O Globo
Pouca capacidade de reagir a adversidades
aponta para a necessidade de reorganizar a casa antes do reinício dos trabalhos
no Congresso
Todas as recentes crises enfrentadas pelo
governo mostram que Lula e seus ministros estão com a casca muito fina para
enfrentar pancadas. E, se existe algo que a oposição costuma farejar no ar, é
governo com receio de encarar as batalhas — que serão muitas, e cada vez mais
complexas, daqui até a eleição.
Lula parece estar sentindo o estreitamento da
avenida que imaginava que teria para trafegar por fatores que não anteviu e
sobre os quais parece não ter sido alertado. E as cartas de que dispõe para
responder a cobranças parecem ser de poder limitado ou já gastas, por terem
sido usadas à exaustão.
A ideia de que o “Brasil voltou” e de que sua missão seria a de “reconstruir” o país depois de Jair Bolsonaro, presente nos slogans oficiais, até rendeu uma largada tranquila, em que o presidente soube unir a classe política em resposta ao 8 de Janeiro e voltou a circular nos fóruns internacionais com a autoridade de quem poderia fazer a diferença em temas como o urgente enfrentamento da crise climática.
Passados dois anos, os desafios são de outra
natureza, e a oposição, embora esteja ainda em maus lençóis com o iminente
julgamento de Bolsonaro e de aliados de alto calibre, encontrou rotas
alternativas para fustigar Lula, e é nesses flancos que sua gestão precisa
atuar de forma mais profissional e menos reativa, depois do leite já derramado.
A crise do Pix deveria virar um case em
muitas frentes, mas, até aqui, o que se vê é o presidente e os ministros
insistindo num discurso que nem de longe previne que haja outros desgastes
semelhantes.
Nem Lula, nem Fernando Haddad, e nem a
Advocacia-Geral da União — que parece ter enveredado sem volta por um caminho
de ameaçar com processo todo aquele que criticar o governo em alguma medida —
entenderam que a ideia de que o governo taxaria o Pix só colou porque havia um
ambiente favorável a isso, que não se restringe à difusão de notícias falsas.
Se não se der conta da desconexão entre
alguns de seus projetos e setores cada vez mais amplos da sociedade — que não
se limitam aos bolsonaristas, como erroneamente parecem concluir os auxiliares
do presidente —, o governo corre o risco de caminhar até 2026 de crise em
crise.
A ideia estapafúrdia, defendida de forma
orgulhosa pelo ministro Luiz Marinho, de insistir na cobrança de uma nova
modalidade de imposto sindical tem tudo para ser um novo embate no qual o
governo entrará para perder.
Caso não se articule e não construa um
consenso mínimo, que dependerá da montagem da nova base aliada após a eleição
das Mesas da Câmara e do Senado, o governo também pode dar adeus à sua reforma
do Imposto de Renda, anunciada de forma atabalhoada no fim do ano passado como
se fosse um contraponto à necessidade de medidas para tornar viável o ajuste
fiscal.
Um governo que usa o termo fake news de forma
bastante ampla, enquadrando como tal toda e qualquer crítica a suas políticas,
pratica algo próximo à desinformação quando propala que a reforma passará no
Congresso. Ninguém no comando das duas Casas acenou com qualquer compromisso
nesse sentido, e também não se ouviu fora da ala à esquerda da base qualquer
elogio à medida. A negociação, portanto, terá de ser feita a partir da estaca
zero, essa é a verdade dos fatos.
Da mesma maneira, a Medida Provisória feita
às pressas para substituir, em parte, o conteúdo da instrução normativa que
aumentava a fiscalização sobre meios de pagamento corre o risco de cair na vala
dos projetos que já chegam “bichados” ao Parlamento, dado o fuzuê que a
antecedeu. Vai requerer, portanto, diálogo — o que, é sempre bom lembrar, é um
exercício em que se fala, mas também se ouve o outro lado.
Por fim, chama a atenção uma dinâmica que, a
se tornar permanente, tem tudo para ser nitroglicerina pura: se o novo comando
da Comunicação for sistematicamente ficar em lado oposto à Fazenda, como
aconteceu na discussão sobre o anúncio da reforma do IR e, agora, na polêmica
do Pix, terá saído pior a emenda que o soneto na única área que Lula se dispôs
até aqui a tentar consertar.
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