Folha de S. Paulo
O desrespeito do Congresso à lei no caso das
emendas afronta a natureza da Casa
Na Constituição discutida,
votada e aprovada pela Assembleia Constituinte eleita em 1986 e concluída em
1988, há um dispositivo claro no artigo 37 que demanda transparência aos atos
da administração pública.
A esse preceito, pouco observado com
seriedade, se refere o ministro Flávio Dino ao
exigir, com apoio dos pares do Supremo Tribunal Federal,
o cumprimento das regras de manejo das emendas parlamentares.
A olhares mais frouxos tal exigência pode parecer implicância do Judiciário ou mesmo soar como um quê de retaliação devido a certas iniciativas do Legislativo, mas não é. Trata-se da simples disciplina legal.
O Congresso tenta
descumprir a lei, enquanto o Supremo atua para fazer valer o escrito na Carta.
A este embate se dá o inadequado nome de crise
institucional, quando o que se tem é um conflito movido por
interesses da freguesia.
O Parlamento bate continência ao faz de conta
ao alegar que cumpriu todas as determinações em consonância com regras do
Executivo. Além de não ter cumprido de maneira reiterada, o estabelecimento das
normas não cabe ao Planalto e sim ao STF, no
resguardo ao que diz aquele artigo 37.
Cristalina, pois, a situação. Não vê quem não
quer ou, por outra, quem pretende interpretar a realidade de acordo com as
próprias conveniências. É o caso dos congressistas resistentes à clareza do
argumento constitucional.
O ano termina com a questão em aberto e assim
ficará até a volta do recesso, em fevereiro, quando Flávio Dino avisou que vai
se dispor, mais uma vez, a ouvir o Congresso já sob nova direção.
Com isso, o ministro está sendo benevolente.
A rigor não cabe discussão quanto à letra da lei, matéria-prima do estado de
Direito, que os legisladores deveriam ser os primeiros a respeitar, mas não o
fazem numa clara afronta à natureza de suas funções.
O Executivo, por sua vez, sem força para dar
um basta nos abusos, confere um perigoso aval aos dribles, arriscando-se a ser
sócio do escândalo em gestação pelas descobertas que a Polícia Federal vem
fazendo no uso das emendas.
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