terça-feira, 8 de outubro de 2024

Maria Cristina Fernandes - Tarcísio mede forças com Bolsonaro

Valor Econômico

Se a derrota da extrema direita em 2022 foi creditada na conta do presidente Lula, a de 2024 pingou na do governador paulista

Se a derrota da extrema direita em 2022 foi creditada na conta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a de 2024 pingou na de Tarcísio de Freitas. É o que há de impacto nacional, neste início do segundo turno, da eleição de domingo. Se o governador de São Paulo confirmar a eleição de Ricardo Nunes (MDB), esta vitória fará dele a principal liderança da metade à direita do país.

No início da campanha lhe foram mostradas as pesquisas com os prognósticos de Nunes e Pablo Marçal. A despeito de o prognóstico do candidato do PRTB parecer mais auspicioso, o governador apostou na reeleição do prefeito. Saiu da planilha, foi para a política e agora parte para consolidar sua liderança. Quanto mais for capaz de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro fora da disputa paulistana, mais esta hegemonia se consolidará.

Não será fácil. O apelo da extrema direita se recicla e se consolida a ponto de abrigar dois nomes, Bolsonaro e Marçal. Ambos mantêm 2026 na mira e oferecem seu apoio a Nunes. Um para marcar Tarcísio de Freitas de perto e o outro, para se blindar da Justiça. Se um está inelegível e o outro, a caminho de se tornar, o apelo do qual se fazem portadores aí permanece.

Para evitar que este apelo dê alento a um terceiro nome, Tarcísio e Nunes acolhem iniciativas como as escolas cívico-militares, a recusa ao aborto legal, a rejeição da vacina obrigatória e a letalidade policial e as calibram ao sabor das circunstâncias. O risco é o de, a pretexto de derrotar a extrema direita, assumirem-se como tal.

O campo da direita, como mostra seu desempenho nas eleições municipais, agiganta-se a um ponto que as fraturas parecem inevitáveis. Tome-se, por exemplo, o PL. O partido cresceu 48% em número de prefeituras e 42% em vereadores, dado mais primário da força da legenda na eleição para a Câmara dos Deputados em 2026.

A Bolsonaro não interessa que o PL ofereça legenda ao governador na disputa presidencial. Ele poderia se lançar pelo partido e, ainda que sua candidatura seja indeferida, faria de Tarcísio de Freitas um refém de seu destino, tornando sua desincompatibilização do governo uma opção arriscada. E, então, com o provável indeferimento de candidatura, em agosto de 2026, a dois meses da eleição, como o fez Lula com Fernando Haddad em 2018, apoiaria Freitas - ou lançaria Eduardo Bolsonaro, o 03.

É isso - mais do que a necessidade de uma ponte com o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, impedido pelo ministro Alexandre de Moraes de se comunicar com Bolsonaro -, que leva o ex-presidente a tentar emplacar o 03 no comando do PL. Como não quer perder o controle sobre os fundos eleitoral e partidário, Costa Neto resiste e apresenta um aliado, o senador Rogério Marinho (PL-RN), como seu sucessor.

O acirramento das disputas internas distrai a direita mas não resolve a falta de foco do outro lado. O PT não foi derrotado. Cresceu em número de prefeituras (36%) e de vereadores (16%). A base diminuta a partir do qual esse crescimento se deu, a menor em décadas, autoriza a percepção de que houve uma relativa recuperação do partido.

Os porta-vozes do Palácio do Planalto buscam convencer de que, além das 13 cidades que o PT disputa neste segundo turno como cabeça de chapa, o governo também estará representado pelas candidaturas que se opõem ao PL, como Igor Normando (MDB), em Belém, e Fuad Noman (PSD), em Belo Horizonte.

É em São Paulo, porém, que se concentram as atenções e as dificuldades de convencimento de que é possível, para Guilherme Boulos (Psol), bater Nunes. Sua contabilidade soma o apoio de Tabata Amaral, cuja resistência ao voto útil a valorizou ainda mais aos olhos petistas, a paridade na TV e a vantagem de Boulos nas redes sociais, além do encolhimento do exército de cerca de 600 candidatos à vereança da coligação do prefeito.

Lança-se mão, ainda, de um histórico de viradas em São Paulo, que, em 2012, por exemplo, permitiu que Fernando Haddad chegasse no segundo atrás de um outro prefeito candidato à reeleição, José Serra, e conseguisse virar. Recusa-se a aritmética da soma dos votos de Marçal àqueles de Nunes. Tanto pela expectativa de atração do eleitor do candidato do PRTB de periferia quanto pela convicção de que o eleitorado de Marçal esteja mais propenso à alienação eleitoral, conceito que soma abstenção, votos em branco e nulos, no segundo turno.

Excluído 2020, eleição da pandemia, a abstenção deste ano no país e, também em São Paulo (27%) é um ponto mais alto de uma escadinha que tem como o degrau de partida a eleição de 2004, que registrou 15%. Além da natural abstenção maior no segundo turno e da propensão à antipolítica do eleitor de Marçal, contribuiria para isso a possibilidade de justificar o voto no aplicativo da Justiça Eleitoral.

São alterações no “hardware” da campanha. E o “software”? “Mudança x continuidade”. Não se trata de uma alteração, visto que já estava dado no primeiro turno. As primeiras declarações do candidato, de que será uma disputa de biografias, não favorecem uma ampliação.

Está claro que o avanço da direita no primeiro turno se deu com base em gestões que se apropriaram de políticas públicas outrora lideradas pela esquerda. Foi capaz de fazê-lo graças a caixas cheios de emendas parlamentares e um aumento de arrecadação proporcionado pelo bom momento da economia. Sem uma reciclagem mais audaciosa de políticas públicas parece difícil a conquista deste voto.

 

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