Valor Econômico
Jantar marcou uma atuação coordenada do Executivo e do Supremo para evitar uma maioria bolsonarista no Senado em 2027
O Congresso não se enterneceu com o apelo
conciliatório do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o governo ganhou
tempo. Lula disse que depois que um projeto de lei sai do Executivo o Congresso
pode lhe dar o destino que quiser. No dia seguinte, o governo suou para adiar a
votação dos vetos presidenciais. Não sem antes assegurar a retaguarda.
Veio na forma de uma ação de
inconstitucionalidade impetrada no Supremo Tribunal Federal pela AGU contra uma
desoneração que privou o Tesouro de R$ 10 bilhões anuais. A ADI é fruto da
aliança entre Executivo e Supremo que enfurece o Congresso. Seu relator será o
ministro Cristiano Zanin.
Lula, o conciliador, entrou em campo depois do jantar com ministros que, no Congresso, foi lido como maquinação entre os dois Poderes contra o terceiro. O ministro Alexandre de Moraes também foi à luta. Arquivou o inquérito da hospedagem do ex-presidente Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria. Ao ministro Gilmar Mendes coube suspender as ações em curso no Judiciário relacionadas ao marco temporal. O STF havia derrubado a tese, levando o Congresso a aprovar lei para reinstituí-lo.
O vento da conciliação entrou pelas frestas
do TSE antes mesmo da mudança de sua composição, em junho, com a saída de
Moraes. A votação sobre a cassação do senador e ex-ministro da Pesca do governo
passado, Jorge Seif (PL-SC), foi adiada e ele foi recebido por Mendes, que não
integra a Corte eleitoral.
O ministro Flavio Dino questionou a
efetividade da decisão do STF que pôs fim ao “orçamento secreto”. Parece uma
nota dissonante, mas o despacho também pode acabar oferecendo uma saída se essa
toada conciliatória desafinar. Não é a única. O “orçamento secreto” fez vítimas
na Corte. Os inquéritos correm em segredo de Justiça mas estão espalhados no
tribunal. Aquele que investiga o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA) já tem
relatório da PF pronto à espera de manifestação da PGR.
A preocupação com o desmonte da polarização
no Congresso, prato de resistência do jantar, é guiada, no Executivo, pela
busca de governabilidade, e no STF, pela sobrevivência de seus ministros, como
a ampliação do foro privilegiado já havia mostrado. Os próprios ministros são
beneficiários, uma vez que não estarão à mercê de um juiz bolsonarista de
primeiro grau ao deixarem a Corte.
É visível o avanço da resistência à
permanência das excepcionalidades na condução do inquérito das “fake news” por
Moraes. Se esta resistência, mais concentrada no bolsonarismo, fez 32
senadores, alguns nos dois Poderes se perguntam quantos fará com sua ampliação
para segmentos não-alinhados ao ex-presidente no empresariado, no meio
jurídico, na imprensa e na classe média.
A conta é simples. Com maioria simples do
plenário (metade mais um dos presentes) do Senado um togado pode ser afastado.
E com dois terços (54) sofre impeachment. Também são 54 as vagas em renovação.
Entre os 27 que permanecem, o bolsonarismo tem 19.
O senador Davi Alcolumbre (União-AP) é
favorito à disputa pela mesa em fevereiro, o que lhe daria condições para
disputar a reeleição em 2027. É esperado que a plataforma de campanha de uma
Casa com eventual maioria bolsonarista seja o primeiro impeachment no STF. E é
esperado também que Alcolumbre, como acumula inquéritos na Corte, tema a
reprise do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, afastado depois do
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Alcolumbre cultiva boas relações com os
ministros e estará com três deles (Moraes, Mendes e Toffoli) até o sábado no
hotel Península (R$ 8,3 mil a diária mais barata), de Londres, para um fórum
que tem entre seus organizadores e patrocinadores os bolsonaristas Karim
Miskulin, promotora de almoço de empresárias com Bolsonaro na última campanha,
e Alberto Leite, da FS Securities. Ele foi dos anfitriões de Elon Musk em
condomínio do interior de São Paulo onde o bilionário encontrou Bolsonaro em
2022.
As chances de um acordo para que nada
prospere são, portanto, grandes. Resta combinar com o eleitor. Não é só o STF
que precisa evitar que isso aconteça no Senado. Um governo do PT também estaria
encalacrado para fazer aprovar no Senado indicações em tribunais superiores,
PGR, embaixadas, agências reguladoras e BC. O Supremo tem meios de limitar a
atuação das lideranças políticas, na conciliação ou na vara, mas o eleitor é
tarefa de Lula.
No já decantado discurso desta semana, o
presidente se mostrou resignado à tarefa: “As pessoas podem não gostar de um
presidente, mas podem gostar da política que está em curso”. Lula precisa do
STF para garantir os recursos de governo e a Corte precisa que ele vá bem para
barrar seus algozes no Congresso. Mas, pelo menos para o STF, há alternativas.
Bolsonaro e os partidos que o cercam (PL, PP e União) investirão por maiorias
folgadas no Congresso. Colocado ante a perspectiva de impeachment sob este cenário,
um ministro do STF diz que a Corte invalidaria o processo, ou seja, reconhece a
possibilidade de colapso constitucional.
A vitaliciedade dá aos ministros a possibilidade de enxergar no ocupante do Palácio do Planalto um inquilino. Na disputa pela Presidência, o candidato mais vistoso, Tarcisio Freitas, cultiva boas relações com os ministros e é por eles cultivado. O governador de São Paulo não tem, em relação ao STF, a mesma hostilidade que lhe dedica seu padrinho. É o plano B.
2 comentários:
Análise excepcional. A colunista mostra vários aspectos nada evidentes, mas realmente importantes.
Verdade.
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