Folha de S. Paulo
Presidente aposta em Bolsonaro como
espantalho, mas receita mostra sinais de exaustão
Os previsivelmente desconexos e esvaziados
atos da esquerda contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) neste sábado (23) são
menos relevantes no contexto das potencialidades dos campos rivais da
polarização brasileira, mas retratam um dilema colocado à frente de Lula (PT).
Desde que assumiu o governo, com a grande
ajuda dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o presidente aposta
sistematicamente na divisão do eleitorado para manter sua base
de apoio magnetizada.
Bolsonaro, mesmo tendo perdido os direitos
políticos até 2030, é tratado como ameaça existencial. Com isso, o governo gira
politicamente em torno da manutenção desse espantalho. Nada de novo aqui: o
ex-presidente fez o mesmo
com Lula ao longo de seu mandato.
Não só: ambos os líderes jogam uma partida de retroalimentação da importância do rival. O resultado fica evidente na constante polarização do país registrada pelo Datafolha, que na mais recente pesquisa mostrou o mesmo nível de divisão do eleitorado —no caso, 41% se dizem muito ou algo petistas, 30% o mesmo no registro bolsonarista.
Restam espremidos e órfãos 21% dos que se
declaram neutros, exatamente o lago em que ambos os grupos terão de pescar
votos nos pleitos futuros.
Lula tem decepcionado sequencialmente seus
seguidores mais inflamados à esquerda, que vinham sendo alimentados pela
influência da primeira-dama Janja na modulação mais agressiva do petista neste
terceiro mandato. Da Ucrânia a Gaza, passando pela Lava Jato e a ditadura
venezuelana, ele tocou
violino para as franjas radicais.
Mas na hora de falar dos 60 anos do golpe
militar que, no fim dos anos 1970, o viu ser gerado como ator político, Lula
baixou a bola. O faz em nome de uma estabilidade tensa com os
militares, já pressionados pelas investigações da trama golpista do
bolsonarismo, e frustrou sua base.
Há o
pragmatismo que sempre marcou Lula muito mais que qualquer
esquerdismo no cálculo, mas talvez também a percepção de que a tática de usar a
polarização tem favorecido mais Bolsonaro do que ele. Novamente, o Datafolha
oferece uma bússola.
Na mais recente pesquisa, as curvas de
aprovação e reprovação do presidente se aproximaram. Nenhuma tragédia, mas o sinal
de alerta está ligado do ponto de vista estratégico, mirando o
pleito de 2026.
Em um ano, o
desgaste de um governo que traz bons indicadores econômicos,
mas que tem se fiado mais numa querela com o rival do que em apresentar um
programa que pareça ter sido feito nos anos 2020, se faz evidente.
Isso sugere a razão do abandono à própria
sorte dos atos por Lula. O petista pode ter percebido que a obsessão mutuamente
assegurada com Bolsonaro talvez não lhe seja mais tão vantajosa, enquanto
mantém o encurralado ex-presidente com musculatura pública.
Para piorar, há o fato inescapável de que a
rua virou território da direita de classe média no Brasil desde que a energia
liberada de forma descontrolada nos atos de 2013 virou
combustível para o impeachment de Dilma Rousseff (PT) três anos depois. A
esquerda, que vivia da fama de dominar esse território por meio de sindicatos e
ONGs, nunca se recuperou.
Houve, claro, momentos em que as
"Paulistas" ficaram vermelhas e, principalmente, o apoio a Lula o
levou de volta à Presidência. Os autodeclarados petistas ainda são
majoritários.
Mas o protesto
pró-Bolsonaro de 25 de fevereiro foi um lembrete de que, se for
disputar fotografia, a capilaridade de mobilização virtual ainda dá vantagem à
direita. Enquanto resolve o que fazer, Lula arrisca ver sua base se
desorganizar.
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