Correio Braziliense
Lula não consegue sustentar medidas
econômicas impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo prazos
viesse a se beneficiar de seus efeitos positivos
O governo caiu com o barulho da bala na
questão da fiscalização do Pix pela Receita Federal, com medo da onda de fake
news sobre a falsa cobrança de impostos dos contribuintes nas operações
financeiras dessa modalidade. Na verdade, tratava-se de aumentar o controle
sobre instituições financeiras, bancos digitais e aplicativos de pagamento, que
passariam a ter que informar alguns dados à Receita Federal. O Pix continuaria
gratuito.
O objetivo do monitoramento de movimentações globais acima de R$ 5 mil por mês, no caso de pessoas físicas, e R$ 15 mil mensais, no caso de pessoas jurídicas, mas sem detalhamento de origem ou destino, era combater a sonegação fiscal. Entretanto, tudo deu errado. A portaria da Receita Federal foi pessimamente divulgada. Ao mesmo tempo em que desagradou setores do mercado financeiro que seriam alcançados pela medida, virou um prato cheio para a produção de memes mentirosos pela oposição.
Um vídeo do deputado Nikolas Ferreira
(PL-MG), que criticava a medida, viralizou nas redes e politizou o assunto
antes mesmo de o governo poder reagir, quando chegou a 275 milhões de
visualizações, "Lula arregou", como logo propagaram os "influenciadores"
da oposição. Entretanto, o que pôs o governo no canto do ringue foi a percepção
errônea de parte da população de baixa renda, que passou a refugar operações
com Pix com medo de pagar mais impostos.
Pressionado nas redes sociais, naquela que
estava sendo a primeira crise de imagem do novo ministro da Comunicação,
Sidônio Palmeira, o presidente Lula decidiu revogar a portaria. E ainda editar
uma medida provisória proibindo que produtos pagos com o Pix tenham preço maior
do que o cobrado em espécie, uma maneira de sonegar impostos e explorar o
consumidor, que já estava sendo adotada por muitos
A decisão de Lula, porém, foi uma emenda pior
do que o soneto. Consolida a ideia de que o governo realmente pretendia taxar o
Pix , favorece a sonegação de impostos e ainda amplia a economia informal. Caso
Lula não houvesse recuado, apesar do desgaste inicial, logo as pessoas
perceberiam que o Pix continuaria gratuito, desfazendo a boataria. O recuo
mostrou também que o governo não consegue sustentar medidas econômicas
impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo prazos viesse a se
beneficiar de seus efeitos positivos para a economia. Isso aumenta a crise de
confiança na política econômica.
Reforma tributária
Como em outros momentos, o governo cria fatos
que acabam anulando ou ofuscando medidas positivas. A decisão de Lula serviu
também para desviar o foco da opinião pública da maior vitória de sua equipe
econômica até agora, a primeira lei da reforma tributária aprovada pelo
Congresso, que foi sancionada nesta quinta-feira, com alguns vetos do
presidente da República.
O projeto estabelece regras para a cobrança
dos três novos impostos sobre o consumo, criados pela reforma tributária, que
foi promulgada em 2023. Na cerimônia, Lula passou recibo da crise do Pix:
"Não temos que ter medo de enfrentar as mentiras das fake news, e não
temos que ter medo de fazer um debate, fazer a disputa. Porque se a gente
perde, o sistema democrático está correndo um risco no mundo inteiro, e a gente
vai voltar — coisa que não estamos querendo voltar —, ao fascismo, ao nazismo,
ao desrespeito aos direitos humanos", disse. O presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), compareceu à cerimônia e criticou a desinformação e
as fakes news.
Um dos trechos vetados pelo presidente
isentava fundos de investimento e fundos patrimoniais de pagar os impostos
unificados a serem implementados pelo novo modelo, porque concedia um benefício
fiscal aos fundos, o que não é previsto na Constituição. Esses vetos serão
apreciados pelo Congresso, que pode derrubá-los.
Cinco tributos federais, estaduais e
municipais — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins —, com a reforma, serão transformados
em dois tipos de imposto: CBS (estadual) e IBS (municipal), que serão os
cobrados sobre o consumo e os serviços. O terceiro tributo é chamado de Imposto
Seletivo (IS), uma sobretaxa aplicada para desestimular o consumo de bens e
serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
No primeiro ano, não haverá recolhimento dos
novos tributos. As notas fiscais indicarão uma alíquota-teste da CBS e do IBS,
mas sem cobranças. O regime passará por uma transição gradual a partir de 2026,
até começar valer integralmente em 2033. No caso das empresas, segundo a
Secretaria Extraordinária para a Reforma Tributária, no próximo ano, será
preciso emitir o documento fiscal com o valor da CBS (com alíquota de 0,9%) e
do IBS (com alíquota de 0,1%). Contudo, esses tributos não precisarão ser recolhidos
em 2026.
O governo precisa aprovar outras normas para regulamentar a reforma tributária. Uma delas é a criação do Comitê Gestor do IBS, da distribuição da receita do IBS entre os estados e municípios e de outras questões relativas apenas aos entes federativos. Mais três projetos ainda precisam ser enviados ao Congresso, sobre as alíquotas do Imposto Seletivo; a regulamentação dos Fundos de Desenvolvimento do Amazonas e da Amazônia Ocidental; e a forma de aporte dos recursos ao Fundo de Desenvolvimento Regional e ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais.
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