O Globo
Democracia era o eixo da diplomacia de Jimmy
Carter
Ele foi o presidente americano que mais contribuiu para derrubar a ditadura militar brasileira
Fora do Brasil, é provável que Jimmy Carter seja lembrado como artífice dos acordos históricos de Camp David, que resultaram na paz entre Israel e Egito, ou pelo fracasso de sua tentativa de reeleição diante da avalanche que Ronald Reagan representou em 1980 para um país consumido pela inflação e pela paralisia econômica. Aqui no Brasil, seu nome estará sempre associado à defesa da democracia. Carter, que morreu nesta semana aos 100 anos, foi o presidente dos Estados Unidos mais perturbador para a ditadura militar brasileira. Sua ascensão ao poder acabou com a vista grossa que a Casa Branca fazia para os desmandos dos generais no Cone Sul e representou uma guinada da política externa americana na direção da democracia e dos direitos humanos.
Carter mostrou a que vinha já na campanha.
Numa entrevista em 1976, disse que o apoio dos Estados Unidos ao regime militar
brasileiro era “um tapa na cara do povo americano”. Em debate eleitoral,
lembrou que os republicanos haviam ajudado a derrubar Salvador Allende e a
sustentar Augusto Pinochet no Chile poucos anos antes. Uma vez no poder, cortou
a ajuda financeira a países onde havia tortura. No primeiro ano de mandato,
enviou ao Brasil a mulher, Rosalynn. Ela deixou o presidente Ernesto Geisel
perplexo ao apresentar uma lista de perseguidos políticos. Antes de partir,
convidou integrantes da oposição para um jantar, prestigiou a imprensa e
conversou com missionários americanos sobre as condições nas prisões.
Inconformado com a política de direitos humanos e com a oposição americana ao
tratado nuclear entre Brasil e Alemanha, Geisel encerrou um acordo bilateral de
cooperação militar. O discurso de Carter não era mera retórica.
Quando veio ao Brasil no ano seguinte, na
primeira visita de um presidente americano em 18 anos, encontrou representantes
da oposição ao regime militar, como o presidente da OAB, Raymundo Faoro, e o
cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Convidou Arns para acompanhá-lo
no carro até o aeroporto no Rio. A mágoa de Geisel durou até o fim da vida.
Por anos, prevaleceu a narrativa segundo a
qual a política de Carter de criar atrito com o governo militar foi
contraproducente para a abertura. Mas documentos secretos à época hoje abertos
para consulta pública revelam uma realidade diferente. “Carter chacoalhou o
regime, pondo Geisel na defensiva e fortalecendo a oposição à ditadura”, diz
Matias Spektor, professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas
(FGV).
É certo que ele não manteve coerência
absoluta na defesa dos direitos humanos e da democracia — na disputa com os
soviéticos, prestou ajuda ao governo golpista de El Salvador que lutava contra
uma insurgência apoiada por Cuba, apesar do histórico terrível de repetidos
crimes contra civis. Mesmo assim, tornou ambos os temas prioridades da política
externa americana, quebrando o padrão adotado anteriormente por seus
antecessores da Guerra Fria. Prova de que sua influência é duradoura foi a
posição determinada dos Estados Unidos — tanto no Congresso quanto no Executivo
— contra a tentativa de golpe militar no Brasil em 2022 e contra a fraude
eleitoral cometida pelo ditador Nicolás Maduro na Venezuela. Ao contrário do
que ocorria no passado, desde Carter os americanos passaram a repelir o
golpismo no continente.
Anvisa faz bem ao restringir acesso de
consumidores aos ‘chips da beleza’
O Globo
Vendidos com a promessa de tornar os
compradores mais belos e mais fortes, eles trazem riscos graves à saúde
Foi acertada a decisão da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa)
de conter o abuso dos implantes hormonais manipulados, conhecidos como “chips
da beleza”. Apesar de indicados por profissionais de saúde para tratamentos
específicos, eles passaram a ser usados indiscriminadamente, para fins
estéticos e de desempenho físico. Produzidos em farmácias de manipulação e
inseridos sob a pele, misturam diversos hormônios e substâncias. De acordo com
a Anvisa, além de não haver comprovação de eficácia e segurança para uso
estético, há risco de efeitos adversos graves.
Associações médicas já pediam o enquadramento
dos “chips da beleza”, diante da avalanche de efeitos colaterais vistos com
frequência nos consultórios. Entre os principais riscos estão derrame,
arritmia, infarto, trombose, hipertensão, colesterol, crescimento excessivo de
pelos, queda de cabelo, insônia e agitação. Em carta enviada à Anvisa antes da
restrição, entidades médicas ressaltaram que os implantes hormonais são
divulgados livremente nas redes sociais, muitas vezes por celebridades, sem
qualquer evidência científica.
Apesar de bem-intencionada, a Anvisa exagerou
no rigor de sua primeira decisão, anunciada em outubro, quando proibiu a
manipulação, venda, propaganda e uso de todo e qualquer implante hormonal
manipulado. Diante da ponderação das entidades médicas, em novembro republicou
a decisão, abrindo espaço ao uso médico. Foram liberados os implantes para
tratamentos de reposição hormonal e anticoncepcionais. Continuaram vetados
aqueles à base de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com fins
estéticos ou para melhorar o desempenho esportivo. A propaganda permanece
proibida em qualquer caso.
As regras para prescrição e venda se tornaram
mais rígidas. O médico que recomendar o implante terá de inserir na receita o
código da condição clínica tratada. Será obrigatória a assinatura de um Termo
de Responsabilidade por médico, paciente e responsável pela farmácia de
manipulação. Nas regras, de acordo com certas interpretações, a Anvisa tornou
as farmácias de manipulação corresponsáveis “em casos de má prescrição ou uso
inadequado”.
Procedimentos estéticos disseminados nas redes sociais sem nenhum cuidado podem ser sedutores. À primeira vista, parecem a fórmula ideal para adquirir corpos atraentes, ganhar massa muscular e melhorar o desempenho. Mas essa é apenas parte da história. Os riscos são graves — e imprevisíveis. Superam qualquer benefício que o procedimento poderia proporcionar. Qualquer um deve ter liberdade para fazer suas escolhas, mas é obrigação do Estado zelar pela saúde de todos. Isso inclui alertar sobre os riscos. As novas normas da Anvisa poderão evitar que os desavisados caiam no conto do “chip da beleza”.
Falta de Orçamento espelha incerteza fiscal
em 2025
Folha de S. Paulo
Ano começará sem que se saibam impactos dos
juros e do pífio pacote de corte de gastos; Lula perdeu margem de protelação
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
iniciará mais um ano sem Orçamento aprovado pelo Congresso, o que é sintoma e
agravante da má gestão e das incertezas que hoje cercam as finanças públicas.
O atraso reflete tanto a demora do Executivo
em anunciar seu prometido pacote de contenção de gastos —que se mostrou
frustrante e acelerou a alta do dólar e
dos juros—
como a sanha de deputados e senadores para abocanhar
mais recursos públicos por meio de suas emendas.
Enquanto não fecharam acordo com o Planalto
para a liberação do pagamento das emendas, os parlamentares paralisaram as
votações das medidas fiscais, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do
Orçamento.
O pacote, já
tímido, foi afrouxado, não se sabe ao certo o quanto. A Fazenda, que
não tem primado pela precisão de suas estimativas, calculou uma perda de R$ 2,1
bilhões, de R$ 71,9 bilhões para R$ 69,8 bilhões, na economia esperada
neste ano e no próximo. Já entre analistas de mercado, a desidratação projetada
ficou entre R$ 8 bilhões e R$ 20 bilhões.
A LDO —que, como o nome indica, fixa normas
para a elaboração e a execução do Orçamento, incluindo a meta para o saldo das
contas do Tesouro Nacional— só foi aprovada pelo Congresso em 18 de dezembro,
enquanto a legislação prevê que isso deve ocorrer no primeiro semestre
legislativo.
Foi com a mudança da meta para 2025, em
abril, que a administração petista despertou o processo de desconfiança
crescente quanto a seu compromisso com o programa de ajuste fiscal. Em vez de
um superávit primário (sem contar despesas com juros) de 0,5% do PIB, cerca de
R$ 60 bilhões, o governo passou a mirar resultado zero, sendo admitido um
déficit de até R$ 30,9 bilhões.
A LDO incorporou ainda uma regra que gera
críticas por potencialmente permitir gastos de estatais dependentes do Tesouro
fora dos limites orçamentários, além de dezenas de dispositivos votados de
última hora pelos congressistas, cujos impactos ainda não são sabidos ao certo.
Quanto ao Orçamento, o relator do projeto,
senador Ângelo Coronel (PSD-BA), já
adiantou à Folha as dificuldades
que antevê para a votação no início de 2025, dado o conflito entre
os Poderes provocado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal contra o
pagamento de emendas.
Apresentada no final de agosto, a peça logo
despertou ceticismo em relação à grande elevação prevista das receitas. Novas
dúvidas surgem agora com o choque de juros promovido pelo Banco Central,
cujo objetivo é conter a inflação esfriando
a economia —o que impacta a arrecadação.
O governo Lula passou quase todo o ano de
2024 semeando expectativas de providências mais ambiciosas para conter seu
déficit e a escalada da dívida pública. Com o dólar acima de R$ 6, a margem
para protelações se esgotou. É necessário dirimir com urgência as múltiplas
dúvidas quanto às contas de 2025.
Tarifa de ônibus precisa ser fixada com
realismo
Folha de S. Paulo
Ao protelar reajuste em SP, Nunes expandiu
subsídios; deve-se estimular concorrência e focar em estratos de baixa renda
Elevar o preço da passagem de ônibus pode
ser mexer num vespeiro —recordem-se os protestos pelo país em 2013 que tiveram
como estopim uma alta de R$ 0,20 em São Paulo.
Mas, mesmo impopulares, reajustes são necessários para manter a
sustentabilidade do sistema e a ordem nas contas públicas.
O prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), anunciou
que a
partir do dia 6 de janeiro a tarifa passará de R$ 4,40 para R$ 5 —alta
de 13,6%. Desde a ultima alteração, em 2020, quando subiu de R$ 4,30 para o
valor atual, a inflação foi
de 32%.
As críticas vieram. A Justiça paulista acatou
parte de uma ação de parlamentares do PSOL e
pediu explicações à prefeitura; representantes da sociedade civil no Conselho
Municipal de Transporte e Trânsito divulgaram
carta contra a mudança; futuros vereadores acionaram o Judiciário
para questionar a reunião do CMTT.
Por óbvio, o tema está aberto a debates, mas
é preciso ter em mente que o congelamento da tarifa —assim como a
gratuidade aos domingos e para alguns estratos da população—
implica alto gasto de verbas públicas, que poderiam ser direcionadas a setores
que gerariam efeitos reais na redução de desigualdades, como saúde e educação.
Assim, o reajuste é correto e até tardio. Ao
protelá-lo, Nunes fez com que os subsídios para as empresas de transporte se
expandissem de modo insustentável, impactando o Orçamento.
As despesas nessa rubrica saltaram de R$ 3,3
bilhões em 2021 para R$ 6,7 bilhões neste ano. O valor, bancado pelo
contribuinte, equivale a 58,7% do custo total do sistema neste ano (11,4
bilhões). Os restantes R$ 4,6 bilhões, pagos pelos passageiros, constituem a
menor cifra desde 2021.
O fato de a prefeitura ter gastado 19,6%
acima do previsto para 2024 (5,6 bilhões) revela a fragilidade da política de
subsídios quando ela se assenta mais em demagogia do que na realidade.
É preciso que as tarifas sejam reajustas do
modo periódico, como ocorre com preços de bilhetes de trem e metrô, e que
subsídios e gratuidades sejam direcionados à população de baixa renda.
Ademais, para aumentar a eficiência do
sistema, com novas tecnologias e redesenho de linhas, e o número de
passageiros, deve-se estimular a concorrência. Para isso, não pode haver
excesso de exigências para que novas e pequenas empresas participem dos processos
de licitação.
Trata-se de zelar pelo uso racional do dinheiro do contribuinte para alcançar os melhores resultados possíveis, o que é dever de legisladores e gestores.
Para o governo, 1 mais 1 dá 3
O Estado de S. Paulo
Depois de atribuir a má recepção do pacote fiscal a ruídos de comunicação, Haddad reconhece haver ‘inconsistência’ na promessa de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse
que a reforma tributária sobre a renda será enviada ao Congresso em 2025.
Segundo ele, a intenção do governo era remetê-la ao Legislativo ainda neste
ano, mas a equipe econômica percebeu que o modelo apresentou uma
“inconsistência” que deverá ser corrigida pela Receita Federal antes de remeter
o projeto de lei ao Legislativo.
O ministro não deu muitos detalhes sobre essa
“inconsistência”, mas aparentemente ela não tem nada de trivial. O imbróglio se
deve à promessa de isentar do Imposto de Renda (IR) os trabalhadores que ganham
até R$ 5 mil mensais. Essa perda deveria ser compensada pela taxação mínima de
10% para aqueles que recebem mais de R$ 50 mil por mês, alguns como pessoas
físicas e muitos por meio de pessoas jurídicas.
Ao rodar o modelo considerando essas
mudanças, a conta não fechou. E, agora, caberá aos auditores calibrar o sistema
para manter a carga tributária neutra, de forma a garantir que o somatório da
arrecadação dos impostos que incidem sobre pessoas físicas e jurídicas se
mantenha estável após a reforma.
De fato, não parecia crível abrir mão de uma
arrecadação líquida e certa, como a que incide sobre os salários e é retida na
fonte, para compensá-la por meio da taxação de grupos privilegiados que
conseguem reduzir o pagamento de impostos via planejamento tributário. Em ordem
de grandeza, enquanto a primeira beneficiaria milhões de pessoas, a segunda
alcançaria milhares.
Ainda que a arrecadação de uma recompusesse a
perda da outra, o correto seria apresentar notas técnicas que mostrassem como o
governo chegou a esses números. Afinal, trata-se de um reajuste e tanto
considerando a atual faixa de isenção de IR, de até R$ 2.824,00 mensais. Ao não
apresentar seus cálculos, o governo deu a deixa para que outras instituições
fizessem suas próprias contas.
Segundo a Associação Nacional dos Auditores
Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Sindical), a isenção de IR para
ganhos de até R$ 5 mil atingiria 9,6 milhões de pessoas e geraria uma perda de
arrecadação anual de R$ 51 bilhões, ampliando o universo de contribuintes
isentos para 26 milhões.
É inegável que a isenção de IR para quem
recebe até R$ 5 mil foi a grande responsável pela péssima repercussão que o
pacote fiscal teve no mercado. E o fato de que o anúncio foi feito em cadeia
nacional de rádio e TV por ninguém menos que o próprio ministro da Fazenda só
piorou a situação.
Haddad, no entanto, insistia na tese de que o
que havia eram apenas “ruídos”. Era como se o mercado tivesse feito uma leitura
errada do pacote, e bastaria que o governo mostrasse esse equívoco para que o
dólar e a curva de juros futuros recuassem e a confiança fosse recuperada.
A verdade é que os investidores rapidamente
perceberam que o que havia ali não era um problema de comunicação, mas um
problema de matemática. O ministro, por sua vez, só reconheceu a
“inconsistência” da proposta depois que o pacote já havia sido aprovado e
esvaziado no Congresso.
Fato é que as incertezas seguem contaminando
as expectativas, com o dólar acima de R$ 6,00 e os juros futuros a mais de 15%
para vários vencimentos. Afinal, tudo que o Executivo conseguiu foi reduzir o
ritmo de crescimento de algumas despesas, e não o corte estrutural para
preservar o arcabouço fiscal, que sinalizou ao mercado que faria entre o
primeiro e o segundo turnos das eleições municipais.
Se em 2023 o ministro encerrou o ano com a
aprovação de praticamente todas as medidas de sua agenda econômica, 2024
termina com o gosto amargo das promessas descumpridas. Mas em vez de buscar
ativamente o equilíbrio fiscal, a única forma de reconquistar a confiança do
mercado, o governo terceiriza responsabilidades e usa a máquina pública para
investigar um suposto conluio do mercado contra sua gestão.
Enquanto celebra o crescimento do PIB e a
queda do desemprego, o governo finge não ver a inflação fora da meta. Mais útil
seria compreender que os riscos que o mercado enxerga no futuro são exatamente
os mesmos que o Executivo minimiza no presente.
O avanço das facções na Amazônia
O Estado de S. Paulo
Crime organizado se alastra em alta
velocidade e, diante da tibieza do Estado, amplia as fronteiras do tráfico de
drogas, diversifica os negócios ilícitos e vira o grande empregador da região
As facções criminosas avançam sobre
municípios da Amazônia Legal em alta velocidade. Hoje, nada menos que um terço
das cidades da região convive com o crime organizado, segundo o mais recente
relatório Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula. Entre 2022 e
2023, saltou de 178 para 260 o número de municípios em que esses bandos atuam.
São grupos nascidos principalmente no
Sudeste, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC),
mas que, diante da tibieza do Estado no combate à violência, fincam suas raízes
na região ao passo que expandem as fronteiras de seus negócios ilícitos. Toda a
Amazônia Legal, que engloba 9 Estados, soma 772 cidades.
Enquanto as facções alcançam mais municípios,
o poder do crime se concentra. O número de organizações caiu de 22 para 19. O
CV domina 130 municípios e o PCC, 28. E isso pode ajudar a explicar até mesmo a
queda de homicídios. Ante o primeiro relatório, com dados de 2021, o número de
mortes violentas caiu 6,2% em 2023. São 32,3 óbitos por 100 mil habitantes, mas
ainda 41,5% acima da média nacional. Nas cidades onde há duas ou mais facções,
predominam os conflitos e impera o terror.
O ritmo da expansão do crime organizado na
Amazônia Legal é “surpreendente”, na avaliação dos autores. Mas não é difícil
entender esse avanço. A demanda mundial por cocaína cresce, o que implica
aumento da oferta. A região faz fronteira com países produtores, como Bolívia,
Colômbia e Peru. E, com o foco do PCC no escoamento da cocaína paraguaia pelo
Porto de Santos para o mercado europeu, uma ampla frente logística se abre ao
norte para seu principal concorrente, o CV.
A força do narcotráfico é uma novidade da
última década na vida do povo amazônico. Mas desde a segunda metade do século
20 o crime impõe suas regras na região, com grileiros, garimpeiros e
madeireiros como os grandes protagonistas das práticas ilícitas.
São décadas de omissão do poder público, o
que alimenta disputas agrárias que destroem a floresta e amedrontam a
população. É isso o que explica, por exemplo, o registro de mais de 20 mil
propriedades ilegais que se espalham por unidades de conservação, terras
públicas sem destinação e terras indígenas, nas quais a floresta dá lugar a
monoculturas e pastagens para o gado.
Todos esses crimes têm como pano de fundo
disputas fundiárias. E o resultado de anos de ausência estatal é a sobreposição
de ilícitos. Hoje, organizações criminosas se associam aos veteranos
devastadores. Versadas no crime, as facções passaram a atuar no comércio em
áreas de garimpo, na exploração ilegal de ouro, na grilagem, no contrabando de
madeira e minérios e até mesmo no agronegócio para lavar dinheiro. Não à toa,
esse quadro leva o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, a afirmar que o
crime é o maior empregador na Amazônia.
A solução para tantos problemas passa pela
mobilização de municípios, Estados e União. E, para isso, o FBSP lista uma
série de medidas. Entre elas estão o aperfeiçoamento do Cadastro Ambiental
Rural (CAR) para que se reduzam as invasões de terras protegidas; a
qualificação da investigação criminal e de mecanismos de combate à lavagem de
dinheiro com o fortalecimento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf); e a articulação entre as instituições de segurança pública estaduais e
federais, órgãos de controle ambiental e da Justiça.
A tarefa que se impõe às autoridades é
diretamente proporcional à vastidão do território amazônico e, por isso mesmo,
exige menos barulho e mais inteligência. Esse trabalho demanda a união de
esforços para a implementação de políticas públicas que estimulem a
bioeconomia, impulsionem pesquisas científicas na região e ofereçam
alternativas legais de trabalho e renda à população local.
Sobram caminhos para o enfrentamento do
crime. O que não pode faltar é vontade política para estrangulá-lo, sobretudo
na região com a maior biodiversidade do planeta e crucial para o futuro da
humanidade. A responsabilidade do Brasil é imensa.
Google, o novo ‘inimigo do povo’
O Estado de S. Paulo
Erro do buscador na cotação do dólar é
tratado pelo governo como conspiração contra o Brasil
No dia 25 de dezembro passado, quem
pesquisasse a cotação do dólar no Google obtinha como resposta o valor de R$
6,35, nada menos que R$ 0,20 acima da cotação real. Tratava-se de algo sem
muita relevância, a não ser para o circo das redes sociais, e o erro foi logo
corrigido, mas o governo de Lula da Silva, empenhadíssimo em demonstrar que a
moeda brasileira está sob ataque especulativo das forças ocultas do mercado,
parece inclinado a tomar esse caso como prova de suas teorias da conspiração –
e, de quebra, ainda pretende fustigar uma das principais Big Techs, empresas
que, segundo Lula disse numa entrevista à TV Record em julho passado, ganham
dinheiro “disseminando inverdades”.
A Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu
reunir subsídios para eventual atuação relacionada à informação incorreta e
solicitou dados ao Banco Central (BC). De acordo com reportagem do Estadão/Broadcast,
a intenção seria acionar a plataforma judicialmente.
Muitos fatores levaram à disparada do dólar.
Mas nenhum deles pesou tanto quanto a timidez do pacote fiscal e a falta de
empenho do Executivo em defendê-lo. O Palácio do Planalto, porém, decidiu
recorrer à surrada tática lulopetista de inventar complôs de “inimigos do
povo”, em vez de assumir a responsabilidade pela deterioração cambial, inflação
fora da meta e trajetória de alta da dívida pública. Aos poucos, o governo vai
construindo sua narrativa de vitimização.
Se há uma vítima, há um algoz, e esse algoz
tem nome e sobrenome: “Faria Lima”. Como se fosse uma sociedade secreta que
opera nas sombras para destruir o País, a “Faria Lima” inventada pelos petistas
cria e dissemina desinformação por meio de seus cúmplices nas Big Techs.
O ministro da Secretaria de Comunicação
Social (Secom), Paulo Pimenta, chegou a ir às redes sociais dizer que “a
indústria das fake news está trabalhando mais uma vez contra o Brasil”, por
causa de uma declaração falsamente atribuída a Gabriel Galípolo, futuro
presidente do BC, de que consideraria “artificial” a alta do dólar. Galípolo
desestimulou esse devaneio, mas a indústria petista de distorção da realidade
para seus propósitos políticos é imparável. A investida da AGU parece fazer
parte desse esforço.
O órgão enviou ofícios à Polícia Federal (PF)
e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos quais pediu a instauração de
“procedimentos policial e administrativo” a fim de investigar fake news de
redes sociais. Depois disso, voltou a artilharia contra o Google por causa da
cotação do dólar. No despacho em que a Procuradoria-Geral da União registra a
solicitação da AGU, lê-se que o assunto é “defesa do Estado e das instituições
democráticas”. Nada menos.
É bastante improvável que toda essa patranha resulte em alguma coisa prática, mas sua utilidade já se tornou evidente: ajuda a alimentar a farsa segundo a qual o País está sob ataque e que, não fosse o complô dos desalmados operadores do mercado e seus sócios nas Big Techs contra Lula e o governo do PT, o Brasil estaria voando.
O que nos permite olhar adiante
Correio Braziliense
Concluímos 2024 com a convicção de que a
mancha do golpismo está sendo removida — não sem o esperneio de seus adeptos e
porta-vozes — por meio do necessário remédio: o devido processo legal
Quando se tenta enxergar além do horizonte
deste 2025 que vem chegando, o que se percebe, a preços de hoje, é que tem tudo
para ser um ano difícil na economia e que as relações entre o Palácio do
Planalto e o Congresso prenunciam manterem-se em níveis pouco amistosos. Arthur
Lira deixa a presidência da Câmara, mas isso não quer dizer que prescindirá da
influência consolidada em dois mandatos à frente da Casa. Isso permite antever
que as matérias relacionadas à estabilização das contas públicas continuarão enfrentando
tramitações difíceis. Nesse jogo de influência, o deputado Hugo Motta —
provável sucessor de Lira — tem dado indicações de que se alinhará àquele que
ainda ocupa a cadeira mais elevada do plenário.
Mas isso faz parte do permanente cabo de
guerra travado entre os poderes da República quando prevalece a democracia. O
ser estranho neste cenário é o golpismo, a excitação de grupos radicais —
militares e civis — que se acreditam virtuosos e únicos capazes de conduzir o
Brasil ao paraíso bíblico que imaginam existir. Para eles, a lei tem sido
implacável. E isso permite dizer que, nesta seara, o país fecha o ano em
condições de olhar para frente com a cabeça erguida.
A corroborar isso, pesquisa de opinião
divulgada em 18 de dezembro mostra que 52% dos brasileiros acreditam que se
arquitetou, e foi levada adiante, uma tentativa de golpe de Estado em 2022.
Eventos ocorridos antes, reforçados por discursos e gestos registrados para a
posteridade, e provas coletadas depois, não dão margem a qualquer dúvida sobre
a ruptura institucional que estava a caminho. Da parte dos personagens
envolvidos na trama, jamais houve dubiedade sobre o que pretendiam.
Ainda que enxerguem violações a uma lei que
não lhes serve, porque não os beneficia nem dá suporte aos seus atos, seus
advogados não podem jamais negar que lhes é cerceada a defesa. Para eles, e
para o restante da sociedade, o Judiciário permanece aberto a melhor
argumentação dentro das balizas legais. Algo que não é possível acreditar que
ocorreria caso o país vivesse uma exceção institucional.
Fechamos 2022 sob a tensão, e os indícios, de que se urdia um ataque frontal e definitivo à democracia. Encerramos 2023 sob a preocupação de que esta ameaça não esteja completamente dissipada. Mas concluímos 2024 com a convicção de que a mancha do golpismo está sendo removida — não sem o esperneio de seus adeptos e porta-vozes — por meio do necessário remédio: o devido processo legal.
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