terça-feira, 8 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Eleitor consagrou gestores eficientes nas prefeituras

O Globo

Mais que disputa ideológica entre direita e esquerda, pleito local reflete qualidade da administração

O quadro final das eleições municipais será definido apenas daqui a três semanas. Das dez cidades mais populosas, seis só conhecerão o nome do próximo prefeito no fim do mês. Mas, encerrado o primeiro turno, já é possível tirar algumas conclusões sobre o resultado.

Partidos de direita e centro-direita saíram fortalecidos. Os que mais elegeram prefeitos foram PSD (878), MDB (847), PP (743) e União Brasil (578). O PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, vem em seguida, com 510. Elegeu dois prefeitos de capitais (Maceió e Rio Branco), continua no páreo em nove, entre elas Fortaleza, Belo Horizonte e Goiânia, e venceu em mais oito dos 50 maiores municípios que definiram resultado no domingo. Mas ficou muito aquém dos planos anunciados de conquistar mais de mil prefeituras.

Ao todo, o arco que vai da direita ao centro — incluindo PL, Republicanos, MDB, PSD, União Brasil, PP, Podemos e Novo — elegeu 43 desses 50 prefeitos. A esquerda — PT e PSB —, apenas quatro. Juntos, os quatro principais partidos de esquerda — PT, PSB, PDT e PSOL — somaram 18,9% dos votos válidos no primeiro turno, ante 19,3% quatro anos atrás. O PT recuperou prefeituras — em 2020, elegeu 182 prefeitos; desta vez conquistou 248 e ainda disputa 13 municípios. Mas também ficou aquém do desejado: não elegeu prefeito em nenhuma capital, apenas em duas das 103 maiores cidades. Nas quatro capitais em que foi para o segundo turno, as chances não são promissoras.

A predominância de forças políticas conservadoras nas prefeituras e câmaras de vereadores não é novidade. Partidos de direita têm vencido, eleição após eleição, a maior fatia dos cargos em disputa. Mesmo em 2012, quando o PT, embalado pelo crescimento econômico, conquistou 637 prefeituras, ficou longe do primeiro colocado, o MDB (na época PMDB), e não muito à frente de PSD e PP. Em 2016, dois anos antes da vitória de Bolsonaro, 77% dos prefeitos e vereadores eleitos eram de partidos da centro-direita à extrema direita, de acordo com análise de Fábio Vasconcellos, pesquisador da Uerj e da UFPR. Quatro anos mais tarde, essa fatia subiu para 81%. “A dúvida neste ciclo eleitoral é se a proporção sobe um pouco ou desce um pouco, não que deixe de ser majoritária com larga folga”, diz Vasconcellos.

A principal lição das urnas, na verdade, tem pouca relação com inclinação ideológica. Por serem pulverizadas, as disputas locais têm lógica própria. Candidatos a prefeito ou vereador tendem a se distanciar de compromissos com esta ou aquela linha política. Nas cidades maiores, o que vale é o tamanho das filas nos centros de saúde e hospitais ou a qualidade do serviço público, em especial o transporte. Longe da polarização que movimenta as redes sociais, os eleitores tendem a escolher quem entrega mais melhorias.

É isso que explica a consagração de prefeitos bem avaliados. Das 103 maiores cidades, 50 elegeram prefeitos no primeiro turno. Dez dos 11 prefeitos de capitais eleitos no domingo foram reeleitos, entre eles Eduardo Paes (PSD), no Rio, João Campos (PSB), no Recife, ou Bruno Reis (União), em Salvador. Campos ganhou com 78% dos votos válidos. Reis, do campo político oposto, obteve a mesma fatia consagradora de apoio. Paes obteve mais de 60%. O recado do eleitor nas eleições municipais é nítido: a busca por eficiência na gestão.

Pesquisas anteriores ao primeiro turno captaram intenção do eleitor

O Globo

Resultado das urnas demonstra que institutos sérios têm se empenhado e conseguido aperfeiçoar seus métodos

Os resultados das eleições nas principais capitais, de modo geral, mostraram sintonia com as pesquisas de intenção de voto divulgadas às vésperas do pleito. É incorreto afirmar que elas “acertaram”, uma vez que seu objetivo não é reproduzir o comportamento do eleitor diante das urnas. Mas não há dúvida de que, a despeito dos ataques sofridos nos últimos ciclos eleitorais, desta vez os institutos mais sérios captaram com precisão os movimentos esboçados pelos eleitores antes de votar.

Em São Paulo, o cenário retratado era de uma eleição extremamente acirrada entre o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB). Foi o que aconteceu: Nunes obteve 26,6% dos votos totais, Boulos 26,2% e Marçal 25,4%. Na véspera, o Datafolha mostrava Boulos com 27%, Nunes e Marçal com 24%. A Quaest dava Boulos com 25%, Nunes com 24%, Marçal com 23%. É verdade que, nas duas pesquisas, a despeito do empate triplo, Boulos aparecia à frente. Mas a diferença entre os três era mínima, e o resultado ficou dentro da margem de erro.

No Rio, segundo maior colégio eleitoral, pesquisas apontavam uma reeleição tranquila para o prefeito Eduardo Paes (PSD), que obteve nas urnas 53,5% do total de votos, ante 27,3% de Alexandre Ramagem (PL). O Datafolha dava Paes com 54% e Ramagem com 22%; a Quaest mostrava Paes com 53% e Ramagem com 20%. Houve diferença na votação de Ramagem, sugerindo que eleitores tomaram a decisão de última hora ou resistiram a revelar voto nele, uma hipótese a investigar.

Em Belo Horizonte, as pesquisas captaram corretamente a desidratação na reta final da candidatura de Mauro Tramonte (Republicanos), que chegou a liderar a disputa, mas acabou fora do segundo turno. Nas urnas, Bruno Engler (PL) obteve 31%, Fuad Noman (PSD) 24% e Tramonte 14%. No Datafolha, Engler tinha 24%, Noman 23% e Tramonte 21%. A Quaest deu 25% a Engler, 23% a Noman e 19% a Tramonte. A diferença reflete o movimento de última hora favorável a Engler e contrário a Tramonte.

Nas eleições de 2022, quando houve discrepâncias significativas entre os números das pesquisas e os resultados das urnas, os institutos foram alvo de críticas, especialmente da classe política. No projeto do novo Código Eleitoral, parlamentares chegaram a inventar um descabido indicador de confiabilidade, conceito sem nenhum respaldo científico que deve ser repudiado.

Nas democracias, pesquisas de intenção de voto são um instrumento importante para subsidiar eleitores, candidatos e partidos. Não têm o objetivo de acertar resultados. São como uma fotografia do eleitorado num momento. Obviamente, esse retrato muda até a hora do voto. Não se deve confundir intenção de voto com resultado. Mas é desejável que os institutos calibrem suas amostras e metodologias, calculem melhor a influência da abstenção e captem o “voto envergonhado”. Os números do primeiro turno sugerem que as empresas têm se empenhado e conseguido melhorar.

Eleição foi tranquila e reforçou orientação à centro-direita

Valor Econômico

As eleições indicaram que a liderança da direita no Brasil entrou em disputa

As mais caras eleições municipais já realizadas - com R$ 4,96 bilhões do fundo eleitoral distribuído aos partidos, mais que o dobro dos R$ 2 bilhões de 2020 - consagraram a reeleição de prefeitos avaliados por sua gestão e o avanço expressivo dos partidos de centro-direita, tendência explícita desde 2018, além do crescimento do Centrão. Apesar das baixarias e violência em alguns debates, especialmente em São Paulo, sumiram do mapa os ataques à legitimidade das urnas eletrônicas, mesmo entre centenas de candidatos bolsonaristas. Houve 100 mil concorrentes a menos a todos os cargos nos 5.569 municípios brasileiros (O Globo, 15 de agosto), efeito da proibição de coligações em eleições proporcionais. O exercício da democracia foi mais uma vez realizado em um clima de paz. Esses pontos positivos foram acompanhados de outro, negativo e muito preocupante - a ofensiva do crime organizado em direção aos Legislativos locais, com o aumento dos assassinatos políticos.

O aumento dos recursos ajudou a dar mais vantagem competitiva aos incumbentes, de uma forma geral. Não à toa, 21 prefeitos das capitais buscaram se reeleger - 10 já conseguiram e seis vão a segundo turno. A orientação do eleitor, mais à direita, apareceu nos números. O PSD, de Gilberto Kassab, fundado há apenas 13 anos, tornou-se a legenda com maior número de prefeitos do país - 878, acima dos 654 de 2020. O MDB perdeu essa liderança, mas elegeu 846 prefeitos. No caso do Centrão, faz parte da estratégia dos partidos obter a maior capilaridade municipal possível, pois ela será o meio principal para que, nas eleições legislativas de 2026, possam ampliar o domínio que têm no Congresso. Pela ordem, quatro partidos que fazem parte do núcleo do Centrão (PP, União Brasil, PL e Republicanos) obtiveram o controle de mais Executivos municipais, com destaque para o PL (mais 47,8%) e o Republicanos (mais 103%). O nanico Novo teve um aumento de uma para 18 prefeituras, mas porque abandonou a rejeição de recursos públicos e passou a aceitá-los.

Em contraste, a esquerda perdeu poder. Com Lula na Presidência, o PT elegeu mais 65 prefeitos, com um total de 248, um avanço tímido diante da profundidade da queda de 2016 e da tendência natural do partido do poder em ampliar sua penetração eleitoral quando detém as rédeas do Executivo federal. Em seu berço histórico, perdeu São Bernardo do Campo e, no Grande ABC, disputa o segundo turno em Mauá e Diadema. Não ganhou em nenhuma capital, embora tenha chances em quatro delas no segundo turno. O PDT viu cair a menos da metade as prefeituras sob sua gestão, de 314 para 148, enquanto sofreram baixas o PC do B (de 46 para 19 cidades), a Rede (5 para 4) e o Solidariedade (de 94 para 62). Dos aliados, só o PSB cresceu, e conquistou 309 prefeituras.

Por suas características próprias, as eleições municipais não são terreno fértil para a polarização política. O presidente Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro tentaram inicialmente instalar a nacionalização da disputa em São Paulo, mas logo recuaram. O prefeito Ricardo Nunes escapou da armadilha para não se identificar demais com Bolsonaro, e a polarização ideológica, se houve, ficou a cargo de Pablo Marçal, incapaz de apresentar propostas para qualquer assunto de interesse público.

Guilherme Boulos, por outro lado, desfrutou da segunda maior rejeição entre os candidatos, ao lado de José Luiz Datena (PSDB), e, até a véspera do pleito, pouco menos da metade dos petistas havia endossado sua dupla com Marta Suplicy. Marçal e Nunes somaram 57,6% dos votos, apontando o espectro de centro-direita da capital paulistana e o tamanho do desafio para Boulos (29,07% dos votos) mudar o jogo a seu favor.

Bolsonaro, que sequer conseguiu construir um partido e se aninhou no PL, teve grandes percalços por sua falta de estratégia e dubiedade. Pablo Marçal arrebatou boa parcela de apoio dos bolsonaristas que consideravam Nunes parte do “sistema” e deixou claro que tem ambições maiores. Porém, pode ter se encrencado. Ao publicar, na antevéspera da eleição, um laudo falso sobre uso de drogas por Boulos, chocando políticos de todos os espectros e até membros de seu próprio entorno, o ex-coach conseguiu chamar para si um inevitável acerto de contas com a Justiça Eleitoral. No futuro, poderá inclusive ser declarado inelegível, avaliam ministros do TSE e do STF e especialistas ouvidos pelo Valor.

O ex-presidente Bolsonaro ora flertou com Marçal, ora com Nunes, que recebeu apoio firme do governador Tarcísio de Freitas. Bolsonaro, segundo o cientista político Carlos Melo, “vai perdendo parte da extrema direita para Marçal e a direita que não é extrema para Tarcísio” (Valor, ontem).

As eleições indicaram que a liderança da direita no Brasil entrou em disputa. Marçal - a depender de sua situação -, Tarcísio de Freitas e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, por exemplo, estão no páreo. O Centrão costuma pender para o lado que detém maior “perspectiva” de poder e pode se inclinar a favor de Lula em 2026, se o prestígio do presidente se revigorar, ou então se empolgar por outros candidatos em ascensão. Esse é o desenho das nuvens da política agora e ele pode mudar bastante.

Centro e direita, mais uma vez, avançam no país

Folha de S. Paulo

Eleições mostram bom desempenho de partidos moderados e conservadores, enquanto a esquerda perde espaço desde 2016

O bom desempenho dos partidos do centro à direita e os resultados apagados da esquerda chamaram a atenção, mais uma vez, nas eleições deste 2024. Trata-se de tendência evidente desde o pleito municipal de 2016.

Partidos conservadores ou ligados ao governo de Jair Bolsonaro (PL), como PL, PP e Republicanos, conquistaram cerca de 30% das prefeituras, ante algo em torno de 16% nos anos 2010.

PTPSBPDT, PC do B e PSOL, partidos de esquerda e habitualmente associados, chegaram a um pico de 25% das prefeituras em 2012. Neste ano, não deverão ter mais de 13%, ainda que o PSOL esteja na disputa paulistana.

Trio dos partidos que estiveram no centro do jogo político de 1995 a 2010, PMDB, PFL e PSDB elegeram 59% dos prefeitos em 2000; ficaram ainda com 45% das cidades em 2008, em pleno segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desta vez, não devem chegar a 30%.

O MDB —embora ainda forte e com boa chance de se manter no comando da maior cidade do país— perdeu capilaridade; o PSDB elege um quarto dos prefeitos que fazia em 2000. O PFL, depois DEM, recupera-se um pouco graças à fusão com uma ala do PSL que resultou na União Brasil.

Notável também é o avanço do PSDpartido que mais elege prefeitos neste ano (cerca de 16% do total). A sigla anódina, que busca o lugar principal no centro, tem um pé firme na canoa do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) apadrinhado por Bolsonaro, e cargos relevantes na Esplanada de Lula.

A nova configuração parece influenciada por turbulências e mudanças sociais dos anos 2010. A corrupção e a Lava Jato feriram o PT e os partidos principais do establishment. A subsequente e profunda recessão de 2014-16 e o impeachment da petista Dilma Rousseff afetaram a esquerda.

Uma classe média nova passou a encarar de outro modo a atuação do Estado e as alternativas de trabalho e de empreendimento. A disseminação do acesso à internet e as mídias sociais criaram condições para o surgimento de diferentes lideranças e maneiras de encarar política e costumes.

O sucesso de Bolsonaro e de candidatos ditos "outsiders" em 2018 foi sintoma de tais transformações e, ao mesmo tempo, incentivo para que candidaturas e movimentos ideológicos similares se lançassem pelo país.

Esse cenário pode influenciar arranjos. Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, e seu PSD ganham peso. Tarcísio de Feitas deve ser disputado pelo novo centro e pela direita, mesmo que não venha a se lançar à Presidência tão cedo. Não apareceram outros expoentes no espectro da esquerda, que se mantém muito dependente do apelo de Lula.

As eleições municipais reafirmam um processo de redefinição política —ainda incipiente na geração de lideranças nacionais expressivas ou de um projeto organizado e inovador para o país. Que, no entanto, se move.

Imposto mínimo para múltis diminui distorções

Folha de S. Paulo

Governo regulamenta norma da OCDE para cobrar tributos de empresas com atuação global, fechando brechas na arrecadação

Com a edição de uma medida provisória, o governo federal regulamenta no país as novas regras acordadas no âmbito do G20 e da OCDE, entidade que reúne países mais desenvolvidos, para a cobrança de um imposto mínimo de 15% sobre os lucros das multinacionais.

O objetivo da iniciativa mundial é conter a erosão de bases tributárias nacionais e o deslocamento dos lucros para locais com baixos impostos, já que grandes empresas exploram assimetrias em leis e jurisdições favorecidas —com alíquotas não raro abaixo de 10%— para pagarem menos.

Em 2020, a OCDE firmou o acordo inicial para combater o planejamento tributário agressivo das múltis, intensificado pelo aumento das plataformas digitais que perpassam fronteiras.

Ao menos 140 países aderiram às regras, que começaram a valer em janeiro deste ano e se sustentam em dois pilares. O primeiro adota bases comuns para a cobrança e confere o direito de tributação aos países; o segundo impõe a cobrança mínima global de 15% sobre os lucros.

Em 2024, 36 jurisdições já adotaram a taxa, como EUA, União EuropeiaReino UnidoNoruega e Austrália; 20 pretendem fazê-lo a partir de 2025.

As novas regras são direcionadas a empresas com faturamento anual maior que 750 milhões de euros (cerca de R$ 4,5 bilhões) em pelo menos dois dos quatro anos fiscais anteriores à apuração.

Segundo a Receita, serão impactadas cerca de 957 empresas no país, sendo 20 de capital nacional, dentre 8.704 com faturamento acima do mínimo. São as que hoje pagam alíquota efetiva sobre o lucro abaixo de 15%.

A cobrança se dará por meio de um adicional sobre a Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL). O governo estima coletar R$ 3,4 bilhões em 2026 e, depois, ao menos R$ 7,3 bilhões anuais.

A regulamentação nacional é essencial para que o país tenha prioridade no recebimento de parcela da cobrança em outras localidades. Benefícios dentro das regras internacionais são em geral preservados e o lucro tributável pode ser reduzido com base nos ativos tangíveis e na quantidade de empregados.

Tais salvaguardas podem ampliar incentivos e subsídios na competição global por investimentos, mas é inequívoco que o acordo contribui para correção de desequilíbrios e preservação da soberania tributária.

À diferença da sanha arrecadatória que norteia a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a adesão à governança multilateral sobre cobrança mínima às multinacionais é oportuna.

Eleição confirma um país à direita

O Estado de S. Paulo

Política tradicional sai fortalecida, mas agenda de modernização ficou pelo caminho, sobretudo pela vitória do Centrão, hegemônico nas cidades campeãs de emendas parlamentares

A análise qualitativa das eleições municipais apenas começou e o segundo turno pode trazer novidades. Mas há tendências nítidas: o fortalecimento do Centrão, a longa marcha da direita, a desidratação da esquerda e uma relativa diluição da polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo.

Eleições municipais têm lógica própria, ditada menos por fidelidade ideológica que por alianças circunstanciais e preocupações comezinhas. Elas não são um termômetro para a disputa nacional. Não obstante, retratam movimentos partidários e são um termômetro razoável para as eleições estaduais e legislativas.

A política tradicional – seja do centro moderado, seja do Centrão fisiológico – saiu fortalecida. Um aventureiro “antissistema” radical como Pablo Marçal mobilizou atenções para um modo de fazer política hiperpersonalista turbinada por técnicas de engajamento nas mídias digitais. Mas Marçal perdeu, pode ser inabilitado pela Justiça e foi exceção. Das 11 capitais que fecharam as eleições no primeiro turno, 10 reelegeram incumbentes.

O Centrão foi o grande vencedor. O PSD superou o MDB em sua estratégia de capilarização municipal e levou 870 prefeituras, seguido pelo próprio MDB (845), o PP (743), o União Brasil (578), o PL (510) e o Republicanos (430) – todos partidos que transitam do centro à direita.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse à Folha de S.Paulo que isso foi “uma derrota dos que querem impor ao país uma agenda de bipolarização”. Em certa medida sim. Em outra, foi uma derrota dos que querem implementar no País uma agenda de modernização. Os partidos e as eleições são financiados com recursos públicos concentrados nas mãos de caciques que trabalham com seus apaniguados pela manutenção do poder. Como mostrou o Estadão, o Centrão garantiu hegemonia nas cidades campeãs de emendas parlamentares.

A direita mais ideológica aglutinada no PL de Jair Bolsonaro avançou nas grandes cidades. Nas 103 com mais de 200 mil eleitores, o PL teve o melhor desempenho, com 10 prefeitos. Nas capitais, lidera o ranking de vereadores, seguido por PSD, PP, MDB e União Brasil. Particularmente revelador foi o desempenho do PL no Nordeste, tradicional cinturão vermelho, superando o PT nas principais cidades da região.

À esquerda, PSB (com 309 prefeituras) e PT (248) ficaram respectivamente em 7.º e 9.º lugar no quadro geral. É um reflexo de seus programas anacrônicos e de seu alheamento de camadas importantes da sociedade, dos evangélicos aos agricultores, do empresariado às classes médias. O PT ainda não levou nenhuma capital e só disputa o segundo turno em quatro, largando atrás em todas. Triunfos mais vistosos, como o de João Campos (PSB), no Recife, ou Eduardo Paes (PSD), no Rio, prescindiram de chapas formadas com o PT.

Das 26 capitais em disputa, candidatos apoiados por Bolsonaro foram eleitos ou estão no segundo turno em 17, em contraste com 7 apoiados por Lula. Ainda assim, a reedição da batalha campal de 2022 prometida por Lula e Bolsonaro não aconteceu. Ambos ainda tentarão um embate em São Paulo. Dos três candidatos que disputaram vaga no segundo turno, os de direita levaram dois terços dos votos. Mas, entre o bolsonarista Marçal (sem o apoio explícito de Bolsonaro) e o não bolsonarista Ricardo Nunes (com o apoio indolente de Bolsonaro), o ex-presidente saiu, paradoxalmente, desidratado. Guilherme Boulos já deixou claro que apostará na polarização e contará com um Lula mais engajado. Mas Nunes só precisa entrar na dança se quiser. Boulos tem altos índices de rejeição, nenhum currículo em gestão e tampouco uma “frente ampla” além do PT e os “artistas e intelectuais” de sempre. Nunes ganhou quase à revelia de Bolsonaro, não precisa emular suas fórmulas reacionárias para levar os votos antiesquerda de Marçal e, quanto mais Boulos insistir em associá-lo a Bolsonaro, mais lhe empurrará esses votos.

A eleição de 2024 não é um retrato da de 2026, mas esboça muitos cenários: o principal é o de uma direita fortalecida em busca de um candidato, e uma esquerda enfraquecida dependente de um líder cada vez mais repetitivo e isolado.

É hora de demolir a ‘escola Marçal’

O Estado de S. Paulo

É bom que Marçal tenha perdido no voto. Mas só a punição implacável do ‘coach’ sinalizará a outros vândalos que seus métodos marginais não têm lugar numa democracia que preste

A tentativa de Pablo Marçal (PRTB) de criar um “movimento” para chamar de seu ao feitio do bolsonarismo, o “marçalismo”, foi muito bem-sucedida. Sem tempo de TV nem qualquer estrutura partidária, esteve a poucos milhares de votos de conseguir um lugar no segundo turno da eleição paulistana. Para seus propósitos, foi uma vitória: obviamente desqualificado para ser prefeito de São Paulo, o indigitado usou a eleição para monopolizar as atenções do Brasil todo, ofuscando praticamente todas as outras disputas e todos os outros postulantes. Surge como candidato natural à Presidência, projeto que ele fez questão de anunciar logo após os resultados em São Paulo, e seu sucesso certamente servirá de inspiração para outros tantos desqualificados como ele.

Por esse motivo, roga-se que a Justiça Eleitoral e a Justiça Comum façam seu trabalho. Só a punição implacável desse impostor sinalizará a outros vândalos políticos que suas “estratégias de campanha”, eivadas de crimes, mentiras, agressões e falsificações, não têm lugar numa democracia que preste. E a democracia brasileira já deu mostras de que sabe se defender quando é atacada por seus inimigos, sejam poderosos ou franco-atiradores.

Que não se repita o grave erro, de resto hoje evidente, de não se ter alijado da vida pública o então deputado federal Jair Bolsonaro quando este, no ano 2000, desrespeitou flagrantemente o decoro parlamentar e a democracia ao defender reiteradas vezes o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes disso, o sr. Bolsonaro já havia pregado nada menos que o fechamento do Congresso.

Como dissemos em editorial neste espaço naquela época, “figuras dessa espécie, que envergonham a instituição parlamentar, em qualquer lugar do mundo, dela têm que ser expelidas num processo natural de limpeza, pois a democracia também tem que saber administrar, com tranquilidade, o escoamento de seus dejetos”. Como sabemos, faltou saneamento básico no Congresso, Bolsonaro seguiu emporcalhando a política nacional, chegou à Presidência da República fazendo do ultraje sua estratégia eleitoral e fez escola, polvilhando Legislativos e Executivos pelo Brasil afora com pupilos que se esforçam para superar o mestre em desfaçatez e ignorância. Um deles, afinal, conseguiu. Pablo Marçal provou-se ainda mais ultrajante, num nível que assustou até mesmo alguns bolsonaristas.

O Judiciário nem precisa procurar muito para condená-lo. Pululam evidências do comportamento criminoso de Marçal durante a campanha. Fazer pouco-caso das leis e da Constituição, aliás, foi algo que o próprio candidato converteu em tática eleitoral, como a sinalizar a apoiadores o seu “destemor” para enfrentar o “sistema”. A bem da verdade, tudo não passou de delinquência. E isso é inaceitável.

Sem disfarçar um certo orgulho transgressor, Marçal praticamente completou o bingo das irregularidades e crimes eleitorais, além de possíveis delitos comuns que também possa ter cometido. Há tipos para todos os gostos: (i) abuso de poder econômico, (ii) abuso dos meios de comunicação, (iii) injúria, calúnia e difamação eleitorais, (iv) divulgação de fatos inverídicos e (v) falsidade ideológica eleitoral. São tantas e tão evidentes as provas produzidas pelo próprio coach que, em alguns casos, a investigação propriamente dita será questão de mera formalidade.

Toda a campanha de Marçal foi concebida como uma espécie de Blitzkrieg para desorganizar a disputa eleitoral em seu favor. Não condenar Marçal à inelegibilidade tão logo o permitam os ritos processuais significaria mais do que premiar a antipolítica que ele encarna. Seria a consagração da delinquência como método aceitável para chegar ao poder. No mundo ideal, os partidos políticos deveriam exercer esse filtro e evitar a ascensão de candidatos como Marçal. Mas as legendas não só têm falhado miseravelmente nessa missão, como algumas delas têm estimulado os celerados que demonstrem alguma viabilidade eleitoral. À falta desse controle político, então, que a Justiça faça a sua parte. Razões para isso, como foi dito, não faltam.

Juros, uma grande incógnita

O Estado de S. Paulo

Governo Lula fecha olhos e ouvidos para os sinais de sobreaquecimento da economia brasileira

A cada decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) sobre os juros básicos da economia, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) promove pesquisa entre seus associados para avaliar expectativas. Até a amostragem de agosto, a mediana indicava a estabilidade da Selic em 10,50% ao ano até março do ano que vem. Diante do aumento de juros de setembro, por óbvio, os bancos também subiram a régua na pesquisa recente, apontando para 11,75% no fim do ano e 12% até meados de 2025.

Em recente reunião a portas fechadas em São Paulo com três dos nove diretores do BC, economistas do mercado financeiro foram ainda mais austeros ao argumentar que a combinação entre a política expansionista do governo e economia sobreaquecida deve exigir que os juros cheguem a 13% em meados do ano que vem para garantir convergência da inflação para a meta prevista, de 3%. Um deles, como noticiou o Broadcast, classificou de “upgrade fajuto” o aumento da nota do Brasil pela agência de classificação de risco Moody’s.

O aperto monetário promovido pelo BC, que tanto desagrada ao governo Lula da Silva, tem sido recebido com certa naturalidade pelo mercado como um instrumento de contenção da inflação diante de uma política fiscal mais frouxa do que o necessário. Nesse sentido, o “diálogo de surdos” que existe entre o governo e o mercado, como classificou o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista a este jornal, ao se referir aos sinais de fraqueza fiscal, seria mais adequado se representasse a surdez do governo diante dos estrondos produzidos pela política de gastança generalizada.

A decisão unânime do Copom de setembro, que deu início ao primeiro ciclo de alta de juros do atual governo, resultou em aumento de 0,25 ponto porcentual, modesto diante do tom duríssimo do comunicado. O BC elevou a Selic a 10,75% e evitou indicações mais firmes de seus próximos passos, diante de indefinições principalmente no cenário doméstico.

Pela amostra dada no encontro entre economistas e diretores do BC, é possível que o cenário que está sendo desenhado pelo governo piore as expectativas em relação ao que será necessário para conter a inflação. O último Relatório Focus, compilado pelo BC, assume um aumento ao fim do ciclo de alta da Selic que já está sendo visto como insuficiente por parte do mercado. Para as duas últimas reuniões do ano do Copom, as apostas tendem a girar em torno de 0,5 ponto porcentual de aumento.

Em entrevista recente ao blog Conjuntura Econômica, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse que a projeção para 2024, de impulso fiscal neutro, “talvez não se confirme” por causa da ajuda de R$ 25 bilhões ao Rio Grande do Sul. Citando também o câmbio e o efeito climático sobre os preços dos alimentos e energia, atribuiu a provável frustração a “fatores exógenos”. É o tipo de visão que demonstra que o governo não está apenas surdo, mas também cego ao fato de a economia brasileira estar girando, de forma insustentável, acima de seu potencial.

Desafios para as próximas eleições

Correio Braziliense

Na avaliação da presidente do TSE, o primeiro turno foi de "sossego democrático". Há, porém, desafios a serem vencidos, como a violência política e a baixa representatividade nas candidaturas

O primeiro turno das eleições municipais de 2024 transcorreu com tranquilidade, sem graves incidentes. Um "sossego democrático", definiu a presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia. Observadores internacionais de 24 países elogiaram o processo e o respeito dos mesários com os eleitores. Para eles, há uma aliança perfeita entre tecnologia (urnas eletrônicas) e acessibilidade. Há, porém, desafios a serem vencidos para os próximos pleitos, como a violência política e a baixa representatividade nas candidaturas.  

 Até as vésperas das eleições, havia preocupações com eventuais casos de violência, levando-sem conta o clima de agressividade, verbal e física, entre os adversários e os assassinatos de 73 candidatos. Embora as hostilidades tenham serenado no domingo, órgãos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) registraram 2.618 crimes eleitorais e 515 prisões, como tentativa de compra de voto, tentativa ou violação do sigilo do voto e desobediências às determinações da Justiça Eleitoral e porte de armas de fogo. Na comparação com o pleito de 2020, esses episódios de violência mais do que dobraram neste ano — aumento de 130%, segundo a terceira edição da pesquisa Violência política e eleitoral no Brasil, das organizações Terra de Direitos e Justiça Global.

Mas a violência eleitoral vai além dos casos previstos na legislação penal. Não foi eleita uma prefeita para as capitais do país no primeiro turno. Um fato lamentável, na avaliação da  ministra Cármen Lúcia, que o atribui ao "desvalor de nós, mulheres", para que não haja a "possibilidade de, em igualdade de condições, exercer os mesmos direitos que seriam de parceria, de conjugação, de humanidade". Outro indicativo de que a política praticada no país precisa de aprimoramento foi o percentual de abstenções — 21,7% —, considerado alto pela presidente do TSE. 

O resultado das urnas surpreendeu no recorte raça/cor. Pela primeira vez desde 2016 — ano em que esse dado começou a ser coletado —, 482 cidades elegeram prefeitos negros no primeiro turno. Os futuros prefeitos pretos ou pardos assumirão 184 municípios do Nordeste, 149 no Sudeste, 57 no Centro-Oeste, 50 no Sul e 42 no Norte. Esse resultado poderá ser maior no segundo turno, marcado para o próximo dia 27.

Para alguns, esse resultado pode ser um avanço, mas, na realidade, não é. Os afrodescendentes são a maioria da população brasileira —112,7 milhões e 88,2 milhões de brancos, segundo o Censo 2022.  Estabelecer igualdade de competição entre os negros e as outras etnias, bem como de gênero, exige um revisão honesta e séria da legislação vigente. 

Meses antes da eleições, o Congresso aprovou o PEC da Anistia, que, além de perdoar o desvio dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, reduziu para 30% a cota destinada aos candidatos negros (homens e mulheres) na disputa por cargos eletivos. Assim, é impossível negar a depreciação das mulheres e dos homens devido à cor da pele, o que sustenta os preconceitos de raça e gênero, favorecendo valores que não combinam com um Estado Democrático de Direito e destoam do mandamento constitucional: "Todos são iguais perante as leis".


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