Eleitor consagrou gestores eficientes nas prefeituras
O Globo
Mais que disputa ideológica entre direita e esquerda, pleito local reflete qualidade da administração
O quadro final das eleições municipais será
definido apenas daqui a três semanas. Das dez cidades mais populosas, seis só
conhecerão o nome do próximo prefeito no fim do mês. Mas, encerrado o primeiro
turno, já é possível tirar algumas conclusões sobre o resultado.
Partidos de direita e centro-direita saíram
fortalecidos. Os que mais elegeram prefeitos foram PSD (878), MDB (847), PP
(743) e União Brasil (578). O PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, vem em
seguida, com 510. Elegeu dois prefeitos de capitais (Maceió e Rio Branco),
continua no páreo em nove, entre elas Fortaleza, Belo Horizonte e Goiânia, e
venceu em mais oito dos 50 maiores municípios que definiram resultado no
domingo. Mas ficou muito aquém dos planos anunciados de conquistar mais de mil
prefeituras.
Ao todo, o arco que vai da direita ao centro — incluindo PL, Republicanos, MDB, PSD, União Brasil, PP, Podemos e Novo — elegeu 43 desses 50 prefeitos. A esquerda — PT e PSB —, apenas quatro. Juntos, os quatro principais partidos de esquerda — PT, PSB, PDT e PSOL — somaram 18,9% dos votos válidos no primeiro turno, ante 19,3% quatro anos atrás. O PT recuperou prefeituras — em 2020, elegeu 182 prefeitos; desta vez conquistou 248 e ainda disputa 13 municípios. Mas também ficou aquém do desejado: não elegeu prefeito em nenhuma capital, apenas em duas das 103 maiores cidades. Nas quatro capitais em que foi para o segundo turno, as chances não são promissoras.
A predominância de forças políticas
conservadoras nas prefeituras e câmaras de vereadores não é novidade. Partidos
de direita têm vencido, eleição após eleição, a maior fatia dos cargos em
disputa. Mesmo em 2012, quando o PT, embalado pelo crescimento econômico,
conquistou 637 prefeituras, ficou longe do primeiro colocado, o MDB (na época
PMDB), e não muito à frente de PSD e PP. Em 2016, dois anos antes da vitória de
Bolsonaro, 77% dos prefeitos e vereadores eleitos eram de partidos da
centro-direita à extrema direita, de acordo com análise de Fábio Vasconcellos,
pesquisador da Uerj e da UFPR. Quatro anos mais tarde, essa fatia subiu para
81%. “A dúvida neste ciclo eleitoral é se a proporção sobe um pouco ou desce um
pouco, não que deixe de ser majoritária com larga folga”, diz Vasconcellos.
A principal lição das urnas, na verdade, tem
pouca relação com inclinação ideológica. Por serem pulverizadas, as disputas
locais têm lógica própria. Candidatos a prefeito ou vereador tendem a se
distanciar de compromissos com esta ou aquela linha política. Nas cidades
maiores, o que vale é o tamanho das filas nos centros de saúde e hospitais ou a
qualidade do serviço público, em especial o transporte. Longe da polarização
que movimenta as redes sociais, os eleitores tendem a escolher quem entrega
mais melhorias.
É isso que explica a consagração de prefeitos
bem avaliados. Das 103 maiores cidades, 50 elegeram prefeitos no primeiro
turno. Dez dos 11 prefeitos de capitais eleitos no domingo foram reeleitos,
entre eles Eduardo Paes (PSD), no Rio, João Campos (PSB), no Recife, ou Bruno
Reis (União), em Salvador. Campos ganhou com 78% dos votos válidos. Reis, do
campo político oposto, obteve a mesma fatia consagradora de apoio. Paes obteve
mais de 60%. O recado do eleitor nas eleições municipais é nítido: a busca por
eficiência na gestão.
Pesquisas anteriores ao primeiro turno
captaram intenção do eleitor
O Globo
Resultado das urnas demonstra que institutos
sérios têm se empenhado e conseguido aperfeiçoar seus métodos
Os resultados das eleições nas principais
capitais, de modo geral, mostraram sintonia com as pesquisas de intenção de
voto divulgadas às vésperas do pleito. É incorreto afirmar que elas
“acertaram”, uma vez que seu objetivo não é reproduzir o comportamento do
eleitor diante das urnas. Mas não há dúvida de que, a despeito dos ataques
sofridos nos últimos ciclos eleitorais, desta vez os institutos mais sérios
captaram com precisão os movimentos esboçados pelos eleitores antes de votar.
Em São Paulo, o cenário retratado era de uma
eleição extremamente acirrada entre o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB),
Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB). Foi o que aconteceu: Nunes
obteve 26,6% dos votos totais, Boulos 26,2% e Marçal 25,4%. Na véspera, o
Datafolha mostrava Boulos com 27%, Nunes e Marçal com 24%. A Quaest dava Boulos
com 25%, Nunes com 24%, Marçal com 23%. É verdade que, nas duas pesquisas, a
despeito do empate triplo, Boulos aparecia à frente. Mas a diferença entre os
três era mínima, e o resultado ficou dentro da margem de erro.
No Rio, segundo maior colégio eleitoral,
pesquisas apontavam uma reeleição tranquila para o prefeito Eduardo Paes (PSD),
que obteve nas urnas 53,5% do total de votos, ante 27,3% de Alexandre Ramagem
(PL). O Datafolha dava Paes com 54% e Ramagem com 22%; a Quaest mostrava Paes
com 53% e Ramagem com 20%. Houve diferença na votação de Ramagem, sugerindo que
eleitores tomaram a decisão de última hora ou resistiram a revelar voto nele,
uma hipótese a investigar.
Em Belo Horizonte, as pesquisas captaram
corretamente a desidratação na reta final da candidatura de Mauro Tramonte
(Republicanos), que chegou a liderar a disputa, mas acabou fora do segundo
turno. Nas urnas, Bruno Engler (PL) obteve 31%, Fuad Noman (PSD) 24% e Tramonte
14%. No Datafolha, Engler tinha 24%, Noman 23% e Tramonte 21%. A Quaest deu 25%
a Engler, 23% a Noman e 19% a Tramonte. A diferença reflete o movimento de
última hora favorável a Engler e contrário a Tramonte.
Nas eleições de 2022, quando houve
discrepâncias significativas entre os números das pesquisas e os resultados das
urnas, os institutos foram alvo de críticas, especialmente da classe política.
No projeto do novo Código Eleitoral, parlamentares chegaram a inventar um
descabido indicador de confiabilidade, conceito sem nenhum respaldo científico
que deve ser repudiado.
Nas democracias, pesquisas de intenção de
voto são um instrumento importante para subsidiar eleitores, candidatos e
partidos. Não têm o objetivo de acertar resultados. São como uma fotografia do
eleitorado num momento. Obviamente, esse retrato muda até a hora do voto. Não
se deve confundir intenção de voto com resultado. Mas é desejável que os
institutos calibrem suas amostras e metodologias, calculem melhor a influência
da abstenção e captem o “voto envergonhado”. Os números do primeiro turno
sugerem que as empresas têm se empenhado e conseguido melhorar.
Eleição foi tranquila e reforçou orientação à
centro-direita
Valor Econômico
As eleições indicaram que a liderança da direita no Brasil entrou em disputa
As mais caras eleições municipais já
realizadas - com R$ 4,96 bilhões do fundo eleitoral distribuído aos partidos,
mais que o dobro dos R$ 2 bilhões de 2020 - consagraram a reeleição de
prefeitos avaliados por sua gestão e o avanço expressivo dos partidos de
centro-direita, tendência explícita desde 2018, além do crescimento do Centrão.
Apesar das baixarias e violência em alguns debates, especialmente em São Paulo,
sumiram do mapa os ataques à legitimidade das urnas eletrônicas, mesmo entre
centenas de candidatos bolsonaristas. Houve 100 mil concorrentes a menos a
todos os cargos nos 5.569 municípios brasileiros (O Globo, 15 de agosto),
efeito da proibição de coligações em eleições proporcionais. O exercício da
democracia foi mais uma vez realizado em um clima de paz. Esses pontos
positivos foram acompanhados de outro, negativo e muito preocupante - a
ofensiva do crime organizado em direção aos Legislativos locais, com o aumento
dos assassinatos políticos.
O aumento dos recursos ajudou a dar mais
vantagem competitiva aos incumbentes, de uma forma geral. Não à toa, 21
prefeitos das capitais buscaram se reeleger - 10 já conseguiram e seis vão a
segundo turno. A orientação do eleitor, mais à direita, apareceu nos números. O
PSD, de Gilberto Kassab, fundado há apenas 13 anos, tornou-se a legenda com
maior número de prefeitos do país - 878, acima dos 654 de 2020. O MDB perdeu
essa liderança, mas elegeu 846 prefeitos. No caso do Centrão, faz parte da
estratégia dos partidos obter a maior capilaridade municipal possível, pois ela
será o meio principal para que, nas eleições legislativas de 2026, possam
ampliar o domínio que têm no Congresso. Pela ordem, quatro partidos que fazem
parte do núcleo do Centrão (PP, União Brasil, PL e Republicanos) obtiveram o
controle de mais Executivos municipais, com destaque para o PL (mais 47,8%) e o
Republicanos (mais 103%). O nanico Novo teve um aumento de uma para 18
prefeituras, mas porque abandonou a rejeição de recursos públicos e passou a
aceitá-los.
Em contraste, a esquerda perdeu poder. Com
Lula na Presidência, o PT elegeu mais 65 prefeitos, com um total de 248, um
avanço tímido diante da profundidade da queda de 2016 e da tendência natural do
partido do poder em ampliar sua penetração eleitoral quando detém as rédeas do
Executivo federal. Em seu berço histórico, perdeu São Bernardo do Campo e, no
Grande ABC, disputa o segundo turno em Mauá e Diadema. Não ganhou em nenhuma
capital, embora tenha chances em quatro delas no segundo turno. O PDT viu cair a
menos da metade as prefeituras sob sua gestão, de 314 para 148, enquanto
sofreram baixas o PC do B (de 46 para 19 cidades), a Rede (5 para 4) e o
Solidariedade (de 94 para 62). Dos aliados, só o PSB cresceu, e conquistou 309
prefeituras.
Por suas características próprias, as
eleições municipais não são terreno fértil para a polarização política. O
presidente Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro tentaram inicialmente instalar
a nacionalização da disputa em São Paulo, mas logo recuaram. O prefeito Ricardo
Nunes escapou da armadilha para não se identificar demais com Bolsonaro, e a
polarização ideológica, se houve, ficou a cargo de Pablo Marçal, incapaz de
apresentar propostas para qualquer assunto de interesse público.
Guilherme Boulos, por outro lado, desfrutou
da segunda maior rejeição entre os candidatos, ao lado de José Luiz Datena
(PSDB), e, até a véspera do pleito, pouco menos da metade dos petistas havia
endossado sua dupla com Marta Suplicy. Marçal e Nunes somaram 57,6% dos votos,
apontando o espectro de centro-direita da capital paulistana e o tamanho do
desafio para Boulos (29,07% dos votos) mudar o jogo a seu favor.
Bolsonaro, que sequer conseguiu construir um
partido e se aninhou no PL, teve grandes percalços por sua falta de estratégia
e dubiedade. Pablo Marçal arrebatou boa parcela de apoio dos bolsonaristas que
consideravam Nunes parte do “sistema” e deixou claro que tem ambições maiores.
Porém, pode ter se encrencado. Ao publicar, na antevéspera da eleição, um laudo
falso sobre uso de drogas por Boulos, chocando políticos de todos os espectros
e até membros de seu próprio entorno, o ex-coach conseguiu chamar para si um
inevitável acerto de contas com a Justiça Eleitoral. No futuro, poderá
inclusive ser declarado inelegível, avaliam ministros do TSE e do STF e
especialistas ouvidos pelo Valor.
O ex-presidente Bolsonaro ora flertou com
Marçal, ora com Nunes, que recebeu apoio firme do governador Tarcísio de
Freitas. Bolsonaro, segundo o cientista político Carlos Melo, “vai perdendo
parte da extrema direita para Marçal e a direita que não é extrema para
Tarcísio” (Valor,
ontem).
As eleições indicaram que a liderança da direita no Brasil entrou em disputa. Marçal - a depender de sua situação -, Tarcísio de Freitas e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, por exemplo, estão no páreo. O Centrão costuma pender para o lado que detém maior “perspectiva” de poder e pode se inclinar a favor de Lula em 2026, se o prestígio do presidente se revigorar, ou então se empolgar por outros candidatos em ascensão. Esse é o desenho das nuvens da política agora e ele pode mudar bastante.
Centro e direita, mais uma vez, avançam no
país
Folha de S. Paulo
Eleições mostram bom desempenho de partidos
moderados e conservadores, enquanto a esquerda perde espaço desde 2016
O bom
desempenho dos partidos do centro à direita e os resultados
apagados da esquerda chamaram a atenção, mais uma vez, nas eleições deste
2024. Trata-se de tendência evidente desde o pleito municipal de 2016.
Partidos conservadores ou ligados ao governo
de Jair
Bolsonaro (PL), como PL, PP e Republicanos,
conquistaram cerca de 30% das prefeituras, ante algo em torno de 16% nos anos
2010.
PT, PSB, PDT, PC do B
e PSOL,
partidos de esquerda e habitualmente associados, chegaram a um pico de 25% das
prefeituras em 2012. Neste ano, não deverão ter mais de 13%, ainda que o PSOL
esteja na disputa paulistana.
Trio dos partidos que estiveram no centro do
jogo político de 1995 a 2010, PMDB, PFL e PSDB elegeram
59% dos prefeitos em 2000; ficaram ainda com 45% das cidades em 2008, em pleno
segundo governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT). Desta vez, não devem chegar a 30%.
O MDB —embora ainda forte e com boa chance de
se manter no comando da maior cidade do país— perdeu capilaridade; o PSDB elege
um quarto dos prefeitos que fazia em 2000. O PFL, depois DEM, recupera-se um
pouco graças à fusão com uma ala do PSL que resultou na União Brasil.
Notável também é o avanço do PSD, partido que
mais elege prefeitos neste ano (cerca de 16% do total). A sigla
anódina, que busca o lugar principal no centro, tem um pé firme na canoa do
governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos) apadrinhado por Bolsonaro, e cargos
relevantes na Esplanada de Lula.
A nova configuração parece influenciada por
turbulências e mudanças sociais dos anos 2010. A corrupção e a Lava Jato
feriram o PT e os partidos principais do establishment. A subsequente e
profunda recessão de 2014-16 e o impeachment da
petista Dilma
Rousseff afetaram a esquerda.
Uma classe média nova passou a encarar de
outro modo a atuação do Estado e as alternativas de trabalho e de
empreendimento. A disseminação do acesso à internet e as mídias sociais criaram
condições para o surgimento de
diferentes lideranças e maneiras de encarar política e costumes.
O sucesso de Bolsonaro e de candidatos ditos
"outsiders" em 2018 foi sintoma de tais transformações e, ao mesmo
tempo, incentivo para que candidaturas e movimentos ideológicos similares se
lançassem pelo país.
Esse cenário pode influenciar arranjos. Gilberto
Kassab, ex-prefeito de São Paulo,
e seu PSD ganham peso. Tarcísio de Feitas deve ser disputado pelo novo centro e
pela direita, mesmo que não venha a se lançar à Presidência tão cedo. Não
apareceram outros expoentes no espectro da esquerda, que se mantém muito
dependente do apelo de Lula.
As eleições municipais reafirmam um processo
de redefinição política —ainda incipiente na geração de lideranças nacionais
expressivas ou de um projeto organizado e inovador para o país. Que, no
entanto, se move.
Imposto mínimo para múltis diminui distorções
Folha de S. Paulo
Governo regulamenta norma da OCDE para cobrar
tributos de empresas com atuação global, fechando brechas na arrecadação
Com a edição de
uma medida provisória, o governo federal regulamenta no país as
novas regras acordadas no âmbito do G20 e
da OCDE,
entidade que reúne países mais desenvolvidos, para a cobrança de um imposto
mínimo de 15% sobre os lucros das multinacionais.
O objetivo da iniciativa mundial é conter a
erosão de bases tributárias nacionais e o deslocamento dos lucros para locais
com baixos impostos, já que grandes empresas exploram assimetrias em leis e
jurisdições favorecidas —com alíquotas não raro abaixo de 10%— para pagarem
menos.
Em 2020, a OCDE firmou o acordo inicial para
combater o planejamento tributário agressivo das múltis, intensificado pelo
aumento das plataformas digitais que perpassam fronteiras.
Ao menos 140 países aderiram às regras, que
começaram a valer em janeiro deste ano e se sustentam em dois pilares. O
primeiro adota bases comuns para a cobrança e confere o direito de tributação
aos países; o segundo impõe a
cobrança mínima global de 15% sobre os lucros.
Em 2024, 36 jurisdições já adotaram a taxa,
como EUA, União
Europeia, Reino Unido, Noruega e Austrália;
20 pretendem fazê-lo a partir de 2025.
As novas regras são direcionadas a empresas
com faturamento anual maior que 750 milhões de euros (cerca de R$ 4,5 bilhões)
em pelo menos dois dos quatro anos fiscais anteriores à apuração.
Segundo a Receita, serão impactadas cerca de
957 empresas no país, sendo 20 de capital nacional, dentre 8.704 com
faturamento acima do mínimo. São as que hoje pagam alíquota efetiva sobre o
lucro abaixo de 15%.
A cobrança se dará por meio de um adicional
sobre a Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL). O governo estima coletar R$
3,4 bilhões em 2026 e, depois, ao menos R$ 7,3 bilhões anuais.
A regulamentação nacional é essencial para
que o país tenha prioridade no recebimento de parcela da cobrança em outras
localidades. Benefícios dentro das regras internacionais são em geral
preservados e o lucro tributável pode ser reduzido com base nos ativos
tangíveis e na quantidade de empregados.
Tais salvaguardas podem ampliar incentivos e
subsídios na competição global por investimentos, mas é inequívoco que o acordo
contribui para correção de desequilíbrios e preservação da soberania
tributária.
À diferença da sanha
arrecadatória que norteia a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
a adesão à governança multilateral sobre cobrança mínima às multinacionais é
oportuna.
Eleição confirma um país à direita
O Estado de S. Paulo
Política tradicional sai fortalecida, mas
agenda de modernização ficou pelo caminho, sobretudo pela vitória do Centrão,
hegemônico nas cidades campeãs de emendas parlamentares
A análise qualitativa das eleições municipais
apenas começou e o segundo turno pode trazer novidades. Mas há tendências
nítidas: o fortalecimento do Centrão, a longa marcha da direita, a desidratação
da esquerda e uma relativa diluição da polarização entre o lulopetismo e o
bolsonarismo.
Eleições municipais têm lógica própria,
ditada menos por fidelidade ideológica que por alianças circunstanciais e
preocupações comezinhas. Elas não são um termômetro para a disputa nacional.
Não obstante, retratam movimentos partidários e são um termômetro razoável para
as eleições estaduais e legislativas.
A política tradicional – seja do centro
moderado, seja do Centrão fisiológico – saiu fortalecida. Um aventureiro
“antissistema” radical como Pablo Marçal mobilizou atenções para um modo de
fazer política hiperpersonalista turbinada por técnicas de engajamento nas
mídias digitais. Mas Marçal perdeu, pode ser inabilitado pela Justiça e foi
exceção. Das 11 capitais que fecharam as eleições no primeiro turno, 10
reelegeram incumbentes.
O Centrão foi o grande vencedor. O PSD
superou o MDB em sua estratégia de capilarização municipal e levou 870
prefeituras, seguido pelo próprio MDB (845), o PP (743), o União Brasil (578),
o PL (510) e o Republicanos (430) – todos partidos que transitam do centro à
direita.
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse
à Folha de S.Paulo que isso foi “uma derrota dos que querem impor ao
país uma agenda de bipolarização”. Em certa medida sim. Em outra, foi uma
derrota dos que querem implementar no País uma agenda de modernização. Os
partidos e as eleições são financiados com recursos públicos concentrados nas
mãos de caciques que trabalham com seus apaniguados pela manutenção do poder.
Como mostrou o Estadão, o Centrão garantiu hegemonia nas cidades campeãs
de emendas parlamentares.
A direita mais ideológica aglutinada no PL de
Jair Bolsonaro avançou nas grandes cidades. Nas 103 com mais de 200 mil
eleitores, o PL teve o melhor desempenho, com 10 prefeitos. Nas capitais,
lidera o ranking de vereadores, seguido por PSD, PP, MDB e União Brasil.
Particularmente revelador foi o desempenho do PL no Nordeste, tradicional
cinturão vermelho, superando o PT nas principais cidades da região.
À esquerda, PSB (com 309 prefeituras) e PT
(248) ficaram respectivamente em 7.º e 9.º lugar no quadro geral. É um reflexo
de seus programas anacrônicos e de seu alheamento de camadas importantes da
sociedade, dos evangélicos aos agricultores, do empresariado às classes médias.
O PT ainda não levou nenhuma capital e só disputa o segundo turno em quatro,
largando atrás em todas. Triunfos mais vistosos, como o de João Campos (PSB),
no Recife, ou Eduardo Paes (PSD), no Rio, prescindiram de chapas formadas com o
PT.
Das 26 capitais em disputa, candidatos
apoiados por Bolsonaro foram eleitos ou estão no segundo turno em 17, em
contraste com 7 apoiados por Lula. Ainda assim, a reedição da batalha campal de
2022 prometida por Lula e Bolsonaro não aconteceu. Ambos ainda tentarão um
embate em São Paulo. Dos três candidatos que disputaram vaga no segundo turno,
os de direita levaram dois terços dos votos. Mas, entre o bolsonarista Marçal
(sem o apoio explícito de Bolsonaro) e o não bolsonarista Ricardo Nunes (com o
apoio indolente de Bolsonaro), o ex-presidente saiu, paradoxalmente,
desidratado. Guilherme Boulos já deixou claro que apostará na polarização e
contará com um Lula mais engajado. Mas Nunes só precisa entrar na dança se
quiser. Boulos tem altos índices de rejeição, nenhum currículo em gestão e
tampouco uma “frente ampla” além do PT e os “artistas e intelectuais” de
sempre. Nunes ganhou quase à revelia de Bolsonaro, não precisa emular suas
fórmulas reacionárias para levar os votos antiesquerda de Marçal e, quanto mais
Boulos insistir em associá-lo a Bolsonaro, mais lhe empurrará esses votos.
A eleição de 2024 não é um retrato da de
2026, mas esboça muitos cenários: o principal é o de uma direita fortalecida em
busca de um candidato, e uma esquerda enfraquecida dependente de um líder cada
vez mais repetitivo e isolado.
É hora de demolir a ‘escola Marçal’
O Estado de S. Paulo
É bom que Marçal tenha perdido no voto. Mas
só a punição implacável do ‘coach’ sinalizará a outros vândalos que seus
métodos marginais não têm lugar numa democracia que preste
A tentativa de Pablo Marçal (PRTB) de criar
um “movimento” para chamar de seu ao feitio do bolsonarismo, o “marçalismo”,
foi muito bem-sucedida. Sem tempo de TV nem qualquer estrutura partidária,
esteve a poucos milhares de votos de conseguir um lugar no segundo turno da
eleição paulistana. Para seus propósitos, foi uma vitória: obviamente
desqualificado para ser prefeito de São Paulo, o indigitado usou a eleição para
monopolizar as atenções do Brasil todo, ofuscando praticamente todas as outras
disputas e todos os outros postulantes. Surge como candidato natural à
Presidência, projeto que ele fez questão de anunciar logo após os resultados em
São Paulo, e seu sucesso certamente servirá de inspiração para outros tantos
desqualificados como ele.
Por esse motivo, roga-se que a Justiça
Eleitoral e a Justiça Comum façam seu trabalho. Só a punição implacável desse
impostor sinalizará a outros vândalos políticos que suas “estratégias de
campanha”, eivadas de crimes, mentiras, agressões e falsificações, não têm
lugar numa democracia que preste. E a democracia brasileira já deu mostras de
que sabe se defender quando é atacada por seus inimigos, sejam poderosos ou
franco-atiradores.
Que não se repita o grave erro, de resto hoje
evidente, de não se ter alijado da vida pública o então deputado federal Jair
Bolsonaro quando este, no ano 2000, desrespeitou flagrantemente o decoro
parlamentar e a democracia ao defender reiteradas vezes o fuzilamento do então
presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes disso, o sr. Bolsonaro já havia
pregado nada menos que o fechamento do Congresso.
Como dissemos em editorial neste espaço
naquela época, “figuras dessa espécie, que envergonham a instituição
parlamentar, em qualquer lugar do mundo, dela têm que ser expelidas num
processo natural de limpeza, pois a democracia também tem que saber administrar,
com tranquilidade, o escoamento de seus dejetos”. Como sabemos, faltou
saneamento básico no Congresso, Bolsonaro seguiu emporcalhando a política
nacional, chegou à Presidência da República fazendo do ultraje sua estratégia
eleitoral e fez escola, polvilhando Legislativos e Executivos pelo Brasil afora
com pupilos que se esforçam para superar o mestre em desfaçatez e ignorância.
Um deles, afinal, conseguiu. Pablo Marçal provou-se ainda mais ultrajante, num
nível que assustou até mesmo alguns bolsonaristas.
O Judiciário nem precisa procurar muito para
condená-lo. Pululam evidências do comportamento criminoso de Marçal durante a
campanha. Fazer pouco-caso das leis e da Constituição, aliás, foi algo que o
próprio candidato converteu em tática eleitoral, como a sinalizar a apoiadores
o seu “destemor” para enfrentar o “sistema”. A bem da verdade, tudo não passou
de delinquência. E isso é inaceitável.
Sem disfarçar um certo orgulho transgressor,
Marçal praticamente completou o bingo das irregularidades e crimes eleitorais,
além de possíveis delitos comuns que também possa ter cometido. Há tipos para
todos os gostos: (i) abuso de poder econômico, (ii) abuso dos meios de
comunicação, (iii) injúria, calúnia e difamação eleitorais, (iv) divulgação de
fatos inverídicos e (v) falsidade ideológica eleitoral. São tantas e tão
evidentes as provas produzidas pelo próprio coach que, em alguns
casos, a investigação propriamente dita será questão de mera formalidade.
Toda a campanha de Marçal foi concebida como
uma espécie de Blitzkrieg para desorganizar a disputa eleitoral em
seu favor. Não condenar Marçal à inelegibilidade tão logo o permitam os ritos
processuais significaria mais do que premiar a antipolítica que ele encarna.
Seria a consagração da delinquência como método aceitável para chegar ao poder.
No mundo ideal, os partidos políticos deveriam exercer esse filtro e evitar a
ascensão de candidatos como Marçal. Mas as legendas não só têm falhado
miseravelmente nessa missão, como algumas delas têm estimulado os celerados que
demonstrem alguma viabilidade eleitoral. À falta desse controle político,
então, que a Justiça faça a sua parte. Razões para isso, como foi dito, não
faltam.
Juros, uma grande incógnita
O Estado de S. Paulo
Governo Lula fecha olhos e ouvidos para os
sinais de sobreaquecimento da economia brasileira
A cada decisão do Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central (BC) sobre os juros básicos da economia, a
Federação Brasileira de Bancos (Febraban) promove pesquisa entre seus
associados para avaliar expectativas. Até a amostragem de agosto, a mediana
indicava a estabilidade da Selic em 10,50% ao ano até março do ano que vem.
Diante do aumento de juros de setembro, por óbvio, os bancos também subiram a
régua na pesquisa recente, apontando para 11,75% no fim do ano e 12% até meados
de 2025.
Em recente reunião a portas fechadas em São
Paulo com três dos nove diretores do BC, economistas do mercado financeiro
foram ainda mais austeros ao argumentar que a combinação entre a política
expansionista do governo e economia sobreaquecida deve exigir que os juros
cheguem a 13% em meados do ano que vem para garantir convergência da inflação
para a meta prevista, de 3%. Um deles, como noticiou o Broadcast,
classificou de “upgrade fajuto” o aumento da nota do Brasil pela agência
de classificação de risco Moody’s.
O aperto monetário promovido pelo BC, que
tanto desagrada ao governo Lula da Silva, tem sido recebido com certa
naturalidade pelo mercado como um instrumento de contenção da inflação diante
de uma política fiscal mais frouxa do que o necessário. Nesse sentido, o
“diálogo de surdos” que existe entre o governo e o mercado, como classificou o
economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista a este jornal, ao se
referir aos sinais de fraqueza fiscal, seria mais adequado se representasse a
surdez do governo diante dos estrondos produzidos pela política de gastança
generalizada.
A decisão unânime do Copom de setembro, que
deu início ao primeiro ciclo de alta de juros do atual governo, resultou em
aumento de 0,25 ponto porcentual, modesto diante do tom duríssimo do
comunicado. O BC elevou a Selic a 10,75% e evitou indicações mais firmes de
seus próximos passos, diante de indefinições principalmente no cenário
doméstico.
Pela amostra dada no encontro entre
economistas e diretores do BC, é possível que o cenário que está sendo
desenhado pelo governo piore as expectativas em relação ao que será necessário
para conter a inflação. O último Relatório Focus, compilado pelo BC, assume um
aumento ao fim do ciclo de alta da Selic que já está sendo visto como
insuficiente por parte do mercado. Para as duas últimas reuniões do ano do
Copom, as apostas tendem a girar em torno de 0,5 ponto porcentual de aumento.
Em entrevista recente ao blog Conjuntura
Econômica, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda,
Guilherme Mello, disse que a projeção para 2024, de impulso fiscal neutro,
“talvez não se confirme” por causa da ajuda de R$ 25 bilhões ao Rio Grande do
Sul. Citando também o câmbio e o efeito climático sobre os preços dos alimentos
e energia, atribuiu a provável frustração a “fatores exógenos”. É o tipo de
visão que demonstra que o governo não está apenas surdo, mas também cego ao
fato de a economia brasileira estar girando, de forma insustentável, acima de
seu potencial.
Desafios para as próximas eleições
Correio Braziliense
Na avaliação da presidente do TSE, o primeiro
turno foi de "sossego democrático". Há, porém, desafios a serem
vencidos, como a violência política e a baixa representatividade nas
candidaturas
O primeiro turno das eleições municipais de
2024 transcorreu com tranquilidade, sem graves incidentes. Um "sossego
democrático", definiu a presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
ministra Cármen Lúcia. Observadores internacionais de 24 países elogiaram o
processo e o respeito dos mesários com os eleitores. Para eles, há uma aliança
perfeita entre tecnologia (urnas eletrônicas) e acessibilidade. Há, porém,
desafios a serem vencidos para os próximos pleitos, como a violência política e
a baixa representatividade nas candidaturas.
Até as vésperas das eleições, havia
preocupações com eventuais casos de violência, levando-sem conta o clima de
agressividade, verbal e física, entre os adversários e os assassinatos de 73
candidatos. Embora as hostilidades tenham serenado no domingo, órgãos do
Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) registraram 2.618 crimes
eleitorais e 515 prisões, como tentativa de compra de voto, tentativa ou
violação do sigilo do voto e desobediências às determinações da Justiça
Eleitoral e porte de armas de fogo. Na comparação com o pleito de 2020, esses
episódios de violência mais do que dobraram neste ano — aumento de 130%,
segundo a terceira edição da pesquisa Violência política e eleitoral no Brasil,
das organizações Terra de Direitos e Justiça Global.
Mas a violência eleitoral vai além dos casos
previstos na legislação penal. Não foi eleita uma prefeita para as capitais do
país no primeiro turno. Um fato lamentável, na avaliação da ministra
Cármen Lúcia, que o atribui ao "desvalor de nós, mulheres", para que
não haja a "possibilidade de, em igualdade de condições, exercer os mesmos
direitos que seriam de parceria, de conjugação, de humanidade". Outro
indicativo de que a política praticada no país precisa de aprimoramento foi o
percentual de abstenções — 21,7% —, considerado alto pela presidente do
TSE.
O resultado das urnas surpreendeu no recorte
raça/cor. Pela primeira vez desde 2016 — ano em que esse dado começou a ser
coletado —, 482 cidades elegeram prefeitos negros no primeiro turno. Os futuros
prefeitos pretos ou pardos assumirão 184 municípios do Nordeste, 149 no
Sudeste, 57 no Centro-Oeste, 50 no Sul e 42 no Norte. Esse resultado poderá ser
maior no segundo turno, marcado para o próximo dia 27.
Para alguns, esse resultado pode ser um
avanço, mas, na realidade, não é. Os afrodescendentes são a maioria da
população brasileira —112,7 milhões e 88,2 milhões de brancos, segundo o Censo
2022. Estabelecer igualdade de competição entre os negros e as outras
etnias, bem como de gênero, exige um revisão honesta e séria da legislação
vigente.
Meses antes da eleições, o Congresso aprovou o PEC da Anistia, que, além de perdoar o desvio dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, reduziu para 30% a cota destinada aos candidatos negros (homens e mulheres) na disputa por cargos eletivos. Assim, é impossível negar a depreciação das mulheres e dos homens devido à cor da pele, o que sustenta os preconceitos de raça e gênero, favorecendo valores que não combinam com um Estado Democrático de Direito e destoam do mandamento constitucional: "Todos são iguais perante as leis".
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