Correio Braziliense
O governo parece se comportar como bombeiro
no presente e incendiário para o futuro. Não apenas no que se refere à crise
ambiental e aos incêndios nas florestas
O presidente Lula denunciou nas Nações Unidas
a falta de ambição dos líderes mundiais. Na verdade, eles têm ambição limitada
a apagar incêndios imediatos dentro de seus respectivos países. Não estão
prontos para grandes problemas da humanidade e do planeta, nem para construir o
futuro no longo prazo. A política ficou mundial, mas a democracia continua
nacional e imediatista. A civilização ficou planetária, mas o interesse do
eleitor continua imediatista e vinculado ao seu país, elegendo governantes com ambição
de bombeiro para seus problemas e não estadistas para a humanidade.
As Nações Unidas se reúnem como se o mundo ainda fosse a soma dos países sem o entendimento atual de cada país ser a soma do mundo. A humanidade precisa de governantes com ambição para formular e construir um novo tipo de progresso, mas o eleitor se mantém em busca de bombeiros locais.
Bombeiros estão entre as mais nobres
profissões. São absolutamente necessários, mas insuficientes: não constroem,
nem tomam as medidas para impedir repetição de erros incendiários. Os governos
não se justificam, limitam seu papel a controlar incêndios, sem construir
futuro melhor para a humanidade.
Nessas últimas semanas, o governo brasileiro
tem passado a ideia de bombeiro, limitando suas ações a apagar incêndios que
não conseguiu evitar. As reuniões que faz são no sentido de mostrar ativismo
para barrar a imensa onda de fogo que destrói nossas florestas, não para
definir políticas que protejam as matas no futuro, ainda menos para utilizá-las
como fonte de riqueza sustentável.
O Ministério do Meio Ambiente parece ter
sucumbido ao espírito bombeiro, esquecendo seus sonhos de desenvolvimento
sustentável. Todo esforço limitado à tentativa de parar os incêndios. Como se o
ministério só existisse agora para isso e ninguém tivesse alternativa para
depois que o fogo for controlado. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços, que deveria aproveitar a janela mundial de oportunidade
para formular o ambicioso plano de metas da era digital e ecológica, parece
assistir ao trabalho dos bombeiros enquanto outros acirram o fogo.
Na mesma semana em que denuncia a falta de
ambição de seus colegas, o presidente Lula comemorou o aumento da produção de
petróleo e acena para autorizar a exploração de novos poços no litoral próximo
à Amazônia. De olho nos votos locais na próxima eleição, senadores que antes
defendiam a liderança do Brasil para um mundo com desenvolvimento sustentável,
agora indicam que a exploração de combustível fóssil na Amazônia é necessária
para aumentar a renda local, mesmo sabendo que essa riqueza não fica localmente
e que suas consequências se espalham pelo planeta, trazendo de volta os efeitos
das mudanças climáticas que acirram os incêndios. Além de não construir o
futuro, estamos agindo como bombeiros piromaníacos: provocando o fogo que
dizemos combater. Com elevado custo econômico para não perder votos e por falta
de proposta alternativa.
O governo parece se comportar como bombeiro
no presente e incendiário para o futuro. Não apenas no que se refere à crise
ambiental e aos incêndios nas florestas. Na área de educação, mitiga a
desigualdade nas escolas de base, com cotas e bolsas, mas sem agir para
construir um robusto sistema nacional de educação de base com qualidade e
equidade. Tenta reduzir o incêndio da penúria com aumento do programa Bolsa
Família, mas sem uma estratégia de médio e longo prazo para eliminar a
persistência da pobreza, nem para tirar o Brasil da armadilha que amarra nossa
produtividade e a renda média, nem para distribuir com justiça a renda gerada.
No social, o governo se comporta como bombeiro, sem uma estratégia construtora
de longo prazo. O mesmo pode-se dizer da economia, tratada para apagar os
incêndios do dia, inflação, deficit público, taxa de juros, mas sem formulação
de longo prazo.
Olhando para o passado recente, temos um
governo que pelo menos joga água para apagar incêndios, mas não dá sinais de
ter uma bússola apontando para o futuro, nem quais as ferramentas necessárias
para construí-lo. É possível que o governo bombeiro tenha êxito contra o fogo
nas florestas antes mesmo de as chuvas chegarem, e seus ministros comemorem
como vitória deles, mas, como disse o Lula na ONU, sem ambição para apresentar
medidas estruturais. Sem ambição até mesmo para quem propõe ir além da ambição de
bombeiro: apagar fogo. Felizmente, os bombeiros ficarão de prontidão: mas Lula
tem razão, é preciso mais ambição, inclusive dele.
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