Plano de controle de gastos é tímido e insuficiente
O Globo
Governo demorou para apresentar proposta com
medidas requentadas, sem nenhuma mudança estrutural
Apresentado em detalhe nesta quinta-feira, o plano de controle de gastos do governo é paradoxal. Num destaque intitulado “Cuidar da nossa casa”, afirma que o ritmo de crescimento das despesas gera incerteza sobre a regra fiscal. Cita o cenário externo desafiador e reconhece que o real desvalorizado, a pressão inflacionária e os juros altos “impactam a renda, o emprego, o investimento e desaquecem a economia”. Diante de diagnóstico tão realista de conjuntura tão delicada, esperavam-se medidas de impacto. Mas a proposta é tímida demais, insuficiente para deter o crescimento da dívida pública. Contrariando a lógica exposta pelo próprio Ministério da Fazenda, não conterá significativamente as despesas, apenas mudará sua composição. Depois de tanto mistério e expectativa, foi uma decepção.
Como se temia, boa parte do anunciado são
medidas requentadas. É conhecido o esforço do governo para aperfeiçoar a gestão
de programas sociais. Para evitar fraudes no Bolsa Família, as inscrições ou
atualizações de famílias com apenas um integrante passarão a ser feitas em
domicílio. A concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a
deficientes ou idosos em situação de vulnerabilidade, também será mais
rigorosa. Tudo isso é bem-vindo, mas insuficiente.
Instado a tomar medidas estruturais, o
governo bem que tentou. A linha de corte para receber o abono salarial, hoje em
2 salários mínimos, mudará de forma paulatina. Só chegará em 1,5 salário no
distante ano de 2035. Nem a decisão de colocar um teto de 2,5% no aumento real
do salário mínimo dá margem a otimismo. Pela regra atual, o reajuste leva em
conta a inflação do ano anterior e a expansão do PIB de dois anos antes. Como a
economia cresceu ao redor de 3% em 2023 e 2024, o novo teto terá impacto positivo
nas contas do governo em 2025 e 2026. Com a tendência a voltar a crescer perto
de 2,5%, os efeitos benéficos serão passageiros. A nova regra de reajuste do
mínimo tampouco significa que os gastos com a Previdência subirão dentro do
limite de 2,5% ao ano. O aumento do número de beneficiários, hoje em torno de
5%, fará a conta crescer em ritmo mais elevado.
A timidez da proposta, diz o economista
Marcos Mendes, do Insper, fará com que o governo continue buscando receitas
adicionais para cobrir despesas crescentes. Tal arranjo fará com que mais
dinheiro continue indo para Saúde e Educação, cujo orçamento é vinculado à
receita. Boa notícia? Não necessariamente. O aumento do gasto obrigatório
continuará a comprimir a reduzidíssima parcela de despesas livres do governo,
como investimentos. De mudança estrutural para desengessar o Orçamento, não se
ouviu nada.
O governo preferiu adotar postura populista e
anunciar a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, uma
promessa de campanha. É uma decisão contraditória para quem afirma querer
estabilizar as contas
públicas. A cobrança de alíquota mínima efetiva maior para quem
ganha mais de R$ 50 mil, diz a equipe econômica, deverá zerar a conta. O
governo parece esquecer que o Congresso pode muito bem aprovar a isenção e
barrar a alíquota mínima. O plano de atacar os supersalários no Parlamento
também peca pelo otimismo. Com todas as medidas explicadas, é difícil não
concluir que o governo perdeu uma ótima chance para, nas suas próprias
palavras, “cuidar da nossa casa”.
Cessar-fogo entre Israel e Hezbollah traz
esperança ao Oriente Médio
O Globo
Entendimento ocorreu no Líbano, pois os dois
lados viram vantagens na trégua. Em Gaza, dificuldade é maior
O cessar-fogo de 60 dias entre Israel e Hezbollah,
grupo extremista libanês armado pelo Irã, foi uma rara notícia positiva em meio
ao morticínio que tomou conta do Oriente Médio desde os atentados do grupo
terrorista palestino Hamas em 7 de outubro de 2023. Por certo, não está claro
se o acordo será mantido. Em região tão volátil, qualquer imprevisto pode fazer
ressurgir as hostilidades. Mas a trégua trouxe um sopro de otimismo, levantando
a esperança de que abra caminho a outro cessar-fogo, entre Israel e Hamas na
Faixa de Gaza, e ao arrefecimento da tensão com o Irã.
O entendimento aconteceu no Líbano porque os dois
lados viram vantagens. Israel matou centenas de terroristas do Hezbollah e seus
principais comandantes, incluindo o líder máximo Hassan Nasrallah. Destruiu
armas e foguetes, desestabilizou linhas de comunicação e reduziu a presença do
inimigo perto da fronteira. Como não tem pretensão a conquistar território
libanês — seu objetivo é permitir o retorno a suas casas dos cerca de 60 mil
israelenses fustigados pelo Hezbollah —, o governo Benjamin
Netanyahu viu no acordo uma saída aceitável. Enfraquecido e
desmoralizado, o Hezbollah preferiu o recuo para se reorganizar.
Com raras escaramuças, a última trégua durou
de 2006 até outubro de 2023, quando o Hezbollah passou a atacar Israel,
alegadamente em solidariedade ao Hamas. Os embates levaram à fuga de civis em
ambos os lados da fronteira. A partir de setembro deste ano, o governo
Netanyahu partiu para a ofensiva. Depois do êxito da operação inaudita que
explodiu pagers e walkie-talkies do inimigo, desferiu bombardeios inclementes
contra os libaneses. Não só no Sul, controlado pelo Hezbollah, mas também na
capital Beirute e
em áreas que se julgavam a salvo.
O Hezbollah usufrui no Líbano o status
singular de partido político e milícia armada. Como o Hamas, adota a tática de
esconder comandantes, tropas e arsenais em meio à população civil, usada como
escudo humano. Na ofensiva, Israel eliminou o comando terrorista, mas também
atingiu milhares desses civis (o saldo beira 4 mil mortos, entre eles três
brasileiros). É preciso repudiar a falta de mais cuidado das forças israelenses
com vítimas inocentes, algo inaceitável para uma democracia que respeita
valores humanos essenciais. Morte de civis em tal quantidade não é efeito
colateral — é uma tragédia.
Pelo acordo, as Forças Armadas do Líbano
controlarão o Sul do país com a retirada israelense — oportunidade para o
governo libanês assumir enfim controle sobre o próprio território. Se o
Hezbollah voltar à região, as forças libanesas serão responsáveis por intervir,
mas Israel também poderá agir. Até que ponto o cessar-fogo abrirá caminho a
entendimento mais amplo é uma questão em aberto. Em Gaza, as dificuldades são
maiores — dos reféns em poder do Hamas à falta de consenso no governo
israelense sobre o destino do enclave. Mas também por lá os extremistas a
serviço do Irã perderam força. Livre do Hamas, surgirá outra oportunidade
diplomática para Gaza integrar o embrião de um Estado palestino.
Medidas não dão solidez estrutural ao regime
fiscal
Valor Econômico
Propostas relevantes da Fazenda foram
mitigadas em várias assembleias de ministros com Lula, um ambiente onde a
austeridade do ministro Fernando Haddad não foi bem-vinda
O governo Lula discutiu durante quase um mês
uma forma de conter o crescimento dos gastos, para no fim apresentar uma
proposta que pode diminuir as receitas — a isenção do Imposto de Renda para
pessoas físicas com renda até R$ 5 mil. A união de uma proposta demagógica a um
pacote desidratado a contragosto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
confirmou as expectativas ruins dos investidores, que fugiram de ações e do
real e elevaram os juros futuros.
O conjunto de medidas não cumpre a promessa
de dotar o regime fiscal de solidez estrutural, para além do atual mandato.
Ajudará, no entanto, a sustentar as metas fiscais precariamente até o ano
eleitoral de 2026, quando Lula tentará provavelmente a reeleição.
As propostas relevantes da Fazenda foram
mitigadas em várias assembleias de ministros com Lula, onde a tônica foi não
abrir mão de recursos, um ambiente onde a austeridade do ministro Fernando
Haddad não foi bem-vinda. O presidente e a ala gastadora do governo vetaram a
desvinculação dos pisos de saúde e educação da evolução das receitas da União,
arranjo que desequilibrou o regime fiscal ao permitir velocidades diferentes de
crescimento entre o limite de avanço das despesas e a arrecadação líquida.
Cálculos de analistas privados apontam que a
adequação dessas despesas à regra geral (avanço real de 0,6% a 2,5%) seria
capaz de proporcionar significativa parte da economia total pretendida pelo
pacote, de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026. Foi rejeitada, apesar de a
modificação proposta não significar corte de despesas em dois setores onde as
carências são evidentes.
A equipe econômica conseguiu demover o
presidente Lula de sua posição irredutível de não modificar o sistema de
correção do salário mínimo, hoje de INPC mais o PIB de dois anos anteriores. Ao
indexar quase metade das despesas primárias, a regra é incompatível com as do
regime fiscal e tem expulsado rapidamente os gastos discricionários, ou seja, o
custeio da máquina pública, do orçamento. A variação do mínimo continuará
seguindo o PIB, porém referenciada ao mínimo e máximo estabelecidos. Ele não
poderá crescer além dos 2,5% reais — menos que 3% contratado para 2025 e 2026 —
nem menos que 0,6%, ainda que haja uma recessão. Dentro desse intervalo, porém,
continuará valendo o desempenho do PIB. Se a permissão para aumento de gasto
for de 1,8%, por exemplo, e a economia avançar 2%, valem os 2%.
Mesmo atenuada pela proposta, a correção do
salário mínimo será o item que, isoladamente, trará maior poupança de recursos
no próximo biênio: R$ 11,9 bilhões. Nas projeções do governo até 2030, soma
quase metade do almejado — R$ 35 bilhões dos R$ 79,7 bilhões estimados.
Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
modificará o funcionamento de vários programas. O abono salarial será reduzido
de dois para 1,5 salário mínimo em lenta transição até 2035. Mais relevante
para as contas no curto prazo será a destinação de até 20% dos recursos do
Fundeb para a educação integral, o principal item da contenção de gastos em uma
lista que inclui a Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 30% (segundo
item mais relevante), corte de 10% de R$ 18 bilhões de subsídios e subvenções e
indexação pela inflação do Fundo Constitucional do Distrito Federal. Somadas,
pouparão R$ 24,5 bilhões no biênio 2025-26. Em um projeto de lei, com economia
de gastos de R$ 39,9 bilhões, além da alteração da indexação do salário mínimo,
consta aperto na vigilância e regras de adesão ao BPC e ao Bolsa Família.
Todas essas medidas contribuem inegavelmente
para melhorar a performance do regime fiscal e talvez permitir que se atinja a
meta fiscal de déficit zero em 2025 e superávit de 0,25% do PIB em 2026. Se
elas deixam muito a desejar diante do quadro frágil das contas públicas,
perderam mais força diante do anúncio de isenção do IR de pessoas físicas com
renda até R$ 5 mil. Ela trará conta adicional de R$ 35 bilhões a R$ 45 bilhões
em 2026 — o projeto só será examinado em 2025 pelo Congresso — em um pacote que
pretendia poupar R$ 40 bilhões naquele ano. O governo pretende cobrir a receita
perdida com uma não detalhada taxação mínima do IR sobre quem ganha R$ 50 mil
ou mais.
As preocupações do presidente Lula se
voltaram para as eleições de 2026. A isenção do IR contempla a faixa relevante
da população entre 2 e 5 salários mínimos, em que a popularidade de Lula não
vai bem. A isenção acrescentará mais 15 milhões de pessoas aos 14,3 milhões que
já não pagam IR. Restarão como pagantes cerca de 15 milhões de contribuintes.
A isenção foi promessa de campanha de Lula,
que a exigiu agora como contrapartida a medidas impopulares. O presidente fez
demagogia. A taxação de pessoas de maior renda poderia ser feita sem que o
governo precisasse abrir mão das receitas importantes. O governo corre o risco
de ver aprovada a isenção do IR e não o aumento da carga tributária, que seria
o fim do regime fiscal. O Planalto quis garantir uma medida muito popular, com
efeitos positivos sobre o consumo, em ano eleitoral.
O regime fiscal não ficou mais forte. Os
investidores avaliaram que não há disposição de enfrentar o aumento dos gastos
e do endividamento, e o governo, ao contrário do que se esperava,
ratificou esse vaticínio.
Lula afunda pacote orçamentário com corte
pífio
Folha de S. Paulo
Medidas incertas para despesas são ofuscadas
por benefício de R$ 35 bi no IR; dólar e juros prejudicarão mais pobres
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
conseguiu a proeza de decepcionar com o anúncio de
um pacote de controle de gastos do qual já não se esperava
grande coisa.
Em vez de indicar alguma disposição, mesmo
que modesta e dissimulada, para o controle de
despesas públicas, o conjunto de medidas escancarou que os
interesses eleitoreiros do presidente da República estão acima de qualquer
preocupação com a sustentabilidade da política econômica.
Não apenas os passos rumo à austeridade foram
tímidos e incertos como a administração petista apresentou uma proposta para
isentar do Imposto de
Renda rendimentos de até R$ 5.000 mensais —que, embora tenha o
mérito de favorecer a progressividade tributária, continua mal explicada e
redundaria em perda de receita de R$ 35 bilhões anuais, a confiar na estimativa
oficial.
De saída, há que ampliar a arrecadação
federal no mesmo montante. A principal fonte de recursos apresentada pelo
governo seriam ganhos com a tributação extra de rendimentos que superam R$ 50
mil mensais.
O Congresso apreciará a mudança do IR. É
notório que os parlamentares são mais ágeis em conceder isenções do que em
cobrar mais impostos. O governo não foi capaz ainda de explicar como ficará a
nova tabela do tributo, sem o que é impossível estimar a perda de receita.
Como se não bastasse, o próprio pacote de
contenção do aumento de gastos parece frágil. Promete-se para os próximos seis
anos (de 2025 a 2030) uma economia de
fantasiosos R$ 327 bilhões até 2030, mas o mandato de Lula se encerrará dentro
de dois anos, em 2026.
Não estão claros os cálculos do efeito das
propostas. Por meritórias que sejam as tentativas de combater fraudes e desvios
em benefícios sociais com recadastramento e pentes-finos, além de mudanças em
subsídios e em gastos com cultura, nada disso significa ajuste estrutural, e os
resultados não são líquidos e certos.
De maior impacto a médio prazo é a mudança no
reajuste do salário
mínimo, que ao menos mitiga a expansão forte e contínua das despesas
previdenciárias. Qualquer esforço de atenuar a crise fiscal é obviamente
válido. Mas, em termos duradouros, pouco mais foi divulgado.
Lula criou para si um problema mesmo antes de
tomar posse, em 2022, ao negociar um aumento de gastos para o qual não havia
previsão de receita. Em seguida, aprovou-se uma regra fiscal com uma falha
congênita: a elevação das despesas obrigatórias acima do ritmo da despesa total
tornaria inviável o plano de equilíbrio orçamentário.
O objetivo do pacote deveria ser ao menos
atenuar preocupações de desarranjo fiscal maior até 2026. O governo, porém,
criou nova rodada de dúvidas e descrédito, que se
materializa na disparada do dólar e dos juros,
que prejudicará sobretudo a maioria pobre e remediada. Nem como estratégia
eleitoreira faz sentido.
PEC retrógrada coloca em risco o direito ao
aborto legal
Folha de S. Paulo
Proposta pode vir a proibir procedimento,
igualando a lei do Brasil à de teocracias; Congresso precisa seguir evidências
Na quarta-feira (27), a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos
Deputados deu aval a uma proposta sombria de emenda à
Constituição que, se aprovada, poderia tirar de gestantes brasileiras o direito
ao aborto até
em casos de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal.
O objetivo é
alterar o artigo 5º da Carta, de "garantindo-se aos brasileiros
e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida"
para "direito à vida desde a concepção".
Tal acréscimo é temerário pois, embora não
mude o Código Penal, serviria para questionar a constitucionalidade do aborto,
gerando insegurança jurídica.
Os deputados se arvoram, com mero subterfúgio
retórico, a estabelecer o início da vida humana quando não há consenso robusto
entre especialistas sobre o tema. Nos países que legalizaram a interrupção da
gravidez, os limites variam entre 12 e 20 semanas.
No mundo, cerca de 60% das mulheres em idade
reprodutiva moram em locais onde podem realizar o procedimento sem medo de
punição pelo Estado. Só 16 nações, a maioria pobres ou sob regimes
autoritários, o criminalizam em qualquer caso, como Egito, Iraque, Nicarágua e Haiti.
A OMS estima
que entre 4,7% e 13,2%
das mortes de grávidas no mundo são causadas por abortos inseguros —que
aumentam com a ilegalidade ou difícil acesso. Países de baixa renda concentram
97% dessas práticas, e 3 de 4 interrupções são inseguras na América
Latina. Mulheres e meninas pobres são as mais atingidas.
A proposta não é a única investida contra o
aborto legal. Em junho, a Câmara aprovou requerimento de urgência para um
projeto de lei tresloucado que equipara a pena para aborto após a 22ª semana
com a de homicídio, mesmo nas situações permitidas pelo Código Penal, que não
estipula limite de tempo da gestação.
Cerca de um terço dos procedimentos ocorre
após esse período no Brasil, notadamente em caso de menores de idade e mulheres
que vivem longe dos grandes centros e têm acesso precário à rede pública de
saúde. Os 290 estabelecimentos que realizavam aborto legal no país em 2021
estavam em somente 3,6% dos municípios.
Segundo pesquisa do Datafolha deste
ano, 58% dos
brasileiros são contra proibir o aborto em qualquer situação: 34%
apoiam a legislação atual, 17% defendem a ampliação de casos permitidos e 7%
apoiam a legalização ampla.
O avanço do Legislativo contra esse direito
reprodutivo tem base religiosa. Num Estado laico, não é a fé que deve pautar
políticas públicas, mas evidências.
Pastel de vento
O Estado de S. Paulo
Não era crível esperar que Lula avalizasse um
corte expressivo a menos de dois anos das eleições, mas o governo se superou ao
anunciar, junto, isenção maior de IR. Não à toa, dólar foi a R$ 6
Aguardado com ansiedade por um mês, o pacote
fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad decepcionou. Até aí, nada de
novo. Não era crível esperar que Lula da Silva daria aval a um corte de gastos
expressivo para reequilibrar as contas públicas depois do desempenho pífio de
seu partido nas eleições municipais e a menos de dois anos da disputa
presidencial.
Desta vez, no entanto, o governo realmente se
superou. Quando as primeiras notícias sobre as medidas do plano começaram a
circular, parecia até piada ventilada pela oposição, mas o pronunciamento do
ministro Haddad em cadeia nacional de rádio e TV na noite de quarta-feira
confirmou a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais.
Qualquer medida que o ministro anunciasse
depois disso não teria a menor relevância. Afinal, um pacote de economia de
despesas cuja principal medida reduz a arrecadação do governo em R$ 35 bilhões
não poderia ser levado a sério. E foi exatamente o que aconteceu. Antes mesmo
do pronunciamento, o dólar, até então cotado a R$ 5,83, rompeu a barreira dos
R$ 5,90 e encerrou o dia a R$ 5,91.
No início da tarde do dia seguinte, logo após
o anúncio das outras medidas, a moeda norte-americana alcançou a marca de R$
6,00, o maior valor nominal desde o início do Plano Real, mas fechou em R$
5,9895. Os juros futuros, por sua vez, chegaram a 14% para alguns vencimentos
de 2026 e 2027, enquanto o Ibovespa fechou em forte queda de 2,40%, aos
124.610,41 pontos.
Se a ideia era implodir o pacote, o governo
conseguiu o que desejava. Porta-voz extraoficial de Lula da Silva, a presidente
do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), demonstrou sua incompreensão ao cobrar,
por meio de suas redes sociais, que o presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, interviesse no câmbio para conter a “especulação desenfreada”.
A questão é que não se tratava de
especulação, mas uma reação à quebra das expectativas alimentadas pela própria
equipe econômica de Lula da Silva entre o primeiro e o segundo turnos das
eleições municipais. Quem acreditou no discurso dos ministros Haddad e Simone
Tebet de que havia chegado a hora de enfrentar os gastos públicos com seriedade
teve de desmontar suas posições para não perder mais dinheiro no futuro.
A bem da verdade, o governo deu sinais de que
o pacote seria esvaziado. O período de 30 dias entre o fim das disputas
municipais e o anúncio oficial do plano deixou claro que o governo não tratava
o tema com a urgência demandada e serviu para os ministérios blindarem suas
pastas, desidratando as medidas que poderiam atingi-los até que restassem
apenas as consensuais.
Causou incômodo que Haddad não tenha usado a
palavra “corte” uma única vez em seu pronunciamento de pouco mais de sete
minutos, mas o fato é que ele, a rigor, não mentiu. Num esforço para tornar o
Brasil “mais justo e eficiente”, o governo atrelou o reajuste do salário mínimo
ao arcabouço fiscal, o que permitirá que o piso continue a aumentar acima da
inflação.
Com ajustes tímidos, o abono salarial foi
mantido, e novamente se prometeu mais foco e fiscalização na concessão do
Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Bolsa Família. Haverá nova
tentativa de limitar os supersalários no setor público e reduzir os
penduricalhos. A Desvinculação das Receitas da União (DRU) será, mais uma vez,
prorrogada. Subsídios tributários de cerca de R$ 18 bilhões serão reduzidos em
10% até 2030, mas o governo não detalhou quais serão atingidos.
São, em suma, as medidas de sempre,
anunciadas na expectativa de que produzam resultados diferentes desta vez.
Parte delas é o mínimo que se espera de qualquer governo minimamente
comprometido com as contas públicas, como a inclusão no Orçamento dos programas
Pé-de-Meia e o Gás para Todos.
Taxar em até 10% quem ganha mais de R$ 50 mil
pode até mobilizar apoiadores, mas certamente não salvará a arrecadação. Já a
isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais injetará novos
recursos na economia, dando impulso a uma inflação que se aproxima
perigosamente dos 5% no acumulado de 12 meses, algo que o Banco Central não
poderá ignorar.
Trump não é o único problema
O Estado de S. Paulo
Convém se preparar para que Trump trabalhe
incansavelmente contra a transição energética. Mas não dá para debitar apenas
em sua conta o apetite global pelos combustíveis fósseis
A transição energética, que tem preocupado
parte do mundo consciente dos efeitos das mudanças climáticas, parece
assombrada por outra transição – a troca de comando na Casa Branca. As escolhas
do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, sugerem que ele se prepara para
cumprir algumas de suas promessas mais extremas na reformulação da política
ambiental, como retirar o país do Acordo de Paris sobre o clima, revogar
regulamentações, mudar a Agência de Proteção Ambiental e expandir a produção de
petróleo e gás. Seus sinais provocaram reações extremas: de um lado, há quem
preveja que o retorno de Trump à Casa Branca resultará numa versão do
apocalipse sobre a Terra; outros têm se esforçado para dizer que mesmo mudanças
abruptas na política ambiental dos EUA não significarão desvio de rota no
caminho americano rumo à transição dos combustíveis fósseis para energia limpa.
Enquanto ambientalistas difundem prognósticos
catastrofistas, autoridades dos EUA tentam informar ao mundo que não há razão
para pânico. Durante a COP-29, o senador Edward Markey, do Partido Democrata,
afirmou que, “assim como as mudanças climáticas não serão resolvidas por um
único presidente, as ações climáticas não serão interrompidas por um único
presidente”. A secretária de Energia do governo de Joe Biden, Jennifer
Granholm, lembrou que o Acordo de Paris já sobreviveu antes a uma retirada dos
EUA. Na reunião do G-20, o secretário-geral da ONU, António Guterres, também
minimizou as consequências, dizendo-se “bem confiante” de que o dinamismo da
economia e da sociedade americana vai “se mover na direção das ações
climáticas”.
Não parece improvável que tais visões estejam
imbuídas de doses consideráveis de wishful thinking, quando análise e
desejo se confundem e contaminam as devidas conclusões. O reconhecido
negacionismo de Trump torna remota a hipótese de que as políticas climáticas
globais serão pouco afetadas pelas novas diretrizes da Casa Branca. Mas a
realidade também desautoriza as análises mais sombrias, como se o mundo
estivesse à beira do precipício climático por força exclusiva do novo
presidente. Por um lado, o modelo federativo dos EUA dá liberdade aos Estados
de adotar políticas próprias – e hoje, diferentemente do primeiro mandato de
Trump, muitos deles ampliaram seu apoio às ações climáticas. Por outro, é
preciso considerar um fator muito mais forte do que qualquer delírio trumpista,
resistência democrata ou desejo da ONU: a força do dinheiro.
E o dinheiro hoje continua direcionado para
os combustíveis fósseis, razão pela qual mesmo um ardoroso defensor da
transição energética encontraria dificuldade para promover mudanças
significativas no comando da economia dos EUA. O petróleo ainda responde por
mais da metade da energia produzida no mundo e é a fonte mais barata. Dados
internacionais estimam que o óleo e o gás ainda representarão em 2050 cerca de
1/3 da matriz energética global. Mesmo no cenário mais agressivo – e improvável
– de descarbonização, os combustíveis fósseis ainda serão significativos. São
letais no longo prazo e vitais no curto prazo.
Recente reportagem do New York Times mostrou
o desempenho de empresas de petróleo e gás, comparando as que há quatro anos
assumiram compromissos para reduzir emissões e transitar para energias
renováveis com as que preferiram manter seus modelos tradicionais. Enquanto
empresas do primeiro grupo, como BP e Shell, amargam quedas de até 19% no preço
de suas ações, outras como a Exxon foram recompensadas pelo mercado financeiro,
com alta de até 15%. Esse descompasso é fruto dos resultados: o retorno mediano
sobre o capital entre algumas das maiores empresas privadas de petróleo do
mundo, uma medida-chave da lucratividade, superou 11% no ano passado, segundo
uma análise da S&P Global Commodity Insights, enquanto o retorno para as
principais empresas de energia renovável permaneceu em torno de 2%.
Em outras palavras, convém se preparar para
que Trump trabalhe incansavelmente contra a transição energética e em favor da
negação das mudanças climáticas. Mas não dá para debitar exclusivamente em sua
conta o apetite global pelos combustíveis fósseis.
A hora do acordo Mercosul-EU
O Estado de S. Paulo
Caso do Carrefour mostra que o acordo talvez
esteja mais próximo do que se imaginava
A lambança empresarial protagonizada pelo CEO
global do Carrefour há alguns dias deve ser lida no contexto da possível
evolução nas negociações para a celebração do acordo comercial entre União
Europeia (UE) e Mercosul – que se arrastam há duas décadas. Ao anunciar que a
rede de supermercados deixaria de comprar carne brasileira e dos demais países
do Mercosul em razão de preocupações sanitárias, Alexandre Bompard deu voz e
visibilidade ao mais rasteiro protecionismo do setor agropecuário francês,
preocupadíssimo com a competição de produtos sul-americanos.
As motivações e estratégias de Monsieur
Bompard não têm a menor importância, a não ser para os acionistas do grupo que
ele dirige. O caso, no entanto, expõe inegavelmente o nervosismo dos produtores
franceses ante a hipótese cada vez mais real de terem de enfrentar gigantes do
agronegócio do Mercosul sem o dique das generosas restrições comerciais. Não à
toa, Monsieur Bompard, em sua manifestação deselegante, queixou-se da
“inundação” do mercado francês de carne “que não atende às exigências e normas”
da França – uma rematada mentira.
A escalada retórica também teve um novo
capítulo no Parlamento francês, que em votação simbólica rechaçou o tratado
entre os blocos. Na sessão, um parlamentar afirmou que os franceses não querem
“lixo” em seus pratos. Sem tanta virulência, mas com o mesmo espírito, o
presidente francês, Emmanuel Macron, premido pelo avanço do nacionalismo de
extrema direita, insiste em desmoralizar o acordo.
Por se tratar de um acordo de ampla
magnitude, é natural que nem todos se sintam contemplados. Mas a escolha que a
UE tem diante de si é se aproveitará a oportunidade para destravar mercados
para seus produtos manufaturados, o que é fundamental ante a guerra comercial
entre Estados Unidos e China, ou se cederá a um punhado de barulhentos
agricultores franceses, empurrando o Mercosul cada vez mais na direção da
China.
Enquanto o Carrefour tentava contornar a
crise – sem muita vontade, diga-se –, o governo brasileiro aproveitava para
externar otimismo quanto à possibilidade de que o acordo com a União Europeia
seja afinal destravado, o que pode ocorrer na próxima reunião de cúpula do
Mercosul, no início de dezembro.
Mas não são poucos os obstáculos. Ainda no
governo de Jair Bolsonaro, a UE impôs uma série de exigências de caráter
ambiental para celebrar o acordo, usando como pretexto o avanço do desmatamento
no Brasil naquela época. Do lado brasileiro, o presidente Lula da Silva quer
manter a exclusividade de empresas nacionais nas licitações de compras
governamentais – que, pelo acordo, passariam a ser disputadas também por
empresas da Europa. Nenhuma surpresa: o cacoete nacionalista de Lula sempre
fala mais alto, a despeito da perspectiva de barateamento das compras
governamentais.
Seja como for, Lula esbanja otimismo. Sendo
tão deselegante quanto Monsieur Bompard, o presidente declarou que os franceses
“não apitam mais nada” em relação ao acordo comercial e que espera assiná-lo
logo. Farpas à parte, seria uma excelente notícia.
Pele é órgão negligenciado
Correio Braziliense
O câncer de pele não melanoma é o mais
frequente no Brasil, correspondendo a mais de 30% do total de casos registrados
no país
Quando pensamos em câncer, geralmente
atrelamos a condição a imagens pesadas, de pacientes mais comprometidos. Muitas
pessoas se constrangem até em dizer o nome da doença. Com o próximo mês batendo
à porta, o Dezembro Laranja trata de um câncer relativamente comum e, talvez,
por isso mesmo, negligenciado pela maioria da sociedade.
O câncer de pele não melanoma é o mais
frequente no Brasil, correspondendo a mais de 30% do total de casos dos tumores
registrados no país, e pode ocorrer em qualquer tipo de pele e idade. De acordo
com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), cerca de 185 mil novos casos são
diagnosticados no país todos os anos. E os raios solares são os grandes
responsáveis pelos efeitos danosos à pele.
Mesmo que produza vitamina D — que,
normalmente, se apresenta em níveis abaixo do indicado —, a luz solar pode ser
maléfica caso a exposição seja diária, em horários adequados (antes das 10h e
após as 16h) e haja lesões na pele, como as da psoríase. Vale lembrar também
que as queimaduras solares são associadas ao dobro do risco de desenvolver
melanoma — outro tipo de câncer de pele, mais raro e grave. Não à toa, os
especialistas costumam comparar as queimaduras solares aos prejuízos causados
pelo tabagismo, por serem cumulativos.
Por isso, um dos maiores equívocos é não
levar a sério o cuidado com a pele na mesma proporção que se faz com outras
partes do corpo, como o coração ou os rins, mesmo ela sendo o maior órgão do
corpo humano, correspondendo a 16% do peso corporal.
Aliado a isso, com o passar dos anos, é
cada vez maior a quantidade de raios ultravioleta que chegam à superfície da
Terra — fenômeno decorrente do esgotamento da camada protetora de ozônio. É
essa camada que bloqueia grande parte desses raios. Sem ela, espera-se uma
maior incidência de câncer de pele.
Somos um país tropical, litorâneo, em que o
Sol incide diretamente. Se antes a qualidade dos protetores solares não era das
melhores, com pouca oferta de tipos e marcas, hoje temos à mão produtos
específicos para cada tipo de pele, com índices de proteção adequados e que
garantem até mesmo proteção contra níveis de raios UV nos horários de pico —
entre 10h e 16h. Para quem exagerou, há ainda produtos com efeitos
antioxidantes e calmantes que reduzem os efeitos negativos do Sol.
No entanto, ainda é ínfima a quantidade de pessoas que se preocupam com a própria pele ou até mesmo em fazer uma espécie de checape dermatológico, antes de marcar uma viagem de férias para a praia ou passar o fim de semana na piscina de um clube. Na maioria das vezes, o dermatologista só é acionado quando há alguma lesão, alergia ou incômodo. Mudar esse e outros descuidos com a pele é medida que evitaria milhares de casos de câncer e até mesmo mortes provocadas pela doença grave.
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