sábado, 5 de outubro de 2024

Leonardo Avritzer - Não está tudo dominado

CartaCapital

Enquanto a extrema-direita avança pelo Brasil, o eleitorado de três grandes capitais do Sudeste move-se para o centro

As eleições municipais deste ano estão revelando três fenômenos cuja relação entre si ainda não está completamente clara. O primeiro deles, apontado por nós há algumas semanas em CartaCapital e, em seguida, por diversos outros analistas, é que tudo indica nestas eleições uma certa hegemonia das forças políticas de direita, que já tinham sido vitoriosas nas eleições de 2016 e 2020. Existe a possibilidade de que nestas eleições a direita consolide a sua força em importantes capitais do ­País. No entanto, a dimensão da vitória da direita na eleição do próximo domingo não está clara e pode ser contida em alguns espaços porque há um segundo fenômeno, que está em tensão com o primeiro e sendo menos notado por analistas. Ele está ligado ao fato de que, apesar de a extrema-direita estar fortalecida na disputa por capitais neste ano, esses partidos da extrema-direita não têm, neste momento, a confiança do eleitorado das três grandes capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Mais recentemente, um terceiro fenômeno foi observado nas pesquisas de intenção de voto das últimas semanas: o crescimento de candidaturas da esquerda em algumas capitais do Nordeste, especialmente do candidato do PT em Fortaleza, Evandro Leitão, que está numericamente na segunda posição; e da também petista Natália Bonavides em Natal, liderando numericamente a disputa, segundo as últimas pesquisas Quaest e AtlasIntel, respectivamente. Os dois se juntam a duas candidaturas bem posicionadas da esquerda em outras capitais da região Nordeste, notadamente no Recife e em Teresina.

Ao analisar o embate entre direita e esquerda, vale mencionar, em primeiro lugar, a questão do crescimento da extrema-direita, que tem uma fortíssima ancoragem hoje nas regiões Norte e Centro-Oeste, ainda que a candidata do PT esteja posicionada em primeiro lugar em Goiânia. Mas vale a pena também mencionar que a esquerda tem algumas fortes entradas nas regiões Sudeste e Sul – com a boa posição da petista Maria do Rosário para a prefeitura de Porto Alegre. Por fim, vemos a dianteira de três candidatos do PT nos maiores municípios de Minas Gerais depois de Belo Horizonte. Os casos de Uberlândia, Contagem e Juiz de Fora chamam atenção.

No que diz respeito às capitais do Sudeste, há três pontos relevantes. Em primeiro lugar, a candidatura de extrema-direita e mais antipolítica, que de fato levaria a extrema-direita a uma hegemonia fortíssima em termos de capitais, é a de Pablo Marçal (PRTB) na capital paulista, que, neste momento, parece estar relegada a um terceiro lugar, depois de um forte crescimento no início do período eleitoral. Em segundo lugar, é importante mencionar que na cidade do Rio de Janeiro, reduto de Jair Bolsonaro, a candidatura de Alexandre Ramagem (PL), apesar do crescimento recente, provavelmente não conseguirá chegar ao segundo turno, segundo as pesquisas de intenção de voto. Mas o movimento mais interessante está reservado à cidade de Belo Horizonte, na qual a candidatura do ­atual prefeito, Fuad Noman (PSD), teve um crescimento muito forte, o que desatou uma discussão sobre voto útil no primeiro turno no campo de esquerda, sobretudo entre os apoiadores das candidaturas de Rogerio Correa (PT) e Duda Salabert (PDT). Em todos esses três casos, o que podemos perceber é que, apesar de haver um movimento em direção à direita nas eleições das capitais, esse movimento tem limite e as candidaturas mais extremas ou enfrentam problemas ou não têm a capacidade de crescimento como aparentavam há algumas semanas.

Nesse sentido, o Rio de Janeiro parece ser a cidade que revela o eleitorado mais centrista nesta eleição, pelo menos até este momento, com a grande dianteira colocada pela candidatura de Eduardo Paes (PSD). Esse fato é surpreendente não apenas porque o Rio é o berço do bolsonarismo, mas também pela forma com a qual o estado do Rio se comportou na eleição presidencial de 2022.

Maiores surpresas parecem estar sendo reservadas pelas eleições em São Paulo e Belo Horizonte. A maior parte dos analistas julgou que a eleição na capital paulista seria polarizada entre esquerda e direita, ou entre Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), e que, a partir dessa polarização, se estabeleceriam os principais elementos da disputa na cidade. A entrada de Marçal, com seu comportamento e forte crescimento ao longo do mês de agosto, mudou essa análise.

Pareceu, em um primeiro momento, que Marçal de fato havia conseguido jogar a eleição municipal para o campo da extrema-direita, dando concretude à possibilidade de um segundo turno entre ele e Nunes. No entanto, as últimas pesquisas Quaest e Datafolha desautorizam essa análise como a mais provável. Neste momento, percebemos a manutenção das variações dentro das margens de erro, sem mudança significativa que tire Marçal de sua terceira posição numérica entre as intenções de voto dos paulistanos. Mais interessante que isso é a maneira como o próprio Nunes tem se comportado em relação a Marçal e ao eleitorado paulistano. A primeira reação de Nunes foi tentar movimentar-se à direita. Mas foi exatamente a reação do eleitor de Nunes a essa mudança abrupta que nos leva a identificar, neste momento, um movimento centrista no eleitorado paulistano, parcela que decidirá a possível disputa que se desenha entre Nunes e Boulos no segundo turno. Um segundo turno entre Marçal e Boulos com a entrada do presidente pode ainda levar a uma recuperação da esquerda em São Paulo.

Já Belo Horizonte pode ser o terceiro caso que confirma a regra aqui exposta. De um lado, a eleição começou, no início de agosto, com forte crescimento de candidatos da extrema-direita, ainda que o nome favorito da extrema-direita, Bruno Engler (PL), tenha perdido a liderança nas intenções de voto para Mauro Tramonte (Republicanos). No entanto, o fato que marcou a última semana no processo eleitoral belo-horizontino é justamente o crescimento de uma candidatura centrista, a do ­atual prefeito da capital, Fuad Noman (PSD).

Nesse sentido, o que podemos apontar é que, se esses cenários se confirmarem, a eleição terá um resultado misto em relação ao crescimento da extrema-direita no País, pois não parece que esta terá êxito absoluto nas grandes capitais da Região Sudeste ou nas do Nordeste. Este é o caso que explicaria o descenso do Capitão Wagner e, ainda, os problemas que Marçal enfrenta, além da ascensão de candidaturas mais centristas no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Em todos esses casos, o que se prevê é uma eleição muito disputada, com crescimento da direita, mas com a esquerda e a centro-esquerda retendo porções significativas do poder político nas capitais e passando para o segundo turno (ou vencendo de largada) em pelo menos quatro capitais da Região Nordeste: Fortaleza, Recife, Natal e Teresina. Esse quadro, se associado com alguns resultados esperados em cidades de médio porte em estados-chave, como é o caso de Minas Gerais, será o suficiente para manter a competitividade do campo progressista nas eleições de 2026, ainda que eleições municipais não determinem, independentemente do seu resultado, as eleições presidenciais. 

Publicado na edição n° 1331 de CartaCapital, em 09 de outubro de 2024.

2 comentários:

Roberto Beling disse...

Isso é "ginástica intelectual" para provar tese que não se coaduna com os dados da realidade.
Colocar o voto no candidato de Bolsonaro em SP (para quem indicou o vice) como movimento centrista do eleitorado é puro malabarismo

Anônimo disse...

O colunista realmente SE ACHA original e pioneiro, verdadeiro precursor ("apontado por nós há algumas semanas em CartaCapital e, em seguida, por diversos outros analistas")... É desnecessária tanta pretensão! Até porque está falando o óbvio e já registrado cotidianamente por muitos outros colunistas.