sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Casca fina para crises - Vera Magalhães

O Globo

Pouca capacidade de reagir a adversidades aponta para a necessidade de reorganizar a casa antes do reinício dos trabalhos no Congresso

Todas as recentes crises enfrentadas pelo governo mostram que Lula e seus ministros estão com a casca muito fina para enfrentar pancadas. E, se existe algo que a oposição costuma farejar no ar, é governo com receio de encarar as batalhas — que serão muitas, e cada vez mais complexas, daqui até a eleição.

Lula parece estar sentindo o estreitamento da avenida que imaginava que teria para trafegar por fatores que não anteviu e sobre os quais parece não ter sido alertado. E as cartas de que dispõe para responder a cobranças parecem ser de poder limitado ou já gastas, por terem sido usadas à exaustão.

A ideia de que o “Brasil voltou” e de que sua missão seria a de “reconstruir” o país depois de Jair Bolsonaro, presente nos slogans oficiais, até rendeu uma largada tranquila, em que o presidente soube unir a classe política em resposta ao 8 de Janeiro e voltou a circular nos fóruns internacionais com a autoridade de quem poderia fazer a diferença em temas como o urgente enfrentamento da crise climática.

Passados dois anos, os desafios são de outra natureza, e a oposição, embora esteja ainda em maus lençóis com o iminente julgamento de Bolsonaro e de aliados de alto calibre, encontrou rotas alternativas para fustigar Lula, e é nesses flancos que sua gestão precisa atuar de forma mais profissional e menos reativa, depois do leite já derramado.

A crise do Pix deveria virar um case em muitas frentes, mas, até aqui, o que se vê é o presidente e os ministros insistindo num discurso que nem de longe previne que haja outros desgastes semelhantes.

Nem Lula, nem Fernando Haddad, e nem a Advocacia-Geral da União — que parece ter enveredado sem volta por um caminho de ameaçar com processo todo aquele que criticar o governo em alguma medida — entenderam que a ideia de que o governo taxaria o Pix só colou porque havia um ambiente favorável a isso, que não se restringe à difusão de notícias falsas.

Se não se der conta da desconexão entre alguns de seus projetos e setores cada vez mais amplos da sociedade — que não se limitam aos bolsonaristas, como erroneamente parecem concluir os auxiliares do presidente —, o governo corre o risco de caminhar até 2026 de crise em crise.

A ideia estapafúrdia, defendida de forma orgulhosa pelo ministro Luiz Marinho, de insistir na cobrança de uma nova modalidade de imposto sindical tem tudo para ser um novo embate no qual o governo entrará para perder.

Caso não se articule e não construa um consenso mínimo, que dependerá da montagem da nova base aliada após a eleição das Mesas da Câmara e do Senado, o governo também pode dar adeus à sua reforma do Imposto de Renda, anunciada de forma atabalhoada no fim do ano passado como se fosse um contraponto à necessidade de medidas para tornar viável o ajuste fiscal.

Um governo que usa o termo fake news de forma bastante ampla, enquadrando como tal toda e qualquer crítica a suas políticas, pratica algo próximo à desinformação quando propala que a reforma passará no Congresso. Ninguém no comando das duas Casas acenou com qualquer compromisso nesse sentido, e também não se ouviu fora da ala à esquerda da base qualquer elogio à medida. A negociação, portanto, terá de ser feita a partir da estaca zero, essa é a verdade dos fatos.

Da mesma maneira, a Medida Provisória feita às pressas para substituir, em parte, o conteúdo da instrução normativa que aumentava a fiscalização sobre meios de pagamento corre o risco de cair na vala dos projetos que já chegam “bichados” ao Parlamento, dado o fuzuê que a antecedeu. Vai requerer, portanto, diálogo — o que, é sempre bom lembrar, é um exercício em que se fala, mas também se ouve o outro lado.

Por fim, chama a atenção uma dinâmica que, a se tornar permanente, tem tudo para ser nitroglicerina pura: se o novo comando da Comunicação for sistematicamente ficar em lado oposto à Fazenda, como aconteceu na discussão sobre o anúncio da reforma do IR e, agora, na polêmica do Pix, terá saído pior a emenda que o soneto na única área que Lula se dispôs até aqui a tentar consertar.

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