terça-feira, 8 de outubro de 2024

Entrevista | Gilberto Kassab: Tarcísio deve se fortalecer para 2030, pois encarar o Lula nunca é fácil

Bernardo Mello, Caio Sartori e Thiago Prado / O Globo

Recordista de prefeituras neste ano, o comandante do PSD avalia que as eleições mostram esquerda menor e defende que governador de SP só dispute a Presidência da República daqui seis anos

Presidente nacional do PSD, que saiu das urnas como quem mais elegeu prefeitos, 878, em todo o país, Gilberto Kassab evita colocar o partido como postulante à Presidência da República em 2026 e acena a outras siglas que classifica como de “centro”, como o União Brasil — com quem costura uma aliança para disputar o comando da Câmara dos Deputados. Kassab defende ainda que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) seja candidato à reeleição em São Paulo, em vez de embarcar na disputa contra Lula (PT), que “será candidato com certeza” e “não pode ser menosprezado”.

O PSD usará o número de prefeituras como ativo para lançar candidatura própria pela primeira vez à Presidência?

Se o PSD tiver candidato a presidente, hoje o nome é o do (governador do Paraná) Ratinho Jr. Mas também pode não ter. Em 2022, tínhamos nomes posicionados com alianças mais à direita, como o próprio Ratinho, e outros mais à esquerda, e por isso não lançamos. Se o Tarcísio concorrer, vou ponderar com o partido que o melhor seria apoiá-lo, mas o que eu vejo cada vez mais, pessoalmente, é uma preferência para que ele seja candidato a governador.

O que Tarcísio acha disso?

Ele tem dito que fica muito honrado com a lembrança, e não exclui nada, mas tudo leva a crer que vai optar pelo projeto do estado. Se ele perder a eleição presidencial em 2026, São Paulo perde também um grande governador. Ele pode chegar com mais musculatura em 2030, após oito anos de realizações e entregas no estado.

Em 2030, Tarcísio não teria a concorrência do ex-presidente Jair Bolsonaro?

Se tiver, que saia o melhor. Se for o Bolsonaro, aí Tarcísio pode ser vice. Mas não sei, acho que ele (Tarcísio) estará muito bem. Tarcísio é uma liderança inconteste da direita. Se houver dois líderes da direita no Brasil, são Tarcísio e Bolsonaro. Os partidos de centro vão preferir caminhar num diálogo com o Tarcísio, já que o Bolsonaro nunca quis dialogar.

O que te faz afirmar isso é a forma como o Ricardo Nunes (MDB) chegou ao segundo turno em São Paulo?

Sem dúvida nenhuma, sem querer desmerecer o Bolsonaro, mas o Tarcísio foi fundamental para essa ida do Nunes. Em vários momentos o Tarcísio foi tentado, instado a refletir para ter outro candidato, e ele foi muito firme com o Ricardo. Ele é o grande vencedor dessa eleição — ao lado do próprio Ricardo. Ninguém teve essa mesma participação, o Tarcísio é o pai da criança.

Há quem ache que o senhor deseja que Tarcísio concorra à reeleição para ser o vice dele em 2026. Isso procede?

Não procede. Eu já disputei muitas eleições, e gosto. Acredito que esteja preparado para voltar a disputar a qualquer momento, mas caberá ao Tarcísio, que é nosso líder em São Paulo, definir as alianças e composições.

Apesar de bons índices econômicos do governo, os apoios de Lula tiveram pouca relevância. O que esse cenário diz sobre o prognóstico para a força do próprio Lula em 2026?

Lula não pode ser menosprezado nunca. É um dos motivos para eu achar que o Tarcísio não deveria concorrer à Presidência. Enfrentar o Lula nunca é fácil. E a avaliação dele não é ruim, é regular — o que não é nada mal para alguém que há alguns anos estava numa situação muito difícil. Tenho certeza de que ele será candidato.

Com o PT mal, mas vencendo em capitais onde apoiou prefeitos bem avaliados de outros partidos, como no Rio e em Recife, esta eleição deixou algum recado ao Lula?

O Lula é o Lula, está acima dos partidos de esquerda. Mais do que nunca, ele entenderá a importância das alianças políticas. Ele não se envolveu muito nessa eleição, portanto qualquer desgaste será mais do PT do que dele. Caberá à direita, e ao centro que quer caminhar com esse campo, também definir logo um nome. Vejo o (governador de Goiás, Ronaldo) Caiado (União) disposto a ser de qualquer maneira, portanto ele larga na frente, caso eu esteja correto sobre o Tarcísio e considerando Bolsonaro hoje inelegível. É preciso saber se o (governador de Minas, Romeu) Zema (Novo) vai querer. A questão é que, em um país como o Brasil, não dá para definir candidato em cima da hora.

O PSD foi quem mais elegeu prefeitos em São Paulo e em Minas, e teve reeleição de Eduardo Paes no Rio em primeiro turno. Sai cacifado para disputar esses governos estaduais? Tarcísio precisará mudar de partido para 2026?

Não posso falar pelo Tarcísio, mas acho que a filiação atual ao Republicanos atende bem ao perfil que ele está construindo de grande líder da centro-direita, que tem a direita a seu lado, mas respeita e entende que o centro tem maior facilidade de diálogo. O PSD mostrou muita força no Sul e no Sudeste, tivemos um número expressivo de votos em Minas Gerais, onde temos vários bons quadros. No Rio, acho que o Paes é um fortíssimo candidato a governador, ou quem for apoiado por ele tem grandes chances de se eleger em 2026.

Paes tem que sair e disputar o governo, mesmo tendo dito na campanha que não faria isso?

Não posso dizer que ele será candidato, mas eu gostaria de vê-lo governador, pelo bem do Rio. O eleitor vota não só na pessoa, mas também em um projeto, e na medida em que o Paes coloca um vice do seu partido, ele mostra que não haverá traição ao projeto caso deixe a prefeitura. Se o eleitor quiser que ele saia candidato, vai ter o conforto para sair, e isso vira um ativo, ter uma cidade que representa quase metade do eleitorado do estado sendo solidária a ele.

Acha possível que Lula chame Paes para ser vice em 2026?

Eduardo já me disse que não faria sentido, porque o projeto dele é no Rio de Janeiro.

Paes foi um dos prefeitos do PSD eleitos com apoio de Lula. Defende que o presidente faça o mesmo no segundo turno de BH, onde Fuad Noman disputa contra Bruno Engler (PL)?

Em segundo turno temos que tomar muito cuidado, o que precisa prevalecer é o candidato. Quem aparece sempre apoiado por fulano ou beltrano passa uma imagem de insegurança, de despreparo. Fuad é muito respeitado. Se aparecer sozinho, sem o Kassab, sem o (presidente do Senado) Rodrigo Pacheco e sem o Lula, acho que ele cresce. O adversário com certeza não tem a mesma experiência que ele.

O PL rivalizou com o PSD nessas eleições, até com campanha de bolsonaristas pedindo que os eleitores não votassem no seu partido, mas terminou atrás. Por quê?

Eles acharam que poderiam colher frutos se nacionalizassem a campanha municipal. E não colheram, porque a questão é local. Quiseram colocar em termos de “nós, que somos de direita, não podemos votar em quem conversa com a esquerda”, o que é um absurdo. Triste é o país que só tem posições políticas extremas. Além da maior capilaridade, o PSD praticamente empatou em número de votos com o PL, o que mostra o poder eleitoral. Tivemos 14,5 milhões de votos para prefeito, e o PL teve 15 milhões. Há dois anos (para deputado federal), essa distância era três vezes maior. A esquerda está menor, mas o centro tem um peso muito maior que a direita hoje no país.

Em São Paulo, Pablo Marçal chegou a ameaçar a ida de Nunes ao segundo turno. Acha que ele se firma na política ou tende a ficar inelegível?

Vai depender muito da postura dele. O Judiciário e a própria política gostam de observar antes de agir. Acho que ele errou muito, precisa repensar sua postura e suas alianças. O laudo falso divulgado na sexta antes da eleição contribuiu para ficar fora do segundo turno, e acho que esse erro causou desgaste até ao projeto dele de tentar a Presidência. Acho que foi um ato de ansiedade, de ir para o tudo ou nada de maneira totalmente descabida. Sem esse percalço, poderia ter tido um pouquinho mais de votos.

As emendas parlamentares fizeram a diferença no pleito deste ano, marcado por altos índices de reeleição?

Faz sentido que tenham feito, sim. São recursos direcionados para intervenções importantes, que geralmente são discutidas essas ideias com os próprios prefeitos. E o prefeito sabe o que a cidade precisa.

Os candidatos à presidência da Câmara tiveram vitórias em redutos, em alguns casos contra nomes alinhados ao governo federal. Isso mostra autonomia dos deputados em relação à máquina federal? Muda o papel do governo na eleição da Câmara?

Não acredito. O governo está certo em postergar sua decisão, até porque há uma nova realidade surgindo, com um entendimento muito forte entre o Antonio Brito (PSD) e o Elmar Nascimento (União). Isso nos leva a ter 100 deputados apoiando um projeto — não sei se o Brito ou Elmar, mas em algum momento eles vão compor, no primeiro ou no segundo turno. Se o governo coloca o PT nesse bloco, mais os partidos aliados (do PT), começa a haver expectativa muito concreta de vitória, eleva esse patamar a 250, 300 votos. Lula tem dito que não gostaria de interferir. Mas até pode no meio do caminho mudar, não é nenhuma incoerência, o processo político é dinâmico.

O cálculo é isolar a direita, que o senhor tem caracterizado como PP, PL e Republicanos? E o que achou do Marcos Pereira te atacar ao retirar a candidatura dele?

Não é isolar, é a realidade. Só falta achar que o PL do Bolsonaro não é de direita. Que o PP do Ciro Nogueira, que foi o chefe da Casa Civil dele, não é de direita. E o próprio Tarcísio, que tenho uma relação muito boa, se apresenta como direita moderada. Essa é a direita do Brasil. Mesmo com o tamanho da bancada deles, acho que o Brito tem muito voto lá. E o Marcos Pereira não me atacou. Ele tem esse sonho, legítimo, e tem total condição de ser um bom presidente da Câmara. Mas acho que ele não teve paciência de esperar o tempo dele. Somos partidos aliados. Ele falou a verdade: que se o PSD apoiasse, ele ganhava. Mas, se ele apoiasse o Brito, o Brito também ganhava.

Lira vai com Hugo Motta (Republicanos) até o fim?

Lira foi um grande presidente, e o esforço dele é para ter um candidato que una toda a sua base. Durante quatro anos ele construiu muitas alianças e relacionamentos, mas acho que está se aproximando do fim do mandato e tenho dito a ele que pense em ser um juiz, se tiver disputa, em vez de pensar em fazer o candidato dele. Se ele tiver dois candidatos que se sentem ligados a ele, deixa os dois, e lá na frente ele ganhou a eleição. Ele me ouve muito, mas acho que nessa questão ainda não ouviu.

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