domingo, 24 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ondas de calor pressionam o setor elétrico

O Globo

Técnicos temem que oferta de energia não seja capaz de atender à demanda crescente em 2025

Com os termômetros acima dos 40 °C e a sensação térmica em patamares superiores a 60 °C, o consumo de energia dispara. Apagões se sucedem país afora, e o sofrimento dos moradores da região central de São Paulo, alguns às voltas com mais uma semana de interrupção no fornecimento, é apenas o drama mais recente. Ao mesmo tempo, surge a preocupação com a capacidade de o sistema elétrico resistir ao crescimento de demanda. Neste momento de virada de estação, do verão para o outono, com temperaturas recordes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem aumentado a previsão de crescimento da demanda de março, um salto próximo de 6% ante o mesmo mês do ano passado.

De acordo com o ONS, todas as regiões consumirão mais energia neste mês em relação a março de 2023: Nordeste, 8,8%; Norte, 8,5%; Sudeste/Centro-Oeste, 5,8%; Sul, 1,5%. No último dia 15, o consumo bateu o recorde do ano, com 102.477 megawatts (MW). Na superfície, a situação parece sob controle. As hidrelétricas respondem por mais da metade da produção de energia, e a geração eólica e solar, somadas, mais de 20%. Não se pode esquecer, porém, que a geração no Brasil continua dependendo de chuva no momento certo, na região certa. As oscilações do clima, que vieram para ficar, não dão uma garantia firme de que isso aconteça.

Com a expansão das fontes intermitentes, a gestão do sistema elétrico brasileiro ficou mais complexa. O risco é o consumo exigir maior participação das usinas termelétricas, encarecendo a conta de luz. Os técnicos não se mostram preocupados com 2024, mas temem por 2025. Não faltará energia, mas é provável que as termelétricas tenham de ser acionadas com mais frequência para preservar os reservatórios das hidrelétricas.

O nível de chuvas não tem sido o ideal. “A previsão para março indica a ocorrência de afluências [chuvas] abaixo da média histórica para os subsistemas Sudeste/Centro-Oeste [o maior do país], Nordeste e Norte, e acima da média histórica para o subsistema Sul”, informou o ONS. O sistema interligado da rede de distribuição é capaz de fazer compensações entre as regiões. Mas há o risco de, no ano que vem, faltar água para produzir no mínimo o atual volume de energia. Em abril começa o período seco, a temporada com menos chuvas que acaba em outubro. Até lá o ONS terá um quadro mais preciso da situação.

“A situação dos reservatórios [das hidrelétricas] não é confiável, mas os riscos ainda não são grandes. Por enquanto, a expectativa é de chuva dentro da média, o que não é bom para 2025”, diz Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). De acordo com ele, a temporada chuvosa teria de ser acima da média para compensar a alta do consumo neste verão. Os reservatórios estariam ainda mais baixos, diz Santana, se não fosse a geração eólica e solar.

O parque de termelétricas, ampliado a partir do apagão de 2001, dá segurança ao sistema brasileiro, mas ataca o bolso do cidadão. Racionalizar o consumo seria uma medida razoável. Mas nenhum governo gosta de assustar a população com o risco de apagões. Nem por isso eles têm deixado de acontecer.

Futebol brasileiro ganha com a participação de jogadores estrangeiros

O Globo

Enquanto país perde craques para Europa, influxo de sul-americanos contribui para melhorar times locais

Os grandes times de futebol que disputam os campeonatos europeus têm se tornado seleções multinacionais em que jogam os maiores craques do planeta. A cada dia também fica evidente que o Brasil, conhecido mercado exportador de talentos, também tem importado jogadores para suprir as necessidades locais. Incapazes de reter no país craques de primeira linha, vários times brasileiros passaram a buscar reforços no mercado sul-americano. Em 2020, a Série A do Campeonato Brasileiro contava com 81 jogadores estrangeiros. Em 2021, a pandemia derrubou esse número para 76, segundo reportagem do GLOBO. Mas em 2022 já eram 103 os atletas de fora. No ano passado, 127.

Os jogadores estrangeiros que atuam no Brasil representam 30 nacionalidades diferentes. A maioria são argentinos, seguidos por uruguaios e colombianos. Isso ocorre porque os clubes brasileiros têm apresentado capacidade financeira para contratar no continente jogadores de qualidade. Outro fator que explica a tendência é o custo crescente do jogador brasileiro. “Não é novidade que vivemos um mercado brasileiro inflacionado, e o fato de termos buscado muitos reforços fora do país é um indicativo dessa viabilidade”, diz Alessandro Barcellos, presidente do Internacional. O Inter lidera a lista de estrangeiros em sua formação, com dez atletas. Barcellos defende o aumento no limite de jogadores de fora permitidos na escalação nos campeonatos nacionais, que passou de cinco para sete em 2023 e será de nove neste ano.

Nem todos concordam. Quem está preocupado é o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, Alfredo Sampaio. Ele teme que a abertura ao exterior sufoque o mercado interno. A crise do futebol italiano, que não se classificou para a Copa do Mundo por duas vezes consecutivas, é citada como sinal de alerta para os dirigentes brasileiros. Dos 20 times que atuam na Liga Italiana, em apenas quatro os jogadores estrangeiros somaram menos da metade do tempo jogado em campo, revelam dados da Federação Italiana. Na maioria dos jogos, estrangeiros atuaram mais tempo que os italianos.

Outro temor é que o influxo de jogadores de fora leve grandes clubes, como Palmeiras, Flamengo, Fluminense, Corinthians, Vasco ou Atlético Mineiro, a investir menos nas divisões de base. Tradicionalmente, elas são a forma mais barata de renovar as equipes principais. Uma atenuante é que essas divisões têm se transformado em fonte de receita ao produzir novas levas de jovens jogadores vendidos para fora do país. Receita que com certeza os clubes desejarão preservar.

As cinco últimas edições da Libertadores foram vencidas por clubes brasileiros, que disputaram entre si três finais do torneio continental. Isso mostra que os estrangeiros têm contribuído para elevar a qualidade do nosso futebol e que, tudo considerado, a globalização fortalece o esporte.

Dado oficial mostra que é preciso conter gastos

Folha de S. Paulo

Mesmo projeções otimistas do governo deixam claro que não será possível equilibrar o Orçamento apenas elevando impostos

Com o bom resultado da arrecadação no primeiro bimestre, o governo ganhou tempo para evitar um expressivo e imediato bloqueio de gastos orçamentários, rechaçado pelo Planalto. Ainda assim, o quadro geral não inspira confiança nas chances de que seja mantida e cumprida a meta de zerar o déficit federal neste ano.

Após várias iniciativas para fechar brechas tributárias e elevar impostos, a coleta da Receita atingiu R$ 469,5 bilhões na soma de janeiro e fevereiro, 8,8% acima do contabilizado no período em 2023, já descontada a inflação.

O desempenho da economia até aqui é um fator positivo, com geração de emprego e renda, além da disseminação de algum crescimento em comércio e serviços, o que favorece a arrecadação.

Nada disso é suficiente, contudo, quando se observam os dados do relatório bimestral de acompanhamento do Orçamento, divulgado na sexta-feira (22), e as simulações para os anos seguintes.

O documento estima déficit primário (sem incluir despesas com juros) de R$ 9,3 bilhões neste ano, o equivalente a 0,1% do PIB. Tal patamar é compatível com a meta fiscal, um intervalo de saldo zero a um déficit de 0,25% do produto.

Por isso o governo não precisou fazer mais do que um discreto contingenciamento de R$ 2,9 bilhões para compensar o aumento dos desembolsos com a Previdência.

Resta, porém, grande incerteza a respeito dos efeitos das medidas para elevar a arrecadação. Chama a atenção que o relatório orçamentário tenha reduzido em R$ 31,5 bilhões (para R$ 2,69 trilhões) a projeção para a receita do ano.

Já as estimativas de despesas parecem demasiadamente otimistas, sobretudo nas rubricas sociais.

A impressão é que o governo quer adiar ao máximo o debate sobre contingenciamento e revisão da meta do ano, mesmo que ela tenha pouca credibilidade. De fato, as projeções mais comuns entre analistas apontam para déficit de ao menos 0,5% do PIB neste 2024.

O Relatório de Projeções Fiscais, divulgado em 15 de março, deixa clara a precariedade do ajuste.
Como apontou o economista Marcos Mendes neste jornal, o documento, mesmo assumindo o cumprimento da meta neste ano, prevê frustração dos objetivos de 2025 e 2026 —em vez de saldos positivos de 0,5% e 1% do PIB, são projetados déficits de 0,5% e 0,4% do produto interno, respectivamente.

Para tapar o buraco apenas com mais receitas, seria necessário que a arrecadação líquida chegasse a 19,7% do PIB em 2026— cerca de 1,5 ponto percentual a mais que neste ano. Em outras palavras, seria necessário aprofundar a sanha arrecadatória danosa para a economia.

Não há saída fora de um amplo programa de controle de despesas, o que exige enfrentar temas politicamente espinhosos, em especial as regras que elevam continuamente desembolsos obrigatórios. Nada disso parece estar na agenda do Planalto, que só colherá instabilidade se insistir na rota atual.

SP tateia no escuro

Folha de S. Paulo

Enel tem o dever de esclarecer apagão e traçar plano para evitar transtornos

Quatro meses depois, ainda que em menor extensão, a cidade de São Paulo volta a enfrentar um exasperante apagão de longo prazo, por dias a fio e a provocar um sem-fim de tormentos e prejuízos a dezenas de milhares de paulistanos.

Se em novembro passado um temporal deixou mais de 2 milhões de pessoas sem luz, principalmente na zona sul e com o martírio se arrastando por uma semana para boa parte delas, desta vez a incúria atingiu moradores e estabelecimentos da região central.

Para piorar, as causas de mais um blecaute prolongado —que começou na segunda-feira (18), atingiu novas ruas na quinta (21) e avançou para o fim de semana sem previsão de restabelecimento total— também seguiam na penumbra.

A concessionária responsável Enel culpou a estatal Sabesp, que teria atingido acidentalmente cabos da rede subterrânea durante uma escavação —a empresa de saneamento nega, e o governo federal determinou que a Agência Nacional de Energia Elétrica investigue.

Já os repiques na queda de energia foram atribuídos pela Enel à alta no consumo em razão do forte calor, "o que dificultou a recomposição da redes subterrâneas".

Enquanto tudo permanece nebuloso, os transtornos são evidentes: a Santa Casa teve de dispensar pacientes; a comida estraga e há falta de água em edifícios; moradores não conseguem estudar, trabalhar, carregar seus celulares ou até alcançar os andares mais altos; geradores se espalham pelas calçadas; bares, restaurantes e lojistas contabilizam suas perdas.

A Enel deve urgentes esclarecimentos aos paulistanos sobre os motivos do colapso, sua real capacidade operacional (o enxugamento de 35% dos funcionários levanta dúvidas legítimas) e, não menos importante, se dispõe de um plano de contenção para que crises do tipo não se tornem um pesadelo recorrente na cidade.

Metástases do tumor autoritário

O Estado de S. Paulo

A cada dia surgem novos sintomas de abusos em nome da defesa da democracia. Ora, não se protege a Constituição violando-a nem se fortalece o Estado de Direito sem o devido processo legal

Em fevereiro passado, um jornalista português passou por interrogatório de quatro horas ao desembarcar no Aeroporto de Guarulhos. Ele havia feito críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e às urnas eletrônicas em suas redes sociais. Segundo informou o diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal (PF), delegado Rodrigo de Melo Teixeira, à Comissão de Segurança Pública do Senado, na terça-feira passada, essa foi a razão pela qual o tal jornalista foi tratado pela PF como suspeito – sabese lá de que crime. Como não há delito de opinião no Brasil, ficou claro que se tratou de abuso de autoridade – que, nestes tempos estranhos, está longe de ser isolado. Ao contrário, o caso do jornalista é apenas a mais recente metástase de um tumor autoritário que se espalha em nome da defesa da democracia.

É uma célebre alegoria do autoritarismo difuso. Diz-se que em 1968, às vésperas da instauração do AI-5, o vicepresidente Pedro Aleixo teria alertado o presidente Costa e Silva: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o País; o problema é o guarda da esquina”.

Em 2021, o Congresso aprovou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito para extirpar o risco pela raiz e garantir que todo presidente governará sob leis iguais para todos, criadas pelos parlamentares eleitos e interpretadas caso a caso com isonomia pelo Judiciário, tudo conforme a vontade soberana da Nação consagrada na Constituição. Mas não se defende a Constituição com armas inconstitucionais; não se fortalece o Estado de Direito atropelando o devido processo legal; e o melhor remédio contra os inimigos da democracia é mais, e não menos, democracia.

Em tempos normais, essas variações do princípio segundo o qual os fins não justificam os meios seriam platitudes ociosas. Mas estes não são tempos normais. A República ainda se recompõe após o abalo sísmico das invasões bárbaras aos Três Poderes, em janeiro do ano passado, e prepara-se para julgar um ex-presidente, provavelmente por tentativa de golpe de Estado.

Na raiz dos reveses impostos pelo Supremo Tribunal Federal à operação Lava Jato está a autoatribuição da 13.ª Vara Federal de Curitiba de uma espécie de competência universal contra a corrupção. Mas agora é o Supremo que parece se atribuir a condição de juízo universal de defesa da democracia.

Há cinco anos a Corte conduz inquéritos secretos e elásticos para apurar fake news. Nas mesmas condições, instaurou inquéritos contra milícias digitais e as manifestações golpistas. Sob a justificativa da excepcionalidade, hermenêuticas extensivas e fundamentações heterodoxas motivaram censuras, bloqueios de contas, quebras de sigilos bancários e telemáticos, multas exorbitantes e indiciamentos e prisões preventivas no atacado.

Antes mesmo da apuração de um bate-boca envolvendo o ministro Alexandre de Moraes e seus familiares em Roma, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, hoje ministro do STF, declarou que o assédio poderia ser tipificado como crime contra o Estado Democrático de Direito. O presidente Lula sentenciou que o suspeito era um “animal selvagem” e prometeu “extirpar” essa “gente que renasceu no neofascismo”. O STF assumiu a jurisdição de um caso típico de primeira instância e despachou mandados de busca e apreensão na investigação da Polícia Federal por suposta tentativa de “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. Um óbvio absurdo – que ameaça se normalizar. Antes do caso do jornalista português, manifestantes contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo foram detidos e autuados por “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. Com a mesma justificativa, um juiz de Carauari deu voz de prisão a um delegado que o acusou de corrupção.

De tanto martelar que o País está à mercê de extremistas, magistrados como Alexandre de Moraes forjaram tipos penais adaptáveis sob medida para o guarda de esquina perseguir “fascistas”. Inebriados pela síndrome do pequeno poder, esses “superamigos” da democracia se proliferam. Mas com amigos assim, quem precisa de inimigos?

A infalível Doutrina Lula

O Estado de S. Paulo

Ao bajular Putin e elogiar a eleição fraudulenta, Lula e o PT ampliam histórico de apoio a ditaduras que hostilizam os valores ocidentais, rebaixando o Brasil a peão de russos e chineses

OPT do presidente Lula da Silva cumpriu fielmente o roteiro que se esperava de um partido que hostiliza democracias e aplaude ditadores só porque estes se opõem aos valores ocidentais: em “nota de saudação” assinada pelo secretário de Relações Internacionais do partido, Romênio Pereira, o comissariado petista chamou de “feito histórico” a eleição do companheiro Vladimir Putin. Dirigindo-se hiperbolicamente a Dmitri Medvedev, presidente do partido Rússia Unida, vice-presidente do Conselho de Segurança daquele país e sabujo de Putin, o PT rogou pelo fortalecimento dos “laços de parceria e amizade” entre ambos e reforçou a tese delirante de que, juntos, trabalham por “um mundo mais justo, multilateral e plural”. Não há limites para a Doutrina Lula, a sua política externa ancorada numa coalizão internacional anti estadunidense, o tal “Sul Global”.

A ampla disseminação da saudação petista serviu de contraponto curioso ao silêncio do Itamaraty, que até aqui não divulgou notas obre aeleiçãor ussa, eà cartado presidente Lula, cujo teor se ignora porque o Palácio do Planalto não lhe deu publicidade. Difícil escolher oqueé piorem ais vexaminoso, se o silêncio obsequioso da diplomacia brasileira neste mandato–equivalente, no caso, a uma cumplicidade envergonhada – ou a saudação tresloucada do dirigente do PT.

Na tal “eleição” que o PT festejou, talvez com uma ponta de inveja, o vencedor disputou sozinho (os “adversários” foram escolhidos pelo regime entre os mais leais a Putin). Muitos dos 77% de eleitores que compareceram às urnas o fizeram porque foram obrigados por patrões, chefes, forças armadas e vizinhos delatores. Além disso, a Constituição foi adulterada para permitir a nova reeleição do presidente, certamente será adulterada de novo sempre que Putin assim o desejar. Por fim, mas não menos importante, não há imprensa livre na Rússia, as instituições são todas controladas pelo regime e os principais opositores que poderiam enfrentá-lo estão todos presos ou foram assassinados.

Se o PT de Lula da Silva aplaudiu Putin, a parte civilizada do mundo tratou a coisa em seus devidos termos. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que as eleições russas não foram nem livres nem justas, mesma conclusão do chanceler do Reino Unido, David Cameron. A Alemanha classificou-as de “pseudoeleições”.

Não era possível esperar nada diferente do PT. Ao bajular o tirano russo, a nomenklatura petista acrescentou mais um capítulo ao longo enredo de apoio a ditaduras e de convivência com ditadores sanguinários. A lista é extensa, fruto de uma política externa inconsistente, como definiu a revista The Economist, e da ideologia rupestre do lulopetismo.

Depois de Putin ter ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra na agressão à Ucrânia, Lula e seu principal conselheiro na área, Celso Amorim, ofereceram-lhe solidariedade – além de dedicar um providencial silêncio diante da guerra criminosa. O presidente brasileiro também minimizou a morte do maior rival político de Putin, Alexei Navalni, provavelmente assassinado enquanto estava sob custódia do governo de Putin. “Para que pressa de acusar?”, questionou, numa prudência que raramente adota diante de crimes cometidos por seus adversários. Lula também disse acreditar nas garantias da ditadura venezuelana de que a eleição marcada para julho será limpa e livre – uma evidente impostura, diante do fato de que o ditador companheiro Nicolás Maduro controla totalmente o processo eleitoral, sufoca a imprensa, obriga eleitores a votar sob pena de perderem benefícios sociais e impede que opositores com chances de vitória concorram.

É difícil identificar o que o Brasil ganha se aproximando desse tipo de parceiro. Enquanto exercita seu conhecido terceiro-mundismo travestido de um multilateralismo de conveniência, Lula e o PT servem de peões úteis aos interesses russos e chineses contra os Estados Unidos e a Europa e fazem o Brasil passar vergonha.

A calúnia de Lula

O Estado de S. Paulo

Os móveis que Lula acusou Bolsonaro de surrupiar do Alvorada nunca saíram de lá

Com estardalhaço incompatível com a dignidade da Presidência da República, Lula da Silva acusou Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle Bolsonaro, de terem “levado tudo” com eles do Palácio da Alvorada

– cerca de 260 móveis e objetos de decoração. Ou seja, patrimônio público. “Se fosse dele, ele tinha razão de levar mesmo, mas ali é uma coisa pública. Eu não sei por que tem que levar uma cama embora”, afirmou Lula durante um café da manhã com jornalistas no dia 12 de janeiro de 2023.

Exatamente uma semana antes do encontro do petista com a imprensa, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, havia conduzido uma equipe de reportagem da GloboNews por uma espécie de tour pela área privativa da residência oficial. Por meio da imprensa, Janja queria denunciar ao País o tal “sumiço” dos móveis e exibir o grau da degradação que Bolsonaro e Michelle teriam promovido no Alvorada.

A suposta rapinagem da residência oficial da família presidencial ensejou um gasto de quase R$ 200 mil para aquisição de novo mobiliário, incluindo um sofá reclinável que custou R$ 65 mil. Porém, muito mais escandalosas que o dispêndio desse montante de recursos públicos – que, a bem da verdade, caso fosse justificável, não seria excessivo considerando o local – são a mentira e a dissimulação do atual governo.

Os cerca de 260 móveis e peças de decoração que teriam sido surrupiados pelo casal Bolsonaro foram encontrados, ora vejam, nas dependências do próprio Palácio da Alvorada. E o governo Lula da Silva sabia disso desde ao menos setembro do ano passado, mas nada disse. A informação foi obtida pelo jornal Folha de S.Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação.

É estarrecedor. O governo Lula da Silva escondeu da sociedade durante seis meses uma informação de interesse público – afinal, o presidente havia acusado seu antecessor de ter furtado patrimônio público, nada menos – apenas e tão somente para encobrir o que se revelou ser uma calúnia do petista. É disso que se trata. E um governo capaz disso, única e exclusivamente para sustentar um discurso político de oposição radical a um adversário político, é capaz de mentir sobre qualquer coisa para os cidadãos.

Ao supremo mandatário do País é imposto o dever da transparência, salvo casos excepcionalíssimos que envolvem questões ligadas à segurança nacional, entre outros temas previstos em lei. O sigilo dos atos da administração pública é exceção em qualquer país democrático. Ademais, espera-se que quem se dispõe a governar o País não precise exclusivamente de comandos legais para se comportar de maneira ética e responsável. Mas, nessa rinha particular entre Lula e Bolsonaro, parece valer tudo.

Fosse mais prudente, Lula aguardaria o inventário feito pela Diretoria Curatorial dos Palácios Presidenciais, além de levantamentos de outros órgãos ligados ao patrimônio público, antes de lançar suas aleivosias. Mas contenção e humildade nunca foram o forte do petista – menos ainda nestes tempos em que os fatos parecem ter pouca importância.

Jovens negros são vítimas da iniquidade social

Correio Braziliense

Faz todo sentido a prioridade dada pelo governo federal aos jovens negros, que são uma população em risco permanente

Os Sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), publicado em 1902, teve grande impacto na elite política, militar e intelectual da época, que havia apoiado com entusiasmo as expedições do Exército contra o arraial de Antônio Conselheiro em Canudos, no interior da Bahia, a pretexto de que o líder messiânico era uma ameaça monarquista à República. A visão idealista do índio herói e do negro trabalhador do romantismo fora ultrapassada pelo realismo de Euclides da Cunha.

O último capítulo do livro descreve a forma como os remanescentes do arraial foram tratados, a mesma que levou ao extermínio os últimos soldados e familiares de Solano Lopes, na Guerra do Paraguai, cujos arquivos são mantidos em sigilo até hoje. No final da refrega da Guerra de Canudos (novembro de 1896 a outubro de 1897), conta o escritor, “uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército”. No início, eram 20 mil seguidores.

“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo (...) Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”, conta Euclides. Suas 5.200 palhoças foram destroçadas.

As mesmas iniquidades sociais e a violência oficial de Canudos, ao longo desses 120 anos, migraram para as favelas e periferias das cidades brasileiras, inclusive, médias. O próprio nome favela é uma herança de Canudos, pois a primeira delas, que surgiu no Morro da Providência, no Bairro da Saúde, no Rio de Janeiro, abrigava os soldados remanescentes de Canudos, que foram desmobilizados.

Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a partir das análises dos boletins de ocorrência de todos os estados, constatou que o Brasil tem uma média de 6,97 mil mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes por ano. Segundo o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, entre 2016 e 2020 foram ao menos 34,9 mil mortes violentas intencionais contra pessoas de até 19 anos de idade.

A maior parte das mortes atingiu adolescentes entre 15 e 19 anos. Essas vítimas têm um perfil predominantemente masculino (92%) e negro (79%). A maioria dessas mortes foi causada por arma de fogo (85%) e classificada como homicídio (87%). No entanto, também aparecem como razão das mortes os feminicídios (1%) e as intervenções policiais (10%). Em 2020, o índice de mortes causadas por ação policial chegou a 15%, ficando em 44,4% no estado de São Paulo.

Na faixa entre 10 e 14 anos de idade, o perfil ainda é parecido com o dos adolescentes mais velhos — 78% são do sexo masculino, 80% negros e 75% das mortes causadas por arma de fogo. Entre as crianças, há uma mudança do perfil, das vítimas de 5 a 9 anos de idade, 55% são meninas, e, de até 4 anos de idade, 35% são do sexo feminino. As armas de fogo foram usadas em 47% das mortes de 5 a 9 anos de idade, e em 45% das crianças de até 4 anos de idade.

Faz todo sentido a prioridade dada pelo governo federal aos jovens negros, que são uma população em risco permanente. O Plano Juventude Negra Viva, lançado pelo presidente Luiz Inácio lula da Silva na quinta-feira (21/3), no Ginásio Regional de Ceilândia, a 30 quilômetros do Centro de Brasília, prevê investimento de mais de R$ 665 milhões nos próximos anos, em ações transversais de 18 ministérios, para a redução da violência letal e outras vulnerabilidades sociais que afetam essa parcela da população. Considerando políticas que englobam os jovens negros, mas não são exclusivas para esse público, o montante ultrapassa R$ 1,5 bilhão.

Como disse Lula, não é possível “achar normal” o extermínio de nossa juventude negra. Articulado pelo Ministério da Igualdade Racial e pela Presidência da República, cerca de 6 mil jovens negros foram ouvidos na elaboração do plano. Representam aproximadamente 23% da população brasileira.

 

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