O Globo
O
tabu econômico lulista só admite ajuste pelo lado da receita, condenando
qualquer tentativa de cortar despesas
‘O
governo do presidente Lula está
enfrentando forte campanha especulativa e de ataques ao programa de
reconstrução do país com desenvolvimento e justiça social’, afirmou a nota da
direção do PT publicada
há uma semana. Como? Pela “escancarada sabotagem ao crédito, ao investimento e
às contas públicas, movida pela direção bolsonarista do Banco Central com a
manutenção da maior taxa de juros do planeta”. O BC seria uma ferramenta de
“setores privilegiados” que, “valendo-se da mídia associada a seus interesses
financeiros, fabricam uma inexistente crise fiscal”.
A economia de mercado é uma conspiração — eis o conceito de fundo que orienta o texto partidário. Fosse, apenas, expressão da ignorância econômica petista, isso não passaria de uma curiosidade. Só que não é: a nota reflete o pensamento econômico de Lula, raiz do atual impasse fiscal.
Dólar,
Bolsa, juros de longo prazo representam, na economia, o que temperaturas e
precipitações representam para a ciência climática: indicadores das dinâmicas
de um sistema complexo de interações. O PT e o presidente, porém, os
interpretam como resultados de uma ação política premeditada. A economia
atenderia às ordens de um Comitê Central oculto, formado pelos tais “setores
privilegiados”, cujo executor seria o BC.
É
um equívoco benevolente imaginar que as periódicas campanhas semioficiais
contra Roberto Campos Neto configuram apenas uma tática política destinada a
produzir um bode expiatório para as dificuldades do governo. Como atestou a
catástrofe econômica fabricada por Dilma Rousseff, o lulismo acredita
genuinamente que, para o bem ou para o mal, uma varinha de condão política
determina o comportamento da economia. “Vontade política” e “sabotagem” — a
linguagem ritual lulista desvela uma abordagem mística da economia.
A
refutação da tese exposta na nota do PT tardou só 48 horas. A decisão do Copom
pela manutenção da “maior taxa de juros do planeta” contou, na sua unanimidade,
com o voto dos quatro diretores indicados por Lula. Como, depois disso, acusar
a “direção bolsonarista do BC”? Fácil: basta alegar que os quatro escolheram a
“traição”, alinhando-se aos “setores privilegiados” na “sabotagem” ao governo.
Sem surpresa, é precisamente o que se diz em círculos próximos ao Planalto, num
incipiente bombardeio à indicação de Galípolo para a presidência do BC.
Campos
Neto “trabalha para prejudicar o país”, na frase insultuosa de Lula? O Copom
unânime retrucou, certeiro, reafirmando que “uma política fiscal crível e
comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das
expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos
financeiros, consequentemente impactando a política monetária”. Tradução: a
queda na taxa Selic depende, entre outros fatores, da “vontade política” do
governo de perseguir o equilíbrio fiscal.
Nem
tudo está errado na nota do PT. Ela, claro, não menciona a “democracia da meia
entrada”, expressão cunhada por Marcos Lisboa e Zeina Latif, nem reconhece a
farta distribuição de subsídios a setores empresariais nos governos lulistas
anteriores e no atual. Mesmo assim, acerta ao alertar sobre a necessidade de
“correção de um conjunto de desonerações tributárias, muitas injustas e
injustificáveis”, algo que exigiria esforço conjunto do Executivo e do
Congresso. O problema, no caso, é o acerto colocar-se a serviço do equívoco —
da resistência ideológica à revisão das despesas públicas compulsórias.
A
vinculação extensiva dos benefícios previdenciários ao salário mínimo faz com
que cresçam bem acima da inflação — mas o governo desautoriza sistematicamente
os tímidos ensaios de Simone Tebet para revê-la. Os pisos legais da saúde e
educação experimentam aumentos reais persistentes e inerciais, sem melhorar a
qualidade dos serviços. Mas o tabu econômico lulista só admite ajuste pelo lado
da receita, condenando qualquer tentativa de cortar despesas.
O
Orçamento engessado, consequência de um pensamento econômico envolto em
misticismo, comprime o investimento público. “Sabotagem”? Sim: o governo sabota
a si mesmo.
2 comentários:
" A economia de mercado é uma conspiração — eis o conceito de fundo que orienta o texto partidário.
Dólar, Bolsa, juros de longo prazo representam, na economia, o que temperaturas e precipitações representam para a ciência climática: indicadores das dinâmicas de um sistema complexo de interações. O PT e o presidente, porém, os interpretam como resultados de uma ação política premeditada. A economia atenderia às ordens de um Comitê Central oculto, formado pelos tais “setores privilegiados”, cujo executor seria o BC. "
😏😏😏
Esperar o quê?
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