quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

A semana que dita o mercado de valores de 2026 - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

A volatilidade vai se materializar e pressionar juro, câmbio e inflação. É esta base que ditará o mercado de apelos eleitorais, do combate à corrupção à estabilidade da economia

“Não adianta nada a gente fiscalizar o governo federal se a gente não fiscaliza também a nossa Casa (...) Se o salário que ganha aqui, mais os benefícios e privilégios, não são suficientes, pede pra sair em vez de ficar fazendo sacanagem (...) Vocês estão com pânico, não é, seus canalhas? (...) Desviar dinheiro público e ainda fazer obra superfaturada”. Cleiton Gontijo de Azevedo, o Cleitinho (Republicanos-MG), subiu à tribuna do Senado na terça para se dirigir aos colegas.

Cleitinho é de uma família de médios comerciantes do interior, base do populismo de direita que ascendeu em 2018 e quase vencia em 2022. Nas duas eleições, o senador foi de Jair Bolsonaro. Quando o Senado votou a indicação de um dos seus algozes, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal, Cleitinho votou contra. Isso não o impediu de defender o ministro nesta terça: “Flávio Dino está correto e tem meu apoio”.

No mesmo dia, a bancada do Psol na Câmara entrou com um mandado de segurança contra ato do presidente da Casa que ampliou seu controle e dos líderes sobre o destino das emendas de comissão, como demonstrou Breno Pires, da “piauí”. Cleitinho também rumou para o lado do Psol ao apoiar o fim da jornada de trabalho 6x1 encabeçada pela deputada Erika Hilton (SP). Cleitinho e Erika sinalizam os rumos da política. Como o Congresso não tem o que mostrar nos temas, é natural que os parlamentares estejam a procurar alternativas para não serem defenestrados.

Num momento em que a Fazenda tenta adequar o crescimento de todas as despesas públicas às regras do arcabouço, o Congresso abriu exceção ao fundo partidário. Também excetuou as emendas das despesas que podem vir a ser alvo de contingenciamento. A ver como entregará o corte de supersalários a partir do acordo de ontem para a retomada de projeto que tramita no Senado. É para este fosso que o Congresso empurra o Executivo.

Os parlamentares garantem recursos com os quais confiam poder renovar seus mandatos de vereadores federais, estreitam ainda mais a margem de manobra para um Executivo, que já é relutante no tema, cumprir as metas fiscais, e ruma para carimbar a gestão Lula como a mais perdulária da história com emendas. Face ao golpismo, o populismo de direita se recicla. Enquanto o governo, emparedado pela necessidade do ajuste, queima pontes com anseios do eleitorado.

Ou melhor, acende uma vela a Deus e outra ao diabo. A mesma Advocacia-Geral da União que tentou, sem sucesso, demover Dino das condições impostas à execução das emendas, baixou normas para que os ministérios o fizessem numa tentativa de contornar a Corte. Como não foi suficiente para dar tranquilidade aos ordenadores de despesas, parecer da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência atestou a legalidade das liberações.

Entre um e outro documento, a Controladoria-Geral da União, instância que tem municiado o STF sobre gastos das emendas nos municípios, lançou o plano de integridade e combate à corrupção para os próximos dois anos. O documento teve a colaboração de toda a Esplanada. Não tem como cumprir tudo que está ali e liberar as emendas nos termos exigidos pelas gangues do Congresso.

A aprovação do ajuste na Câmara reflete o êxito da banda do governo pró-liberação, mas isso não significa o fim do jogo. Quando o recesso se iniciar, apenas o Congresso vai parar. Entre os ministros que vão continuar a despachar estão dois dos que mais têm chacoalhado a nação, Alexandre de Moraes e Flavio Dino. Se, dos despachos do primeiro, depende o destino de Bolsonaro, do segundo depende muito do que se verá no segundo biênio no embate entre os Poderes e na moldura dos valores eleitorais de 2026.

As bases materiais deste segundo biênio, porém, virão das votações. A escalada do dólar a despeito da conclusão da reforma tributária, que aponta para a melhoria no potencial de crescimento da economia, já começa a levantar dúvidas se a aprovação do pacote fiscal será suficiente para aplacar aquilo que o presidente da Febraban, Isaac Sidney, chamou de “irracionalidade” dos ativos e onde o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vê as digitais de um movimento especulativo.

A aposta contra o real motivou uma reação conjunta do Banco Central e do Tesouro, com leilões e recompra de títulos como não se via desde a crise de 2008, que varreu os mercados no mundo inteiro. Por mais que pareçam evidentes as dificuldades de o governo cumprir a meta de déficit zero em 2024, as bases reais da economia não parecem sustentar tamanha volatilidade.

Não é um movimento isolado. O único momento em que o câmbio caiu aquém de R$ 6 em dezembro foi no dia em que se anunciou novo procedimento no cérebro do presidente. Um dos picos da semana foi provocado por fala falsamente atribuída ao futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Do pico de queda ao de alta pode haver uma montanha de explicações, mas nelas se refugia também a política. Na amostra obtida pela Quaest com operadores do mercado, o embate entre o presidente Lula e Pablo Marçal colheu um placar de 17 x 65.

A expectativa na noite desta quarta, com a aprovação do ajuste na Câmara, era de que o dólar voltasse aos R$ 6. A ver como este patamar pressionará a trinca de fatores que tira o sossego dos governantes: juro, câmbio e inflação. É esta base que ditará o mercado de apelos eleitorais que abrirá o ano de 2025, do combate à corrupção à estabilidade da economia.

 

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