O Globo
Se alguém colaborou para que os militares entrassem na ilegalidade na volta ao poder, esse alguém foi Bolsonaro, a que poucos resistiram ou reagiram quando ele apresentou seus planos autocráticos
O comandante do Exército, general Tomás
Paiva, vem sendo pressionado para se manifestar oficialmente sobre as prisões
dos militares determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a
do general de Exército Braga Netto. Não apenas oficiais da reserva, que
costumam ser mais histriônicos, mas também os da ativa consideram que o
Exército brasileiro é maltratado pela Justiça.
O relato dos que estiveram com o comandante, porém, diz que ele não considera haver nenhuma ação extraordinária contra o Exército, diante do que já foi descoberto e do que presumidamente ainda será revelado pelas investigações. Ele se preocupa, sim, com a família militar em polvorosa, muitos temendo que a qualquer momento a Polícia Federal (PF) chegue a suas portas. Militares que, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidos nos preparativos para a sedição têm de se preocupar, mas não qualquer militar.
Não há previsão de declaração oficial até o
momento, mesmo porque é preciso aguardar o fim das investigações e a decisão do
procurador-geral da República, Paulo Gonet, para, se houver algum reparo a
fazer, agir na hora certa. O caso do general Braga Netto é bem diferente do
caso do general Henrique Teixeira Lott, preso por militares por ter dado uma
declaração a favor da posse do vice-presidente eleito João Goulart devido à
renúncia de Jânio Quadros. Lott foi preso por desobediência, já que o ministro
do Exército havia emitido uma nota contrária, mas exigiu que o autor da prisão
fosse um general de Exército, da mesma patente sua, de modo a indicar uma
punição disciplinar.
Braga Netto foi preso pela PF a mando da
Justiça, por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. Um militar preso
por civis incomoda alguns, que ainda se consideram merecedores de regalias,
mesmo cometendo crimes comuns, como interferência nas investigações e tentativa
de assassinato.
Os militares que aderiram na primeira hora à
candidatura de Bolsonaro foram convencidos por ele, com o apoio do general
Villas Bôas, de que sua eleição seria o melhor caminho para voltarem ao poder e
recuperarem o prestígio junto à opinião pública. O que Bolsonaro ofereceu aos
militares foi poder, prestígio e dinheiro, mas exigiu de volta obediência
absoluta, lealdade e cumplicidade no projeto de golpe de Estado que cultivava
desde os primeiros dias de governo.
Se algum militar achava que controlaria
Bolsonaro, cometeu um erro estratégico terrível. O mesmo erro que o ex-juiz
Sergio Moro cometeu ao aceitar o convite para ser ministro da Justiça para
“controlar os exageros” e combater a corrupção com mais força. Não conseguiu
nem uma coisa nem outra. Acabou aderindo a Bolsonaro na campanha da reeleição,
mesmo depois de passar o que passou.
Bolsonaro gostava de submeter seus
subordinados, especialmente os generais, a demonstrações de poder, afirmando
que “quem entende de voto aqui sou eu”. O que poderia ser uma imposição do
poder civil sobre o militar era apenas a vingança de um militar de baixa
patente contra os que não o deixaram permanecer nos quartéis. Bolsonaro às
vezes se impunha pela força dos votos, outras pela força de ser o comandante em
chefe das Forças Armadas. Usava sua experiência nos dois campos para impor sua
vontade.
Se alguém colaborou para que os militares
entrassem na ilegalidade na volta ao poder, esse alguém foi Bolsonaro, a que
poucos resistiram ou reagiram quando ele apresentou seus planos autocráticos.
Tomás Paiva trabalha justamente para colocar as coisas nos trilhos da
legalidade, e os que o pressionam para se rebelar contra as prisões sonham com
um passado que não deve voltar.
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