Folha de S. Paulo
Ala política do governo, que privilegia
eleições, prevaleceu sobre a econômica, que buscava sinalizar compromisso com
sustentabilidade fiscal
Na queda de braço entre Fernando
Haddad e Gleisi
Hoffmann, deu Gleisi. A ala política do governo Lula (a
que só pensa em eleição) prevaleceu sobre a econômica, e o pacote que
deveria dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal não apenas saiu esquálido como
ainda teve de dividir o palco com uma proposta de reforma do Imposto de
Renda, o que fez aumentar as desconfianças do mercado em relação à
disposição do Planalto de ajustar as contas públicas.
O resultado prático é que o anúncio das medidas que deveriam tranquilizar os agentes econômicos produziu mais uma alta do dólar, que vai lenta e resolutamente alimentando a inflação.
Não estou aqui afirmando que não há méritos
na reforma do IR. A questão é que ela já estava na agenda do Ministério da
Fazenda. As propostas seriam apresentadas em 2025.
Ao antecipar essa discussão e fundi-la à do
arcabouço —e isso apenas para que Lula não parecesse um neoliberal nem um
austericida—, o governo anulou os ganhos econômicos que poderia obter sem
ampliar os dividendos políticos. Se a reforma de fato sair, ela valerá em 2026,
pouco importando quando a proposta foi originalmente apresentada, se em 2024 ou
2025.
Cabe ainda observar que os agentes econômicos
têm razões para ser céticos em relação à reforma. A parte em que o Tesouro abre
mão de arrecadação (isenção até
R$ 5.000) depende só de uma lei que parlamentares aprovariam de bom
grado. Já a que compensaria as perdas taxando os mais ricos exige mais medidas
que têm tramitação muito mais incerta.
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A política cobra escolhas, às vezes difíceis.
Para um governante, o mais fácil é empurrar essas decisões difíceis para a
frente. É eleitoralmente menos arriscado adiar a resolução do problema fiscal
do que enfrentá-la. Mas esse é um nó que o Brasil precisa resolver se quiser se
pôr numa rota de crescimento sustentável.
Alguém já afirmou que a diferença entre um
estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições,
enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações. Lula olha muito mais
para o presente do que para o futuro
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