O Estado de S. Paulo
Se quiser produzir, em seu governo, um legado
relevante, o presidente Lula terá de se empenhar nestes dois investimentos, o
físico e o social
O morticínio em Gaza, a guerra na Ucrânia e as lambanças atribuídas ao ex-presidente Jair Bolsonaro são muito mais interessantes que a pífia taxa de investimento – 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB) – estimada para o mês de janeiro pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas os cricris da imprensa, da Faria Lima e da academia podem apontar mais um detalhe sinistro. Além de pífia, essa taxa é menor que a mísera média mensal, de 16,3%, do período iniciado em janeiro de 2015. O presidente Lula pode ter excelentes motivos, ainda mais como presidente do Grupo dos 20, para dar mais atenção àqueles assuntos do que a uns números medíocres. Ministros da área econômica talvez possam, ou devam, gastar algum tempo com essas ninharias. Mas serão, mesmo, ninharias?
O otimismo presidencial só parece ter sido
afetado, nos últimos dias, pela perda de popularidade apontada por algumas
pesquisas. Ele cobrou mais trabalho dos ministros, mais atenção à saúde e maior
esforço de comunicação. Maior empenho pode ser uma boa ideia, principalmente se
houver objetivos claros e estratégias bem definidas. Os otimistas ainda esperam
esses detalhes. O presidente pode, com razão, festejar o crescimento econômico
de 2,9% no ano passado, mas o horizonte está pouco claro neste momento.
Os sinais positivos observados no começo do
ano ainda são pouco entusiasmantes. A recuperação da indústria permanece como
um dos desafios principais. A produção industrial diminuiu 1,6% em janeiro e
acumulou avanço de 0,4% em 12 meses. Mas ainda ficou 0,8% abaixo do patamar
pré-pandemia (começo de 2020) e em nível 17,5% inferior ao recorde alcançado em
maio de 2011. Em fevereiro novo recuo deve ter ocorrido, segundo estimativa da
Confederação Nacional da Indústria (CNI). O País continua incapaz, tudo indica,
de reverter a desindustrialização, mas o assunto foi pelo menos incluído na
pauta do governo.
A produção deve ter aumentado 0,6% em
janeiro, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). O
Monitor do PIB, atualizado mensalmente pela FGV, indicou expansão de apenas
0,1%, liderada pela agropecuária e pelos serviços. Mas a economia rural, embora
ainda vigorosa, deve crescer menos neste ano que em 2023, segundo as últimas
projeções. O avanço geral será mais dependente da indústria do que vem sendo há
alguns anos. Mas o setor industrial dependerá de renovação e de muito investimento
para reassumir, por um período longo, o velho papel de principal motor do
crescimento.
Contudo, a formação de capital produtivo na
indústria e na maior parte da infraestrutura tem sido, neste século, muito
limitada. Tem-se investido muito mais na modernização e na expansão produtiva
do agronegócio. Também os serviços têm avançado mais que o setor industrial na
expansão da capacidade e na renovação. Somadas todas as parcelas, a taxa de
investimento da economia continua muito abaixo da necessária para sustentar um
crescimento mais vigoroso. A média do período iniciado em 2015 foi estimada pela
FGV em 16,3% do PIB. É uma taxa muito inferior, portanto, àquelas observadas no
mundo emergente, com frequência superiores a 20% do PIB.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
conhece a importância da formação de capital produtivo, mas tem-se mostrado, na
prática, pouco propenso a cuidar do assunto de uma forma ampla. Não se vai
longe quando se concentra o esforço nos chamados “investimentos sociais” e
pouco se trabalha pelos outros objetivos. Uma boa malha de transportes – para
citar um exemplo fácil – pode beneficiar tanto o grande empresário rural ou
industrial quanto as populações mais necessitadas.
A atenção a essas populações depende, é
claro, de políticas especiais e às vezes complexas, mas um governo eficiente
deve buscar ao mesmo tempo o aumento da produção e a promoção da igualdade.
Importantes em todo o mundo, as políticas educacionais e de formação de mão de
obra são especialmente relevantes no Brasil, assim como o saneamento e a
promoção da saúde pública. O setor privado pode ter papel importante nessas
tarefas, mas a responsabilidade básica e intransferível é do setor público.
Para isso é preciso gastar muito, com muita
competência e com muito cuidado na fixação de objetivos, porque o dinheiro é
escasso e o orçamento público é muito ruim. Recursos públicos são engessados, a
gestão de pessoal é pouco flexível e a elaboração orçamentária é sujeita à
apropriação de verbas para fins pessoais de parlamentares. Num país onde faltam
recursos para investir em equipamentos materiais, pode ser especialmente
difícil mobilizar capital e vontades para o desenvolvimento humano. Se quiser produzir,
em seu governo, um legado relevante, o presidente Lula terá de se empenhar
nestes dois investimentos, o físico e o social, ambos essenciais para a
construção de um país mais produtivo e mais moderno em todos os sentidos. Se
engajar todos os ministros nessa aventura, ainda terá de batalhar pelo apoio,
muito mais difícil, de parlamentares muito raramente voltados para grandes
questões nacionais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário