quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Merval Pereira - Tomem tenência

O Globo

Como é possível as mudanças climáticas, que afetam a todos, sem distinção de classe social, mas atingem mais os mais carentes, não serem o ponto principal das campanhas pelo país?

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia notabilizou-se pela capacidade de transmitir suas ideias jurídicas por meio de frases que se tornam populares, ajudando a média da população a entender seus recados. Foi assim com o refrão do ditado infantil “cala boca já morreu”, quando defendeu a publicação de biografias não autorizadas. E agora, ao chamar a atenção dos candidatos às eleições municipais no papel de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mandando-os tomar “tenência” e darem-se “ao respeito”.

O chamado da ministra foi consequência das cenas de cadeiradas e pugilato entre candidatos e seus assessores na disputa em São Paulo, mas não apenas. Há cenas de violência física e verbal em vários cantos do país. Diversos candidatos foram assassinados, as campanhas eleitorais, de maneira geral, são dominadas mais por excessos que por propostas. Parece até que há intenção de confundir o eleitor, levá-lo à exaustão, para esconder a falha quase generalizada de propostas e projetos visando ao futuro das cidades.

A influência da internet parece galgar patamares jamais vistos, pois, a partir da divulgação constante de notícias e comentários, de preferência falsos, tomou conta do tempo do eleitor e dirigiu-o à luta livre, em que as ideias não têm valor. O filósofo francês Jean Baudrillard definiu a desinformação a que a internet nos leva como consequência da “profusão da informação, de sua repetição em círculos”.

A mudança de patamar deu-se nesta eleição, tendo como epicentro a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Trava-se lá uma disputa de poder entre tipos de política, sem que haja predominância da fala equilibrada e da proposição de soluções aos problemas dos cidadãos, que deveriam ser o objetivo final do voto. Há uma ação que parece orquestrada de grupos afins, trabalhando cotidianamente para desmoralizar a política por meio de ataques pessoais, físicos, que levam a conclusões equivocadas.

Pelas pesquisas de opinião, ao mesmo tempo que a maioria condena a violência, também acha que Pablo Marçal venceu os debates em que cadeiras voaram ou socos foram desferidos. Há quem veja nessa tática de fabricação de escândalos sucessivos uma maquinação para distrair os eleitores dos problemas reais, pois os candidatos não têm propostas factíveis para resolvê-los, nem querem ter.

O que ainda em grande parte é resolvido pela mentira pura e simples, com promessas inalcançáveis, também empurra o cidadão comum para a solução da força, como se ela, em si, fosse a resposta aos problemas. A desmoralização da política como instrumento de superação deles serve àqueles que querem se aproveitar desse vácuo de poder para assumi-lo na base do grito e do tapa.

Como essa maneira de fazer política não se limita a São Paulo, se transforma em reflexo da decadência da sociedade e precisa ser derrotada nas urnas para que se restabeleçam as verdadeiras prioridades. Como é possível as mudanças climáticas, que afetam a todos, sem distinção de classe social, mas atingem mais os mais carentes, não serem o ponto principal das campanhas pelo país?

Repete-se um fenômeno que já vivemos: um candidato a presidente da República da qualidade do ex-ministro Cristovam Buarque escolheu a educação, um dos principais problemas brasileiros, se não o principal, para ser a base de seu programa de governo e foi um fracasso eleitoral. A educação, sem a qual nenhum país se desenvolve ou nenhum cidadão progride, não chamou a atenção dos eleitores.

Passa-se, então, a dar mais atenção ao marketing da campanha que a seu conteúdo, ao simulacro de salvador da pátria que à real condição de realizar o que promete, quando promete alguma coisa. Senhores, tomem tenência, como diria a ministra.

 

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