Valor Econômico
A volatilidade vai se materializar e
pressionar juro, câmbio e inflação. É esta base que ditará o mercado de apelos
eleitorais, do combate à corrupção à estabilidade da economia
“Não adianta nada a gente fiscalizar o
governo federal se a gente não fiscaliza também a nossa Casa (...) Se o salário
que ganha aqui, mais os benefícios e privilégios, não são suficientes, pede pra
sair em vez de ficar fazendo sacanagem (...) Vocês estão com pânico, não é,
seus canalhas? (...) Desviar dinheiro público e ainda fazer obra
superfaturada”. Cleiton Gontijo de Azevedo, o Cleitinho (Republicanos-MG),
subiu à tribuna do Senado na terça para se dirigir aos colegas.
Cleitinho é de uma família de médios comerciantes do interior, base do populismo de direita que ascendeu em 2018 e quase vencia em 2022. Nas duas eleições, o senador foi de Jair Bolsonaro. Quando o Senado votou a indicação de um dos seus algozes, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal, Cleitinho votou contra. Isso não o impediu de defender o ministro nesta terça: “Flávio Dino está correto e tem meu apoio”.
No mesmo dia, a bancada do Psol na Câmara
entrou com um mandado de segurança contra ato do presidente da Casa que ampliou
seu controle e dos líderes sobre o destino das emendas de comissão, como
demonstrou Breno Pires, da “piauí”. Cleitinho também rumou para o lado do Psol
ao apoiar o fim da jornada de trabalho 6x1 encabeçada pela deputada Erika
Hilton (SP). Cleitinho e Erika sinalizam os rumos da política. Como o Congresso
não tem o que mostrar nos temas, é natural que os parlamentares estejam a
procurar alternativas para não serem defenestrados.
Num momento em que a Fazenda tenta adequar o
crescimento de todas as despesas públicas às regras do arcabouço, o Congresso
abriu exceção ao fundo partidário. Também excetuou as emendas das despesas que
podem vir a ser alvo de contingenciamento. A ver como entregará o corte de
supersalários a partir do acordo de ontem para a retomada de projeto que
tramita no Senado. É para este fosso que o Congresso empurra o Executivo.
Os parlamentares garantem recursos com os
quais confiam poder renovar seus mandatos de vereadores federais, estreitam
ainda mais a margem de manobra para um Executivo, que já é relutante no tema,
cumprir as metas fiscais, e ruma para carimbar a gestão Lula como a mais
perdulária da história com emendas. Face ao golpismo, o populismo de direita se
recicla. Enquanto o governo, emparedado pela necessidade do ajuste, queima
pontes com anseios do eleitorado.
Ou melhor, acende uma vela a Deus e outra ao
diabo. A mesma Advocacia-Geral da União que tentou, sem sucesso, demover Dino
das condições impostas à execução das emendas, baixou normas para que os
ministérios o fizessem numa tentativa de contornar a Corte. Como não foi
suficiente para dar tranquilidade aos ordenadores de despesas, parecer da
Secretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência atestou a legalidade das
liberações.
Entre um e outro documento, a
Controladoria-Geral da União, instância que tem municiado o STF sobre gastos
das emendas nos municípios, lançou o plano de integridade e combate à corrupção
para os próximos dois anos. O documento teve a colaboração de toda a Esplanada.
Não tem como cumprir tudo que está ali e liberar as emendas nos termos exigidos
pelas gangues do Congresso.
A aprovação do ajuste na Câmara reflete o
êxito da banda do governo pró-liberação, mas isso não significa o fim do jogo.
Quando o recesso se iniciar, apenas o Congresso vai parar. Entre os ministros
que vão continuar a despachar estão dois dos que mais têm chacoalhado a nação,
Alexandre de Moraes e Flavio Dino. Se, dos despachos do primeiro, depende o
destino de Bolsonaro, do segundo depende muito do que se verá no segundo biênio
no embate entre os Poderes e na moldura dos valores eleitorais de 2026.
As bases materiais deste segundo biênio,
porém, virão das votações. A escalada do dólar a despeito da conclusão da
reforma tributária, que aponta para a melhoria no potencial de crescimento da
economia, já começa a levantar dúvidas se a aprovação do pacote fiscal será
suficiente para aplacar aquilo que o presidente da Febraban, Isaac Sidney,
chamou de “irracionalidade” dos ativos e onde o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, vê as digitais de um movimento especulativo.
A aposta contra o real motivou uma reação
conjunta do Banco Central e do Tesouro, com leilões e recompra de títulos como
não se via desde a crise de 2008, que varreu os mercados no mundo inteiro. Por
mais que pareçam evidentes as dificuldades de o governo cumprir a meta de
déficit zero em 2024, as bases reais da economia não parecem sustentar tamanha
volatilidade.
Não é um movimento isolado. O único momento
em que o câmbio caiu aquém de R$ 6 em dezembro foi no dia em que se anunciou
novo procedimento no cérebro do presidente. Um dos picos da semana foi
provocado por fala falsamente atribuída ao futuro presidente do Banco Central,
Gabriel Galípolo. Do pico de queda ao de alta pode haver uma montanha de
explicações, mas nelas se refugia também a política. Na amostra obtida pela
Quaest com operadores do mercado, o embate entre o presidente Lula e Pablo
Marçal colheu um placar de 17 x 65.
A expectativa na noite desta quarta, com a
aprovação do ajuste na Câmara, era de que o dólar voltasse aos R$ 6. A ver como
este patamar pressionará a trinca de fatores que tira o sossego dos
governantes: juro, câmbio e inflação. É esta base que ditará o mercado de
apelos eleitorais que abrirá o ano de 2025, do combate à corrupção à
estabilidade da economia.
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