O Globo
Juiz citou "legítima defesa" ao
livrar policiais que balearam e arrastaram faxineira no asfalto
Numa manhã de domingo, Cláudia Silva Ferreira
saiu de casa com R$ 6 para comprar pão. Era seu dia de folga com as crianças.
Durante a semana, ela acordava às 4h30 e dava duro num hospital. Com o salário
de faxineira, desdobrava-se para criar quatro filhos e quatro sobrinhos.
A caminho da padaria, foi atingida por tiros disparados pela PM. A pretexto de socorrê-la, os agentes a jogaram no porta-malas e partiram em disparada. O bagageiro se abriu, e o corpo da mulher negra, de 38 anos, foi arrastado pelo asfalto em alta velocidade. Apesar dos alertas desesperados de motoristas e pedestres, a viatura levou 350 metros para parar.
O caso ocorreu em março de 2014 em Madureira,
Zona Norte do Rio. A repercussão foi nacional. A presidente disse que a morte
de Cláudia chocou o país. O governador prometeu punições e classificou a ação
da polícia como “abominável”. A PM informou que os fatos não condiziam com seus
valores, voltados à “preservação da vida e da dignidade humana”.
Passados dez anos, a Justiça deu outro
veredicto. Os seis
policiais acusados pelo crime foram absolvidos. O juiz
Alexandre Abrahão Dias Teixeira, do 3º Tribunal do Júri, considerou que eles
agiram em “legítima defesa”, apesar de Cláudia só ter em mãos um copo de café e
três notas de R$ 2.
O magistrado escreveu que os PMs atiraram
para “repelir injusta agressão”, “incorrendo em erro na execução, atingindo
pessoa diversa da pretendida”. Ele também absolveu os réus da acusação de
fraude processual. Para a Promotoria, eles desmontaram a cena do crime. Para o
juiz, apenas “tentaram socorrer a vítima de imediato”.
A sentença de Teixeira merece ser estudada em
faculdades de Direito. Das 31 páginas, 18 se dedicam à transcrição de
depoimentos favoráveis aos acusados. Dois são classificados como “excelentes
policiais”. Um terceiro, como “oficial tranquilo e cumpridor de ordens”.
Aparentemente, o juiz não se interessou pelo
que teriam a dizer o viúvo ou os vizinhos de Cláudia. Na época, todos
criticaram a PM e contestaram a versão oficial de tiroteio. Os moradores do
Morro da Congonha não têm nome ou voz na sentença. São apenas “populares
revoltados”, que “partiram para cima dos policiais” e causaram “tumulto
generalizado”.
Teixeira cita nove testemunhas, sendo oito
policiais. A exceção é uma enfermeira que dava plantão no Hospital Estadual
Carlos Chagas quando a viatura chegou com uma mulher ensanguentada no
porta-malas. Não havia mais paciente a socorrer. Cláudia estava morta.
Um comentário:
Que tristeza!
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