Folha de S. Paulo
Filme soma-se a uma linha de outras obras
sobre os horrores da ditadura civil-militar
"O filme "Ainda Estou Aqui" tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los." Este é um trecho da correta decisão do Mininstro Flavio Dino do STF, nesta semana.
Dino decidiu ter repercussão geral um caso em
que se discute se a lei da anistia não se aplica ao crime permanente de
ocultação de cadáver. Ao fazer referência ao formidável filme "Ainda Estou
Aqui", Dino nos lembrar que violações graves de direitos humanos não devem
estar sujeitas a anistia, e que a sociedade brasileira a lotar cinemas para
ver Fernanda
Torres como Eunice não tolera mais que o Estado Brasileiro,
ainda hoje, oculte a verdade sobre muitos dos desaparecimentos, prisões e
execuções por agentes da ditadura.
Um retrato biográfico primoroso, o filme
"Ainda Estou Aqui" soma-se – e não se sobrepõe – a uma linha de
outras obras sobre os horrores da ditadura civil-militar; ao mostrar como a
ditadura foi cruel inclusive com a elite política e econômica que ousou
discordar dela mesmo quando muitos dos seus a ela se venderam. O filme mostra a
profundidade do abismo em que outros, outrora e hoje, estão metidos, como
mostram as obras "Eles não Usam Black Tie" de 1981, sobre operários e
o regime, e o "Cabra Marcado para Morrer" de 1984 sobre trabalhadores
rurais.
O filme "Ainda Estou Aqui",
sobretudo, revela que em muitos aspectos ainda estamos aqui, mas como pergunta
Rubens Paiva em seu livro: onde é o aqui? Ainda há o estado brasileiro
praticando o genocídio contra negros e indígenas, e há outras tantas Eunices
que ainda choram por seus entes queridos. Ainda estamos aqui com 183
desaparecidos por dia no país, sem sequer contar com um banco nacional. Ainda
estamos aqui com o próprio STF ainda tolerante quanto ao expansionismo da
justiça militar; um ex-presidente ainda não condenado por tentar um golpe de
estado e ainda esta Folha não tendo revisto a sua linha editorial a
favor da lei da anistia.
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