sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Ex-ministros de Lula, FHC e Dilma criticam Congresso e se mobilizam para 2026

Joelmir Tavares / Folha de S. Paulo

Políticos lançam manifesto que critica emendas e repudia alianças com direita radical nas eleições

Ex-ministros de Lula (PT), Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) iniciaram uma mobilização para convencer a classe política e eleitores a isolar a direita radical nas eleições de 2026 e interromper o que chamam de extorsão do Orçamento pelo Congresso, via emendas.

O grupo organizou o manifesto "Vamos em Frente", que até esta quarta-feira (15) contava com 83 assinaturas. Entre os signatários, estão os ex-ministros Tarso GenroCristovam Buarque (governo Lula), Aloysio Nunes Ferreira (FHC), José Eduardo CardozoRenato Janine Ribeiro (Dilma) e Nelson Jobim (que serviu aos três governos).

Os idealizadores dizem buscar amplitude ideológica. Articulado nos últimos quatro meses, o documento também foi endossado por representantes da sociedade civil, acadêmicos, empresários e advogados. O material ainda será aberto para adesões em um site, no intuito de aumentar seu alcance.

A principal crítica da carta é à influência no Congresso "de bancadas oligárquicas e fisiológicas, que se dedicam a extorquir, para proveito próprio, os orçamentos públicos".

As emendas parlamentares já consomem até 74% da verba de ministérios, como mostrou a Folha. A avaliação dos autores é que o descontrole nos gastos subverte a relação institucional entre os Poderes.

"Temos um objetivo muito concreto e específico, que é reconstruir a dignidade perdida do Congresso Nacional", diz Tarso Genro, um dos que capitaneiam o autointitulado movimento cívico.

A iniciativa passou pelo Instituto Novos Paradigmas, fundado pelo petista e ex-governador do Rio Grande do Sul. Para ele, não é justo generalizar a conduta dos parlamentares, mas aquilo que chama de "bloco político de extorsão orçamentária" tem prejudicado o Executivo e vai continuar emparedando o presidente, seja ele de qualquer coloração política, por "submetê-lo a um parlamentarismo perverso".

A carta ainda propõe ao campo democrático que assuma o compromisso de não firmar alianças com partidos ou representantes "da direita autoritária e da extrema direita". Também repudia a aproximação com "quaisquer organizações partidárias que proponham ditaduras de qualquer natureza".

Segundo Tarso Genro, o grupo descarta anunciar apoio a candidato à Presidência e busca estimular a união de esforços não só no plano nacional, mas também nos estados, para defender a democracia e os termos da Constituição de 1988. O eixo central, diz o petista, é "mudar a composição do Parlamento".

A carta não cita nomes, mas alude ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao citar "a herança do governo anterior, com um déficit fiscal de R$ 782 bilhões, desmanche de instituições e políticas públicas, negação retrógrada da inteligência científica universal, propagação da violência miliciana e o culto da morte". Para os autores, esses "também são um legado perverso" do qual o país deve ser defendido.

O ponto de consenso no grupo é que fortalecer a democracia "só será possível com o suporte de um campo político unificado", que demarque diferenças entre democracia e ditadura e "entre frentes políticas eleitorais sem princípios e frentes eleitorais baseadas em princípios mínimos".

Tarso Genro afirma que uma das intenções é replicar a mobilização em outras regiões, influenciando uma frente nacional. "É um chamado ao amplo espectro das instituições que defendem a democracia em busca de uma saída consensual e negociada para a situação em que estamos", diz o ex-ministro.

Ele ressalva, contudo, que o grupo inicial do manifesto "não tem ambição de interferir nos partidos, mas, sim, no pensamento político dos eleitores".

O texto fala em "estabelecer uma comunicação entre as múltiplas visões democráticas —nos estados e na própria União— para buscar pontos de unidade em direção a novas frentes políticas, com suas especificidades regionais, já no primeiro turno ou, alternativamente, no segundo turno" de 2026.

O sociólogo José César Martins, o Zeca, coordenador do grupo Derrubando Muros, diz que assinou o manifesto porque ele se propõe a aglutinar "uma frente amplíssima" e por entender que é preciso "unificar os democratas" e abraçar as diferenças em torno de um valor que é inegociável.

"Mas democracia demanda entregas", afirma ele, mencionando desafios como transição climática, superação de desigualdades e as crises na educação e na segurança pública.

"Para isso, precisamos nos reinventar e dar um choque de mudanças e progresso, [sendo] firmes, sem 'dono da bola' e concessões à direita ou à esquerda, embora o problema mais grave agora venha da extrema direita", prossegue Zeca, completando que "ditadura é ditadura".

Leia abaixo a íntegra do manifesto

CARTA EM DEFESA DA DEMOCRACIA E DA REPÚBLICA: JUNTOS EM FRENTE
Esta carta é dirigida a todos os que professam a democracia e defendem a paz e a ordem republicana do Estado Social da Constituição de 1988. E é um manifesto em defesa do Brasil, como país soberano, do trabalho como valor fundamental, da construção da nação como comunidade de destino, do empreendedorismo inovador -
em todos os níveis- baseado na inteligência cientifica universal.
As guerras das grandes potencias militares com seus interesses estratégicos estão transformando o planeta inteiro num catastrófico teatro de ações políticas e operações militares, que já ameaçam as condições naturais mínimas para a sobrevivência dos humanos e a soberania das nações. As guerras, em geral, são propagadoras da
barbárie e alimentadoras do autoritarismo e das ditaduras.
Esta Carta propõe que aqui no Brasil, a partir da sociedade civil, propaguemos um amplo movimento cívico descentralizado, com iniciativas locais, regionais, nacional - idênticas ou análogas - para defender o futuro da democracia no país. A herança do governo anterior, com um déficit fiscal de 782 bilhões, desmanche de instituições e políticas públicas, negação retrógada da inteligência científica universal, propagação da violência miliciana e o culto da morte - erigidos como política de Segurança Pública - também são um legado perverso do qual devemos defender o país.
Afirmamos, primeiro, que a solução é mais democracia, não menos; e que isso só será possível com o suporte de um campo político unificado, capaz de mostrar diferenças: entre democracia e ditadura; entre frentes políticas eleitorais sem princípios e frentes eleitorais baseadas em princípios mínimos, tanto voltados para a restauração da
dignidade da política, como da preservação dos Poderes da República.
Esta Carta, portanto, propõe que é possível estabelecer uma comunicação entre as múltiplas visões democráticas - nos Estados e na própria União - para buscar pontos de unidade em direção a novas Frentes políticas, com suas especificidades regionais, já no 1º turno ou, alternativamente, no 2º turno das eleições de 2026, pautando-se pelos seguintes objetivos:
1. Bloquear a influência no Congresso Nacional, de bancadas oligárquicas e fisiológicas, que se dedicam a extorquir, para proveito próprio, os orçamentos públicos, assim subvertendo a relação institucional entre os poderes da União;
2. Defesa dos princípios do Estado de Direito da Constituição de 88 e da preservação dos seus poderes constitucionais;
3. Defesa de uma política interna e externa, que unifique o país na transição climática, para uma potente política de prevenção de catástrofes e de redução das desigualdades sociais e regionais;
4. Compromisso de não firmar alianças com setores de partidos ou partidos, da direita autoritária e da extrema direita, ou de quaisquer organizações partidárias que proponham ditaduras de qualquer natureza nos processos eleitorais em curso no ano vindouro.
Estas novas frentes denunciarão tentativas golpistas, defenderão a identidade laica do Estado, defenderão a profissionalização das Forças Armadas e seus proponentes envidarão esforços desde agora - autônomos, comuns ou associados em rede – para proporcionar múltiplas manifestações e novos manifestos pautados pelos objetivos ora concertados.

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