Ataques de Lula e do PT ao BC desafiam a lógica
O Globo
Principal culpado da disparada do dólar e dos
juros é o desdém dos petistas pela gravidade da crise fiscal
Não há justificativa para o ataque contínuo
do PT à política monetária do Banco Central (BC).
Pela gravidade do momento, é hora de seriedade. Depois de enfrentar o
terraplanismo na saúde durante o governo passado, os brasileiros são agora alvo
de teses fantasiosas na economia, vindas de uma gestão que simplesmente se
recusa a assumir a responsabilidade pela incerteza que semeou nos mercados ao
recusar promover um ajuste fiscal na medida necessária.
O recrudescimento dos ataques ao BC nos últimos dias começou com o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista ao Fantástico, Lula retomou suas críticas à alta dos juros. “A única coisa errada nesse país é a taxa de juros”, disse. “Não há nenhuma explicação. A inflação está quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal”. A explicação, obviamente, está clara para qualquer um que leia a ata do Comitê de Política Monetária do BC: as expectativas inflacionárias se deterioraram diante das repetidas declarações e atitudes de Lula e de seu governo diante da crise fiscal. O remédio recomendado pela ciência econômica nesses casos é subir os juros.
Ainda assim, na terça-feira a presidente do
PT, a deputada federal Gleisi
Hoffmann, usou uma rede social para defender uma “nova política
monetária”, com instrumentos que “não se curvem às chantagens e ao oportunismo
financista”. Para evitar que os juros subam, ela propõe mudar a forma como são
coletadas as expectativas. Por óbvio, uma febre não vai embora só porque alguém
decide trocar um termômetro que funciona por outro pior. A investida é grave.
Lula, Gleisi e companhia teimam em não entender que, quanto mais falam absurdos
que desafiam a ciência econômica, mais alta fica a conta que todos os
brasileiros terão de pagar.
Ao contrário do que diz o presidente, a
inflação não está controlada. A previsão hoje é que os índices deste ano e do
próximo superem a meta. Diante desse quadro, os diretores do BC, cujo mandato é
manter a estabilidade dos preços, são obrigados a aumentar os juros. Foi assim
que o Brasil venceu a hiperinflação na década de 1990, e é dessa forma que
trabalham os bancos centrais onde impera o bom senso.
O chamado de Gleisi por uma “nova política
monetária” coincide com a troca no comando do BC. Sai Roberto
Campos Neto e assume Gabriel
Galípolo, escolhido por Lula. Felizmente, a tentativa de pressão
sobre Galípolo tem tudo para não dar em nada. Todas as votações do Copom têm
sido unânimes, e ele e os demais diretores indicados por Lula têm plena
autonomia para cumprir o mandato do BC.
A aposta no modelo insustentável de
crescimento à base de crédito barato e gasto público sem controle já deu errado
no governo Dilma Rousseff. Mas os petistas parecem não ter aprendido nada. No
atual mandato de Lula, a relação entre a dívida pública e o PIB deverá aumentar
14 pontos percentuais. Diante da falta de confiança e do risco do endividamento
crescente, apenas um ajuste fiscal robusto será capaz de deter a disparada do
dólar e da inflação. Em maio de 2020, quando a moeda americana foi cotada a R$
4,61, Gleisi se manifestou pedindo que o governo Bolsonaro fizesse uma
autocrítica. Será que, com o dólar acima de R$ 6, o PT conseguirá, finalmente,
fazer a sua?
População brasileira manifesta apoio maciço
ao regime democrático
O Globo
Apenas 8% dizem preferir ditadura ‘em certas
circunstâncias’ — mas esse é o maior índice desde 2022
Apesar dos solavancos recentes, que puseram
em risco a sobrevivência do mais longevo período democrático da História do
Brasil, é um alento a constatação da última pesquisa Datafolha:
69% dos brasileiros consideram que a democracia é a melhor forma de governo. No
indicador que os cientistas políticos consideram mais crítico nesse tipo de
pesquisa, apenas 8% afirmam que “em certas circunstâncias” é melhor uma
ditadura que um regime democrático.
O resultado é uma prova contundente de que a
população está sintonizada com o momento político crítico por que o país passou
nos últimos dois anos, com uma tentativa de golpe de Estado, aos poucos
esmiuçada pela Polícia Federal (PF). Para a vasta maioria dos entrevistados
(68%), houve risco de golpe em 2022. Para 43%, o risco foi grande.
Não há dúvida de que o país foi confrontado
com o fantasma da ditadura depois da vitória do petista Luiz Inácio Lula da
Silva sobre Jair Bolsonaro. Inconformados com a derrota, apoiadores do então
presidente acamparam em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília,
pedindo intervenção das Forças Armadas para manter Bolsonaro no poder. Ações
antidemocráticas não cessaram com a posse de Lula. Em 8 de janeiro de 2023,
grupos bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes, no dia
mais tenso para a República desde a redemocratização.
Pelo que já se sabe, o país esteve muito
perto de um golpe sangrento. Segundo a PF, os golpistas tinham planos para
assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A intentona não se concretizou, diz
a PF, porque a cúpula do Exército não aderiu. As investigações e operações
prosseguem. No fim de semana, Moraes determinou a prisão do general da reserva
Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em
2022. Ele é acusado de ser um dos articuladores do golpe e de tentar obstruir
as investigações. É a primeira vez que um general quatro estrelas vai para a
prisão. A reação das instituições à intentona revela o amadurecimento
democrático do Brasil.
O principal ponto de atenção trazido pela
pesquisa é que, a despeito do apoio ainda maciço à democracia, ele é o menor
desde outubro de 2022 (quando chegara ao patamar recorde de 79%). Naquela
ocasião, apenas 5% afirmavam preferir a ditadura “em certas circunstâncias”. As
democracias são necessariamente imperfeitas, mas é um despropósito trocá-las
por regimes que sequestram, torturam, matam, censuram e negam direitos básicos.
A queda no apoio às democracias é uma tendência mundial. A sociedade e as instituições
brasileiras até aqui resistiram bem às investidas golpistas. É preciso que
fiquem vigilantes para impedir as sementes do golpismo de germinar.
Fed indica menos cortes, má notícia para
inflação e dólar no Brasil
Valor Econômico
Vulnerável, o país foi de novo atingido por
mudanças até certo ponto previsíveis na direção de políticas monetárias e
econômicas mundiais
O Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) reduziu o ritmo de corte nas taxas de juros, sem levar ainda em
consideração as prováveis mudanças de política econômica que serão feitas pelo
próximo presidente dos EUA, Donald Trump. Decidiu ontem uma redução dos fed
funds de 0,25 ponto percentual, para 4,5% ao ano, como era esperado, e, na
decisão mais aguardada, sobre seus futuros passos, as previsões de seus membros
indicaram que o mais adequado agora seriam dois novos cortes do mesmo tamanho,
e não quatro, como antevia em setembro. Houve um voto discordante, a favor da
manutenção da taxa de 4,5%, corroborando o quadro geral de uma instância mais
cautelosa do banco.
O mercado esperava ansiosamente a decisão
sobre a velocidade da redução dos juros. A inflação, embora ainda esteja a
caminho dos 2% desejados pelo Fed, reluta em fazê-lo: até subiu um pouco em
novembro. No gráfico de pontos, que desenha as apostas dos membros do Fed sobre
a evolução provável de variáveis econômicas para 2025, o índice de gastos
pessoais de consumo (PCE) subiu em relação a setembro - de 2,1% para 2,5%. A
projeção para o núcleo desse índice, o preferido pelo Fed, seguiu o mesmo
caminho, aumentando de 2,2% para 2,5%.
O motivo principal é que a economia americana
continua crescendo em “ritmo sólido”. A previsão para 2024 subiu de 2% para
2,5%. Em 2025 deve voltar para a casa dos 2%. O consumo continua forte, com
alta de 0,7% em novembro, enquanto a produção industrial ficou estável em
novembro. Jerome Powell, presidente do Fed, colocou ênfase no comportamento do
mercado de trabalho, que esfriou, mas continua firme.
Essa dicotomia definiu de certa forma a
política monetária. Essas condições asseguram ao Fed uma redução dos juros
agora, mas não afiançam com certeza as futuras. Por isso, o ciclo de baixa
poderá ter longas interrupções ao longo de 2025, embora isso não esteja escrito
em pedra, ou seja, o banco continuará tomando decisões de acordo com as
estatísticas sobre o estado da economia que forem chegando.
Ao indicar que vão desacelerar o ritmo de
cortes dos juros, os membros do Fed reavaliaram também a taxa de juro neutra,
aquela que não estimula nem freia a economia. Ela subiu, na tendência central
do gráfico de pontos, de algo entre 2,5% e 3,5% para 2,8% a 3,6%. Se as
previsões forem mantidas nas próximas reuniões, isso significa que o Fed
possivelmente encerrará o ciclo de baixa no ano que vem, em uma taxa muito
próxima daquela que resultará dos dois cortes que as expectativas de seus
membros indicam - entre 3,75% e 4%. É um juro maior do que o que o banco
estimou logo após a pandemia, mas inferior à que vigia antes da crise
financeira de 2008, de 4% a 4,5%.
O corte de 0,25 ponto feito pelo Fed está em
linha com a maioria das previsões. Pesquisa do Financial Times e da
Chicago-Booth, com 47 economistas, mostrou que de setembro a dezembro - mesma
periodicidade do calendário do BC americano - mudou a expectativa sobre a
trajetória dos juros. Quatro em cada cinco entrevistados estimaram que os fed
funds estacionarão ao fim do ciclo de baixa acima dos 3,5%, sendo que a maioria
(60% deles) aposta em uma faixa de 3,5% a 4%, e perto de 20%, entre 4% e 4,5%.
As previsões, no entanto, consideram já os possíveis efeitos de um aumento de
tarifas de Trump de 60% sobre os produtos vindos da China e 20% de outros
países. Dois terços acreditam que o índice de preços ao consumidor subirá acima
de 1 ponto percentual, com a maior fatia deles indicando uma elevação de 1 a
1,5 ponto percentual.
O Fed, explicou Powell, não fez esses
cálculos para tomar a decisão de ontem. “Não são conhecidas quais serão as
políticas definidas nem como e quando serão executadas”, disse. Dessa forma, as
decisões do Fed não consideram, ao contrário das dos mercados financeiros, as
possíveis consequências das ameaças de Trump.
A iminência de uma interrupção do relaxamento
monetário nos EUA a uma taxa de juros não muito distante da que praticam hoje
reforça a tendência de alta do dólar. Favorecem essa tendência, segundo
Gabriela Santos, estrategista do JP Morgan Asset, tanto o diferencial de
crescimento da economia americana em relação ao mundo desenvolvido, quanto o de
juros - a União Europeia, por exemplo, terá de cortá-lo para perto de 1,5%
diante da ameaça de estagnação das principais economias que fazem parte do
bloco monetário -, além do maior fluxo de recursos externos para os Estados
Unidos (Valor,
16/12).
Se a tendência se confirmar, a pressão por
maior desvalorização do real, moeda que mais se depreciou nos últimos meses
entre as emergentes, pode continuar, uma má notícia para a inflação e para o
Banco Central. As janelas de estabilidade global para que o Brasil consertasse
suas contas públicas, mais uma vez, não foram aproveitadas. Vulnerável, o país
foi de novo atingido por mudanças até certo ponto previsíveis na direção de
políticas monetárias e econômicas mundiais. O governo Lula ignorou os alertas e
agora paga o preço por isso. Pode deixar de fazê-lo se mudar sua política
fiscal em direção à austeridade.
Reforma é falha, mas permite superar o caos
tributário
Folha de S. Paulo
Implantação gradual do sistema de taxas
permite aperfeiçoamentos e retrocessos; primeiro ganho é expor carga
exorbitante
Foi positivo que, na derradeira
votação do principal projeto de regulamentação da reforma tributária,
a Câmara dos
Deputados tenha limpado o texto de diversos benefícios
setoriais incluídos pelo Senado —em
geral, falsas bondades que significariam mais impostos sobre a grande maioria
dos bens e serviços consumidos no país.
Os múltiplos e intrincados detalhes do
calhamaço de mais de 500 páginas que vai à sanção presidencial, porém, importam
menos neste momento do que a oportunidade histórica criada por um amplo e
difícil entendimento político e federativo.
A reforma é certamente falha e incompleta,
mas abre caminho para a superação do infernal sistema brasileiro de taxação da
produção e do consumo —no qual se entrelaçam cinco tributos diferentes nos três
níveis de governo, com alíquotas e regras variando conforme a região e o setor,
além de uma infinidade de exceções e regimes especiais.
O projeto de lei complementar recém-aprovado
disciplina um arranjo bem mais simples e alinhado à experiência internacional:
dois tributos similares sobre valor agregado (isto é, descontando os insumos
utilizados na produção), um federal e outro estadual e municipal, mais um
imposto seletivo sobre artigos nocivos à saúde e ao ambiente.
A mudança será gradual, com início em 2026 e
conclusão só em 2033. Essa regra ajudou a viabilizar técnica e politicamente a
reforma, mas tanto pode permitir aperfeiçoamentos como retrocessos no futuro.
De imediato, já há o ganho da transparência. Os brasileiros podem constatar que
pagam uma das maiores cargas do mundo sobre o consumo, se não a maior.
Para manter a arrecadação atual, calcula-se
que a alíquota conjunta dos tributos sobre valor agregado terá de ficar em
torno de 28%. Tal exorbitância, explorada pelos opositores da mudança, já
ocorre hoje, porém não é visível no cipoal de impostos e contribuições sociais
em vigor.
Também se percebe com clareza que benefícios
concedidos a este ou aquele produto ou região —em nome de alegados objetivos
sociais ou de desenvolvimento, da isenção da cesta básica aos privilégios da
Zona Franca de Manaus— implicam
elevação de alíquotas para os demais. No início da tramitação do
texto, estimava-se uma alíquota geral de 25%.
A elevada carga total de impostos no Brasil,
correspondente a cerca de um terço da renda nacional, não terá como ser
reduzida tão cedo, dada a necessidade
de equilibrar as contas públicas deficitárias. O que se pode fazer,
por ora, é torná-la mais funcional e socialmente justa.
A taxação do consumo, que penaliza sobretudo
os pobres, ao menos está sendo simplificada. Subsídios excessivos em favor de
grupos influentes devem ser revistos. Uma complexa reforma do Imposto de Renda,
até aqui maltratada pelo governo, deve assegurar maior progressividade e menos
brechas para a elisão.
Brasil queimou em 2024 com despreparo de
governos
Folha de S. Paulo
Área assolada por fogo é a maior da série
iniciada em 2019; urge conter degradação florestal e efeitos da crise do clima
De janeiro a novembro, a área
destruída por fogo no Brasil em 2024 subiu 90% ante o mesmo
período de 2023, indo de 156.448 km² a 297.680 km² —o equivalente ao território
do Rio Grande do Sul. É o maior número desde 2019, início da série do Monitor
do Fogo do MapBiomas, que divulgou os dados deste ano na segunda (16).
A expansão está relacionada ao aquecimento
global, que atinge o planeta, mas também evidencia falta de preparo do poder
público para enfrentar o problema.
A seca que propaga chamas —e que, neste ano,
foi a mais severa no país desde 1950— não surgiu do nada. Em 2014, 2017 e 2021,
beirou-se o racionamento de água; em 2023, a amazônia foi
sufocada por fumaça e o Rio Negro atingiu o menor nível em 120 anos.
Ademais, sabia-se que o El Niño pioraria a
crise climática em 2023, com efeitos até 2024. Governos, portanto, deveriam ter
se antecipado com alocação de recursos para prevenção e combate ao fogo. Mas os
dados indicam que isso não ocorreu, ou pelo menos não na medida necessária.
Mais da metade da devastação (57%) se deu na
amazônia, sendo que, dos 169 mil km² impactados lá, 76 mil km² eram de
florestas que geralmente não são atingidas pelo fogo do desmatamento produzido
pela agropecuária.
Essa mudança de padrão nas queimadas é
impulsionada por garimpo e
abertura de pastagens e estradas que elevam a incidência de luz solar e vento
nas matas.
Em setembro, o mês de
maior destruição ambiental pelas chamas (106.535 km²), gestores
públicos estavam perdidos. O que se viu foi uma reação atabalhoada.
No âmbito federal, houve alarde sobre ação
criminosa organizada e proposta do Ministério da
Justiça de aumentar
penas para quem atear fogo em florestas.
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
anunciou a criação de uma autoridade climática, promessa de campanha que até
hoje nem chegou ao papel. O Supremo Tribunal Federal meteu-se nas searas de
Legislativo e Executivo com uma decisão do ministro Flávio Dino que
permitiria despesas fora do limite do Orçamento para enfrentar a estiagem.
A administração federal chegou a incrementar
a infraestrutura para apagar o fogo na amazônia, mas o estrago já estava feito.
Não é com populismo penal, canetadas do Judiciário ou ações em cima da hora que se combatem os efeitos do aquecimento global, mas com políticas contínuas e integradas de adaptação à mudança climática —que, no caso em tela, incluem contenção da degradação das florestas e respostas céleres em emergências.
O manicômio tributário fica para trás
O Estado de S. Paulo
Longe da perfeição, projeto de regulamentação
da reforma tributária sobre consumo aprovado pelo Congresso é um passo e tanto
rumo a um sistema de impostos mais simples e transparente
A Câmara dos Deputados aprovou de maneira
definitiva o primeiro projeto de lei complementar de regulamentação da reforma
tributária sobre o consumo, etapa essencial para garantir que a proposta inicie
uma fase de transição, em 2026, rumo ao abandono do modelo atual, em 2032.
Difícil não haver alguma frustração com o
parecer final da reforma, tema que certamente não foi tratado com a prioridade
que merecia. Os debates se deram de maneira expressa, quase sempre em reuniões
fechadas, enquanto a maioria dos parlamentares preferia dedicar seu tempo neste
ano às eleições municipais.
Nesse contexto, a força dos lobbies
facilmente se impôs ao interesse público. E o resultado é que a alíquota padrão
do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que poderia ser de 26,5% se o
texto inicial enviado pelo Ministério da Fazenda fosse mantido, será de cerca
de 28%, de forma a acomodar todas as benesses distribuídas por deputados e
senadores.
A maior parte desse resultado se deve à
inclusão de proteínas animais entre os itens da cesta básica que ficarão
isentos de impostos. É uma das distorções que favorecerão os mais ricos, que,
proporcionalmente, consomem mais carnes que os mais pobres. Não houve argumento
técnico capaz de vencer o populismo suprapartidário, que uniu esquerda e
direita.
Entre as distorções mais gritantes, o Imposto
Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, incidirá sobre a produção de
petróleo e de minério de ferro, itens que sustentam a pauta de exportações
brasileiras. Armas e munições, no entanto, ficarão livres da taxa e serão dos
poucos produtos que ficarão efetivamente mais baratos quando o novo sistema
entrar em vigor.
Todos os benefícios à Zona Franca de Manaus
foram mantidos, inclusive um dos mais absurdos, que estabelece vantagens para a
única refinaria instalada na região. Como mostrou o Estadão, a Refinaria
da Amazônia não processa uma única gota de petróleo desde junho. Como
importadora, no entanto, ela adquire volumes muitíssimo superiores ao consumo
da capital manauara, o que sugere que ela vende combustível isento de PIS e
Cofins para todo o País.
Houve erros, mas também acertos. Os deputados
derrubaram a tentativa dos senadores de ressuscitar a substituição tributária
para cigarros e bebidas. Manter o mecanismo, por meio do qual os tributos da
cadeia produtiva são antecipados no primeiro elo para evitar sonegação,
transformaria esses setores em ilhas no modelo do IVA, que preza pela
simplificação e pela geração de créditos tributários ao longo das diferentes
etapas.
Já incluído entre os setores que vão gerar
cashback para famílias de baixa renda, o saneamento básico perdeu o tratamento
especial que havia obtido no Senado. A cobrança de Imposto Seletivo sobre
bebidas açucaradas, que havia caído no Senado, também foi retomada pelos
deputados.
Com tantas concessões, o teto de 26,5% para a
alíquota padrão desabou antes mesmo de funcionar. A única maneira de respeitar
tal limite seria reduzir as benesses e os grupos beneficiados, mas os deputados
e senadores preferiram abdicar dessa prerrogativa e deixar o trabalho sujo para
o Executivo.
Em clima de despedida, prestes a deixar a
presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) disse que eventuais distorções da
reforma poderão ser corrigidas por futuras leis complementares. Bem se sabe que
a recepção que o Congresso tem dado a propostas que reduzam subsídios e
benefícios tributários não tem sido nada amistosa.
A despeito disso, há que reconhecer que a
tramitação da reforma não teria sido concluída neste ano não fosse a mão pesada
com que Lira comanda a Câmara. O incentivo final foi o instrumento do efeito
administrativo – leia-se corte de salário dos parlamentares que não registram
presença.
No cômputo geral, reafirmamos o que já
dissemos muitas vezes neste espaço: a reforma tributária sobre bens e serviços
poderia ser muito melhor do que foi, mas aprovou-se a reforma possível, um
passo e tanto em um País que convive há mais de 40 anos com um manicômio
tributário. O novo modelo será mais simples e transparente e espera-se que seja
capaz de destravar investimentos e impulsionar o crescimento econômico.
O mal-estar do ‘homem doente da Europa’
O Estado de S. Paulo
Europa sofre com a paralisia alemã. A direita
deve receber um voto de confiança para corrigir os erros do governo
progressista e de Merkel. Mas não terá tempo a perder
Como se esperaria do “pilar” da estabilidade
política da Europa e “motor” de sua economia, a Alemanha sempre cultivou a fama
de um establishment político austero, competente, previsível – ou, para dizer
com um grão de sal, tedioso. Não mais. O novo “homem doente da Europa”,
expressão usada desde o século passado para qualificar países europeus em crise
profunda, já virou um chavão entre articulistas. A economia está há seis anos
estagnada. O único setor que cresce é o Estado. As divergências entre o hemisfério
ocidental e o oriental se aprofundam. Partidos párias de extrema direita e mais
recentemente de extrema esquerda ganham mais votos a cada eleição. A próxima
foi incomumente antecipada em sete meses, para fevereiro, após a coalizão
insólita entre sociais-democratas, verdes e liberais ruir num clima de
acrimônia.
A votação do Parlamento que sacramentou a
desconfiança no premiê social-democrata Olaf Scholz foi sintomática. Scholz
sugeriu que os liberais não têm “decência e maturidade”, acusando-os de
“sabotagem”. O líder do Partido Liberal, Christian Lindner, demitido do
Ministério das Finanças, comparou Scholz a um Rei Momo, concluindo que é legal
“jogar doces” para o povo no carnaval, mas “não é assim que se governa a
Alemanha”.
O estopim foi um pacote proposto pelos
liberais de políticas pró-mercado – redução de impostos, de gastos sociais, de
regulamentos ambientais – para impulsionar o lado da oferta econômica. Scholz
retaliou demandando mais gastos e subsídios à custa de um relaxamento das
regras fiscais.
Assim como na França, o outro pilar europeu,
o mal-estar econômico está na raiz do tumulto político na Alemanha. A
contraparte do voluntarismo ambiental progressista foi o negacionismo
econômico. Políticas climáticas quiméricas catapultaram os preços de energia. O
choque de realidade veio com uma decisão da Corte Constitucional obrigando o
governo a incluir no arcabouço fiscal os subsídios verdes. A conta já não
fechava antes, agora ainda menos. Com seu modelo de negócios defasado, a
Alemanha não consegue bancar todas as demandas de benefícios sociais, políticas
ambientais e defesa. As tarifas prometidas pelo presidente eleito dos EUA,
Donald Trump, podem apertar mais o torniquete.
O idealismo (para não dizer pensamento
mágico) progressista é causa imediata da crise. Mas o legado da premiê
anterior, Angela Merkel, da Democracia Cristã, de centro-direita, envelheceu
mal. Erros cometidos – e não admitidos – nos seus 16 anos de poder – como a
complacência com o autocrata russo Vladimir Putin, a dependência da energia da
Rússia e do mercado chinês para exportação de manufaturados, o descarte das
usinas nucleares e o acolhimento generoso de refugiados islâmicos (moralmente
louvável, mas politicamente temerário) – cobram seu preço.
O líder da Democracia Cristã, Friedrich Merz,
posicionado para ser o próximo premiê, elegeu o crescimento econômico como
prioridade e move o partido à direita de Merkel. Ele propõe reformas no sistema
social e cortes de impostos corporativos para impulsionar o emprego e a
produtividade, e mais disciplina nas políticas imigratórias. Economia e
imigração são as duas principais preocupações dos eleitores.
Merz, um industrial, tem fama de impaciente.
A impaciência será útil para despertar a Alemanha de seu torpor econômico. Mas
pode ser um passivo político num sistema partidário fragmentado. Com sorte,
Merz reeditará a tradicional coalizão com os sociais-democratas. Mas, se as
duas siglas não formarem maioria, pode ser obrigado a compor mais uma coalizão
heteróclita e disfuncional com os verdes. Os liberais podem nem ultrapassar a
cláusula de barreira. A Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, deve ser
a segunda força no Parlamento. Nenhum partido tradicional fará negócios com
eles, mas o “cordão sanitário” é uma faca de dois gumes: por um lado, preserva
a reputação de moderação da política alemã; por outro, permite que os
extremistas, sem ter de responder pelo governo, sejam um repositório das
frustrações e fantasias do eleitorado.
O establishment terá mais uma chance de
recobrar a confiança da população e a liderança da União Europeia. Mas pode ser
a última.
Outro drible no Orçamento
O Estado de S. Paulo
Área técnica do TCU vê problemas, com razão,
na engenharia financeira que sustenta o Pé-de-Meia
Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU)
chamaram a atenção para uma marotagem típica dos governos lulopetistas: a
execução do programa Pé-de-Meia, do governo federal, está correndo à margem das
regras fiscais vigentes. Segundo eles, pela forma com que é executado, o
programa destinado a conceder bolsas para incentivar a permanência de
estudantes matriculados no ensino médio funciona como uma espécie de drible no
Orçamento-Geral da União.
Na lógica da operação atual, o governo não
utiliza recursos compatíveis com as dotações orçamentárias, como previa o
projeto original, e sim dinheiro depositado em fundos públicos, que é
transferido para o fundo privado instituído para executar o programa. Seus
críticos não se apoiam apenas em minúcias contábeis. Ao recorrer à
transferência direta entre fundos, não só os valores passam longe da Conta
Única do Tesouro Nacional, não sendo registrados nem nas receitas nem nas
despesas, como não se submetem ao Orçamento e, consequentemente, às regras do
arcabouço fiscal.
Cerca de R$ 6 bilhões já foram transferidos
do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC). Outros R$ 4
bilhões podem vir do Fundo de Garantia de Operações (FGO), usado como fiador de
empresas e famílias na tomada de empréstimos. A área técnica do TCU sugere uma
medida cautelar para suspender o uso dos recursos já direcionados até que o
fluxo de recursos seja corrigido. A ideia ainda depende do ministro Augusto
Nardes, relator do processo no TCU, mas, se adotada, ou o governo paralisa o
programa no decorrer de 2025 ou precisará aportar recursos do Orçamento,
enxugando outras despesas para cumprir o arcabouço fiscal.
O governo, como era de esperar, tem um
entendimento diferente e considera uma usurpação de competências pelo TCU. Já
houve quem sinalizasse recorrer ao Supremo Tribunal Federal, hoje a muleta
institucional preferencial do Palácio do Planalto para assegurar a execução de
políticas públicas selecionadas. Mas o fato é que o próprio ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, já admitiu publicamente que só a partir de 2026 o
Pé-de-Meia integrará o orçamento da educação. Tem-se aí o melhor dos mundos: a
combinação entre os motivos nobres que sustentam o programa e a flexibilidade
orçamentária suficiente para as intenções político-eleitorais do presidente
Lula da Silva.
De fato, o Pé-de-Meia é uma boa iniciativa, e os motivos para a sua criação são louváveis, mas o programa está longe de resolver os muitos problemas que o ensino médio enfrenta. Ademais, como já sublinharam parlamentares oposicionistas, programas como esse geram custos que inexistiriam não fosse montada uma complexa engenharia financeira para driblar o Orçamento, as regras fiscais e a vigilância do Poder Legislativo. Mesmo com boas intenções, não se deve – nem se pode – adotar engenharias heterodoxas e não amparadas nas regras de responsabilidade fiscal. De ficções contábeis e marotagens fiscais, como se sabe, governos do PT entendem bem. Que o TCU e o Congresso ajudem o País a freá-las.
Importação de lixo requer ações efetivas
Correio Braziliense
Além de contraditória, prática evidencia que
os ganhos financeiros seguem ofuscando as prioridades climáticas e ambientais
Figurando entre os maiores produtores de lixo
do mundo, o Brasil tem dificuldades para cuidar das próprias sobras. Gera por
ano mais de 80 milhões de toneladas de resíduos, mas recicla apenas 4% desse
total, segundo relatório da Universidade de São Paulo (USP). Como se não
bastasse o problema interno, o país tem a prática de importar a sujeira dos
outros.
Dados do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) mostram que, só nos cinco primeiros meses
deste ano, foram compradas 28,3 mil toneladas de lixo internacional. A
importação tem como principal justificativa o menor preço dos materiais de
fora, quando comparados aos coletados aqui. Mas, além de contraditória,
evidencia que os ganhos financeiros seguem ofuscando as prioridades climáticas
e ambientais.
A questão do plástico deixa o
contrassenso evidente. Em 2023, enquanto reciclou apenas 28% das embalagens
descartadas, conforme o Movimento Plástico Transforma, o Brasil trouxe para
casa 3,4 mil toneladas de sobras produzidas por outros países. Um dos
principais vendedores são os Estados Unidos, que compartilham conosco a alta
produção — somos o quarto produtor do mundo e eles, o primeiro — e o baixo
reaproveitamento — 5% dos resíduos plásticos domésticos foram reciclados no
país, em 2021, segundo o Greenpeace.
A venda de lixo para o Brasil contempla
outros materiais — vidro, papel e alumínio —, que são usados como matéria-prima
secundária para a produção de itens com material reciclado. Há, dessa forma, um
impacto na chamada economia circular, que, entre os seus princípios, tem a
adoção de processos que beneficiem diretamente os mais vulneráveis aos efeitos
da produção e do consumo — nesse caso, as comunidades atingidas pelo descarte
irregular e os catadores que abastecem a indústria da reciclagem.
Ao Correio, Patrícia Iglesias, professora e
superintendente de gestão ambiental da USP, ressaltou outro ponto da importação
de lixo que desperta preocupação: a forma como eles chegam ao país. "Esses
resíduos vêm de navio. Então, os impactos vão das emissões de carbono, riscos
de acidente, contaminação tóxica, até a falta de rastreabilidade dos
resíduos", advertiu.
Não se pode desconsiderar que o problema era
mais grave. Entre 2019 e 2022, devido à alíquota zero implementada na gestão de
Jair Bolsonaro, a importação desses resíduos alcançou o maior número. O atual
governo aumentou a taxa de importação para 18%, na tentativa de desincentivar a
prática. Nesse sentido, espera-se que a Presidência da República sancione o
projeto de lei proibindo a importação de resíduos sólidos, aprovado nesta
terça-feira, no Senado.
Não só isso. A conta segue aberta sem um setor privado que entenda as práticas de ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em português) para além das estratégias de marketing. A adoção de embalagens retornáveis, a incorporação da reciclagem nos processos produtivos e o descarte correto do mínimo possível de resíduos são algumas das estratégias com benefícios que extrapolam os balanços financeiros.
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