
Para uma mínima parcela da população
brasileira, o problema parece estar sendo resolvido. Segundo a Associação
Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVac), houve um crescimento significativo
na aplicação de doses da vacina Qdenga no setor privado de imunização. Esse
crescimento se destaca desde outubro de 2023, quando foi registrado aumento de
106,67% em relação a setembro.
A partir daí, o número só cresceu. Em
novembro de 2023, foram 1.955 doses; em dezembro, 2.341 doses; e, em janeiro de
2024, chegou a 4.923 doses, um aumento de 110,75% em relação ao mês anterior.
Os dados referem-se a cerca de 280 clínicas particulares do Brasil. No período
acumulado de julho de 2023 a janeiro de 2024, foram administradas 13.290 doses
da Qdenga.
Infelizmente, as vacinas pagas continuam
sendo inacessíveis para a maioria dos brasileiros — uma dose contra a dengue
custa entre R$ 400 e R$ 490, e a prescrição é de duas doses. Fica a expectativa
pela agilidade na liberação pelo Ministério da Saúde das doses gratuitas de
Qdenga para a população, medida que pode ajudar a reduzir futuros quadros de
epidemia.
Em seu pronunciamento na noite de ontem, a
ministra Nísia Trindade fez um relato sobre a situação dos estados e o panorama
da doença, além de destacar ações da pasta para combater o mosquito. Estados e
municípios receberão recursos extras no valor de R$ 1,5 bilhão. Convocou uma
mobilização nacional, envolvendo governadores e governadoras, prefeitos e
prefeitas e também a população.
As dicas são velhas conhecidas: não deixar água parada em vasos de plantas e outros recipientes, cuidar de lotes vagos, manter caixas d'água tampadas, recolher lixo e por aí vai. Isso do lado da sociedade. Do lado dos governos, os apelos também são os mesmos: melhoria do saneamento básico, instalação de estações de tratamento de água e atenção aos vulneráveis. É preciso unir forças. Todos nós somos responsáveispela saúde do próximo
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