Folha de S. Paulo
Pode ser um fiasco, pode ser a oportunidade
para reformas profundas
Contra um consenso tecnocrático, cosmopolita,
globalizante, laico, progressista e —ao menos no discurso— ambientalista, ergue-se uma
direita que é, ao contrário, próxima do homem comum,
nacionalista, orgulhosa de suas raízes cristãs, conservadora e cética quanto às
mudanças climáticas. Ela tem várias versões, algumas mais moderadas, outras mais
extremistas, algumas mais intervencionistas, outras mais
libertárias; mas todas com algo em comum: o sentimento antissistema. E, em
2025, essa direita chegará mais longe do que nunca.
Em 2017, Trump chegou
ao poder cercado de assessores do establishment político republicano, que o
contiveram de várias maneiras. Agora, esse próprio establishment se
rendeu ao trumpismo e tem, portanto, menos capacidade e disposição de
limitá-lo.
Ao mesmo tempo, as big techs, antes opositoras de Trump, a ele se
acomodaram. Não falo só de Elon Musk,
que agora ocupa o cargo mais disruptivo do novo governo e que já tem comprado
briga com a ala mais nacionalista. De maneira mais discreta, Jeff Bezzos e Mark
Zuckerberg passaram da oposição a uma neutralidade amistosa. Com eles, fatias
maiores do empresariado e do eleitorado se acostumam com as novas ideias no
poder.
E que ideias são essas? Basicamente, a rejeição às instituições que têm sido
centrais no Ocidente liberal nas últimas décadas. No plano global, os diversos
órgãos e acordos internacionais. No plano nacional, instituições independentes
que não se pautam pela vontade popular: agências reguladoras, imprensa
profissional, Judiciário. Em ambos, está em xeque a figura do especialista,
cujo conhecimento e credenciais confeririam legitimidade para comandar as
massas. Trump é sua negação.
Na Europa, ainda um bastião da velha ordem que hoje se questiona, as duas
principais potências —França e Alemanha— veem sua política em colapso, com a
direita nacionalista conquistando cada vez mais espaço. Na Itália,
a presidente nacionalista desponta como uma liderança autoconfiante de defesa
do legado cristão.
Enquanto isso, na nossa América do Sul, todos
os olhos em Milei. Ele começou o governo com um programa radical de cortes
profundamente recessivo. Conseguiu controlar a inflação e produzir superávits
ao custo inicial da contração econômica e piora
social. Nos últimos meses do ano, contudo, dados oficiais indicam
crescimento e redução do desemprego e da pobreza. Se essa
recuperação se mostrar sustentável em 2025, será uma lição incontornável para
um Brasil cujo governo ainda não se decidiu se o problema fiscal é real ou mera
invenção de especuladores.
Para onde quer que se olhe, os velhos consensos estão em crise. De fora, Rússia e China se
propõem como alternativas à democracia liberal. Por dentro, a nova direita
—nascida nas redes— questiona seus alicerces. Quem disser que sabe onde isso
dará está blefando. O novo governo Trump chacoalhará os EUA e o mundo. Pode ser
um fiasco, pode ser a oportunidade para reformas profundas que preparem o
Ocidente para um novo capítulo da transformação tecnológica. Seja como for,
promete ser um ano de instabilidade e, portanto, se formos inteligentes, de
aprendizado. Feliz ano-novo!
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