O Estado de S. Paulo
Até quando o País aguentará que certas saúvas sigam trabalhando para acabar com o crescimento econômico e a normalidade dos mercados?
A festa acabou, o povo sumiu e anoite
esfriou, parafraseando Carlos Drummond de Andrade. Entretanto, o Congresso
Nacional continua coma faca no pescoço do ministro da Fazenda, na busca por
mais e mais emendas parlamentares e benesses. É preciso aprovar as ações de
ajuste fiscal e retomar a responsabilidade com o dinheiro público.
A farra com as emendas parlamentares chegou ao limite de ensejara atuação do próprio Supremo Tribunal Federal( STF ), a partir da correta decisão do ministro Flávio Dino. Ela obriga à transparência e delimita os parâmetros para organizar o coreto. Contudo, em plena votação do pacote de ajuste fiscal, as lideranças do Congresso partilham na penumbra vultosos recursos públicos – antes, vale dizer, bloqueados pela atuação do STF.
A falta de republicanismo é flagrante. Mas
nãoé só um problema ético, mora leque ameaça a democracia, no sentido de abalar
o processo orçamentário típico. É também o sintoma de um sistema político
doente ecada vez mais distante das reais necessidades do povo brasileiro.
Veja-se, por exemplo, a matéria do programa Fantástico, da TV Globo, que
mostrou orecapeamento asfáltico financiado por emendas, em determinadas
localidades, em condições mais parecidas com um “chiclete”. Para onde foi o
dinheiro?
A lambança promovida pelo Congresso tem
consequências sobre a economia, para além do mau uso do recurso público, cada
vez mais escasso em um contexto de dívida pública crescente. O mercado
precifica a irresponsabilidade fiscal nos juros e dólar mais caros. Não tem
nada a ver com o maquiavelismo do mercado sugerido por lideranças petistas nos
últimos dias. Ora, vejam, não temos hoje no Banco Central diversos diretores
apontados pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Como vão culpar,
agora, o competente Roberto Campos Neto? Sinuca de bico para a retórica de
boteco adotada por esse setor da política que, aliás, compõe a própria base
governista.
O País precisa urgentemente de um choque
fiscal. A dívida pública vai alcançar os 80% do Produto Interno Bruto (PIB),
rapidamente, e a tarefa de estabilizar esse indicador poderá transformar-se em
missão impossível. Tudo depende da elite política do País e de sua consciência.
O dinheiro acabou, nobres parlamentares. Já rasparam o tacho, já distorceram a
reforma tributária do consumo enfiando mais benefícios para a Zona Franca de
Manaus e diversos setores amigos do rei. O que mais os senhores pretendem?
Agora, desidratam os projetos e a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) enviada pelo Executivo para providenciar um ajuste
fiscal mínimo. Atuam como se Brasília fosse uma espécie de bolha apartada da
sociedade brasileira e da economia. Enquanto a pobreza e a miséria ainda
envergonham a Nação, o Congresso dá-se ao luxo de praticar o proselitismo, mas
não por ele mesmo; pior, tendo em vista mascarar seus reais objetivos de
disparar mais e mais recursos por meio de emendas, descumprindo a decisão do
STF.
Até quando o País aguentará que certas saúvas
sigam trabalhando para acabar com a prosperidade, o crescimento econômico e a
normalidade dos mercados? Estamos chegando a um limite preocupante. O ministro
da Fazenda parece voz isolada. O presidente da República tem de entrar no jogo
e mostrar de que lado está: do populismo barato, com medidas impensadas para
ampliar a isenção do Imposto de Renda, ou do ajuste das contas e da
responsabilidade que ele mesmo chegou a defender e a praticar?
Deixar nas mãos do Banco Central a tarefa de
restabelecer a normalidade na economia nacional vai significar juros nas
alturas e crescimento econômico no chão. A elevação da Selic é o instrumento de
que a autoridade monetária dispõe, bem como as intervenções no mercado de
dólar. Mas o uso dessa caixa de ferramentas não servirá para muita coisa se o
Congresso não avançar na direção do ajuste fiscal proposto pelo governo.
É hora de apoiar o programa de contenção de
gastos. Mais do que isso, de aprimorá-lo e de ampliá-lo. A dívida pública não
vai se estabilizar apenas com as ações anunciadas. Sobretudo, não estacionará
na presença de juros ainda mais elevados, já contratados em 14,25% ao ano após
a última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom).
Para ter claro, o déficit primário projetado
para o ano que vem, mesmo sob os efeitos do novo pacote, tende a ficar acima de
R$ 90 bilhões. A meta zero, como se vê, está muito distante. Pior, para
estabilizar a dívida/PIB, é preciso produzir superávit primário. Com juros
reais de 10%, nível para o qual estamos caminhando sem atalhos, mesmo que a
economia cresça em torno de 3%, seria preciso gerar superávit primário de mais
de 5,5% do PIB. É impraticável. A conta evidencia o tamanho do pesadelo em que
nos metemos por pura inépcia.
O governo tem culpa na demora para enviar as
medidas de ajuste, na contratação de gastos desnecessários desde o início do
mandato atual e na falta de foco na tesoura. Entretanto, tomou uma decisão
correta, agora, ao enviar um pacote de contenção de gastos. O Congresso tem de
acordar para a realidade e deixar de lado a mesquinharia que parece ter
dominado o Plenário Ulysses Guimarães.
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