Recuo no Pix expõe fragilidades da atuação do governo
O Globo
Campanha de desinformação reforça necessidade
de regulação das redes e autocrítica pela sanha arrecadatória
A decisão do governo federal de cancelar
norma da Receita Federal sobre o aumento da transparência das transações
via Pix é
constatação do estrago feito. Em setembro, o Fisco publicou nova regra avisando
que a partir de 1º de janeiro de 2025 as instituições financeiras conhecidas
como fintechs, como os bancos digitais, e as operadoras de cartões de crédito
passariam a notificar movimentações de pessoas físicas acima de R$ 5 mil por
mês. A medida não tinha nada de anormal. Os bancos tradicionais há muito têm
regra idêntica. É um instrumento para detectar grandes sonegadores.
Bem explicada e com uma estratégia de comunicação ampla, a decisão seria compreendida facilmente pela população. Não foi o que ocorreu. Com a divulgação relapsa do governo, o que se viu nas duas primeiras semanas do ano foi desinformação, confusão, medo e queda nas transações por Pix. O erro não se deu no mérito da questão, mas na execução.
Logo os propagadores de fake news exploraram
o vácuo deixado pelo governo. Informações falsas transmitidas de forma dolosa
encheram as redes sociais. Uma das principais dizia que haveria quebra de
sigilo de todos os usuários de Pix. Uma mentira, porque a medida da Receita não
previa a exposição de detalhes das operações financeiras do cidadão. Apenas os
responsáveis por movimentações suspeitas seriam chamados para esclarecimentos.
O mesmo já acontece com correntistas de bancos grandes.
Outra falsidade propagada nas redes sociais
dizia que estava sendo cobrado imposto sobre as transações ou que o governo
tinha o plano de começar a taxar. A boataria foi tamanha que a quantidade de
operações com Pix teve uma queda de 11% entre 4 e 10 de janeiro na comparação
com igual período do ano passado. Na sexta-feira da semana passada, o próprio
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva gravou vídeo fazendo transferência para o Corinthians quitar a dívida da
construção de seu estádio e negando intenção de começar a taxar o Pix. Outras
tentativas oficiais de esclarecimento deram em nada. O estrago estava feito.
Tomada a decisão de recuar, o governo ainda
precisa agir, de forma concomitante, em pelo menos três frentes. A primeira é
montar uma estratégia para aprovar de uma vez por todas a regulamentação das
redes sociais no Congresso. O caso do Pix é apenas mais um numa longa lista de
episódios de desinformação propagados nas redes. Vídeos e posts com mentiras
deslavadas viralizaram, sem nenhuma reação das plataformas.
A segunda resposta esperada do governo é uma
autocrítica. Fake news sobre a criação de novos impostos só se espalharam
porque havia um terreno fértil. Desde que assumiu, o governo Lula sustentou
parte do aumento do gasto público com uma rara sanha arrecadatória. No país com
uma das cargas tributárias mais altas do mundo, a notícia falsa de mais um
imposto logo ganha credibilidade.
Por fim, o governo deve procurar apoio no
Congresso para aprovar medidas que voltem a dar poder de fiscalização à Receita
contra sonegadores. O Pix não pode ser o paraíso para quem não quer pagar os
impostos necessários na construção de estradas, escolas, creches, hospitais e
postos de saúde. O monitoramento de movimentações financeiras deveria ser algo
automático e simples.
Impacto da IA no mercado de trabalho exigirá
atenção dos governantes
O Globo
No prazo de dez anos, 132 milhões de postos
de trabalho na América Latina estarão expostos à tecnologia
Um estudo do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) publicado no ano passado buscou projetar as consequências
da inteligência
artificial (IA) nos mercados de trabalho da América Latina e do
Caribe. Análises anteriores davam peso à automatização de tarefas, esquecendo
que a nova tecnologia tem aplicação sobretudo na ampliação das funções
cognitivas. Os autores fizeram um esforço para incorporar na análise as chances
de adoção, levando em conta a arquitetura regulatória. Concluíram que cerca de
84 milhões de postos de trabalho na América Latina e no Caribe estarão expostos
à IA no prazo de um ano. Como a tendência é o avanço contínuo da tecnologia, os
afetados aumentam com o passar do tempo. Em cinco anos, para 114 milhões. Em
dez anos, para 132 milhões.
Estar exposto não significa necessariamente
perda de emprego ou obsolescência. Apenas que as atividades têm maiores chances
de passar por grandes transformações. Na lista das mais suscetíveis, há
representantes de diferentes setores. No industrial, operadores de máquinas no
setor calçadista, têxtil, de embalagens e retificação, além de preparadores de
ferramentas. Nos serviços, caixas de supermercados e lojas, funcionários de
empresas de contabilidade ou auditoria. Funcionários do setor de compras, atividade
mais complexa, também correm riscos. Entre as atividades menos expostas estão
cirurgiões, enfermeiros, professores, bombeiros, policiais, assistentes sociais
e juízes. Na área médica, há nuances. Enquanto pediatras parecem imunes ao
avanço da IA, em razão da maior interação com os pacientes, radiologistas e
dermatologistas tendem a sofrer impacto maior.
Mesmo entusiastas da IA mais otimistas
reconhecem os obstáculos. Até poucos meses atrás, bastava às empresas de
tecnologia aumentar a quantidade de dados e de hardware para treinar modelos
maiores. Parece claro agora que os resultados dessa estratégia são declinantes.
Os cientistas terão de desenvolver novas técnicas para superar os desafios que
começam a surgir.
A incapacidade de prever a velocidade com que
as barreiras serão vencidas é apenas uma das limitações intrínsecas do estudo
do BID. A análise tampouco leva em conta efeitos indiretos, como a queda da
demanda de serviços que o uso da IA poderá trazer (se houver menos incêndios
com o uso inteligente da eletricidade, haverá menos demanda por bombeiros, uma
das profissões tidas como pouco expostas). As projeções são, contudo, um
instrumento valioso para formuladores de políticas públicas. Com mais e melhores
análises, ficará mais fácil decidir que intervenções adotar na educação ou no
treinamento de profissionais para mitigar os efeitos negativos da nova
tecnologia. A IA precisa ser encarada mais como oportunidade do que como
ameaça.
Davos vê maiores riscos no aquecimento global
e fake News
Valor Econômico
As expectativas sombrias de menor crescimento
global, inflação mais alta e fragmentação encontram a economia brasileira em um
momento de fragilidade
O mundo nunca esteve tão dividido depois da
Guerra Fria quanto agora, e as perspectivas para a ordem global são sombrias
tanto no curto quanto no longo prazo, apontam os relatórios que servem de base
para a reunião da elite empresarial e financeira do Fórum Econômico Mundial em
Davos. Os riscos mais severos nos próximos meses e anos não são econômicos,
embora tenham profunda repercussão na economia: desinformação e informação
enganosa nublam um ambiente marcado por polarização e confronto social. A longo
prazo, eventos climáticos extremos são o principal foco de preocupação, com seu
cortejo negativo de perda da biodiversidade e graves distúrbios nos sistemas
ecológicos. A volta de Donald Trump à Casa Branca é um divisor de águas - a
maioria dos economistas, políticos, empresários e acadêmicos consultados
acredita que sua gestão terá consequências políticas e econômicas duradouras.
A ameaça de conflitos armados patrocinados
por Estados, como a invasão da Ucrânia pela Rússia, ocupa a primeira posição
das ameaças globais gerais identificadas pelo relatório de riscos globais. “Em
um mundo que viu o número de conflitos armados se intensificar na última
década, a segurança nacional começa a dominar as agendas políticas”, aponta o
relatório. O vácuo criado com o enfraquecimento dos órgãos internacionais para
garantir a estabilidade política levará os governos a priorizar a segurança - e
coordenar esta prioridade e a de defesa com um seleto grupo de aliados ou com a
tomada de decisões militares unilaterais. Como consequência, e não apenas por
motivos de segurança, “o multilateralismo parece estar enfrentando o seu mais
difícil período desde a fundação das Nações Unidas, em 1945”, conclui.
A iminência de guerras se relaciona com outra
forte inquietação, a dos confrontos geopolíticos que, pelos relatórios, se
acirrarão, com a disputa mais entre Estados Unidos e China, que deve se
intensificar. Há dúvida, no entanto, se o conflito extrapolará para uma guerra
comercial de todos contra todos. O ator principal neste campo é o novo
presidente americano, Donald Trump.
A maioria dos economistas consultados prevê
que a economia global se enfraquecerá este ano, pelas mudanças que a nova
administração dos EUA executará, bem como se ampliará a fragmentação da ordem
econômica, que já vem desde o primeiro mandato de Trump.
O relatório adverte que uma escalada global
do protecionismo tarifário deve levar ao declínio do comércio global a longo
prazo. A ruptura do comércio entre EUA e China terá repercussões em todas as
esferas da vida social. Seu aprofundamento adicionará ainda incertezas nas
perspectivas da economia global, diante da fraqueza econômica da Europa e da
perda de vigor da economia chinesa.
Como resultado, os próximos anos não serão
nada tranquilos. Apenas 11% preveem alguma estabilidade a curto prazo, ante 31%
que esperam tempos turbulentos ou tempestuosos. Em dez anos, mais da metade dos
entrevistados vê fortes instabilidades ou algo pior.
No capítulo sobre as possíveis consequências
das mais prováveis políticas de Trump, há surpreendente consenso. Dos
entrevistados, 97% acreditam que o endividamento público americano vai
aumentar. A mesma coisa acontecerá com a inflação, para 94%, enquanto 91%
consideram que os impostos cairão nos EUA. Nos próximos três anos, pode haver
impacto positivo no crescimento econômico dessas políticas, que se desvanecerá
rapidamente. No longo prazo, mais de 50% dos economistas ouvidos acreditam que
os efeitos serão negativos. O impacto global das decisões de Trump deve ser
muito ruim para o crescimento tanto no curto (opinião de 68%) como no médio
(80%) e longo prazos (65%).
A fragmentação impulsionada pelos EUA
aumentará, como já vem fazendo, o uso de políticas industriais protecionistas,
com mais custos para empresas e consumidores; diminuirá as chances de ação
coletiva contra o aquecimento global e elevará os riscos de conflito. Três
quartos dos economistas esperam que as multinacionais executem reestruturações
potencialmente caras de cadeias produtivas, regionalizando operações, ou
concentrem atuação em mercados chave ou abandonem os mercados de maior risco.
As expectativas sombrias de menor crescimento
global, inflação mais alta e fragmentação encontram a economia brasileira em um
momento de fragilidade. Os riscos de uma avalanche de informações falsas ou
desinformação podem enfraquecer politicamente o governo Lula, já minoritário no
Congresso - a polêmica do Pix foi uma amostra dos estragos que provoca. Na área
econômica, não há como se defender sem rearmar o escudo fiscal, com corte de
gastos e obtenção de superávits primários. No caso das fake news, a Câmara
deveria votar de vez o projeto que nela se encontra parado de responsabilização
das redes sociais. Quanto à ameaça climática, o governo deveria encerrar as
ambiguidades sobre uso de combustíveis fósseis e se engajar em uma agenda clara
e detalhada de combate ao aquecimento global.
Governadores de MG, RJ e RS querem viver à
custa do país
Folha de S. Paulo
Nos 3 estados campeões de irresponsabilidade
fiscal, chefes do Executivo reclamam de mais um programa de socorro federal
O Congresso
Nacional aprovou no final de 2024 outro favor para os estados mais
endividados do país. Minoritário no Parlamento, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) teve de
engolir o que deve redundar em mais um perdão de dívidas com a União.
Os governadores dos três estados desde sempre
campeões da irresponsabilidade fiscal —Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul— acharam pouco. Queixaram-se
de vetos presidenciais sobre dispositivos que implicariam favores
ainda maiores, de curto prazo, e aumentariam o déficit federal. Querem que os
parlamentares derrubem os vetos.
Relembre-se a história: no final dos anos
1990, o governo federal assumiu os passivos de estados praticamente quebrados
por endividamento excessivo e má gestão. Os maiores beneficiados foram São Paulo,
que vem ajustando suas contas, Rio, Minas e Rio Grande do Sul.
O refinanciamento envolveu taxas de juros razoáveis
e prazos de pagamento estendidos. Desde 2014, porém, tem havido novas revisões
das condições de pagamento, regimes especiais para recalcitrantes e ajudas do
Supremo Tribunal Federal.
O novo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas
dos Estados (Propag), imposto em conchavo com o Congresso, permite
que a taxa de juros da dívida seja reduzida a até zero, caso os governos
entreguem ativos (de estatais a recebíveis), invistam em educação e segurança
pública e contribuam para um fundo de compensação para unidades federativas que
cuidam de suas finanças.
Mas o trio campeão do endividamento queria
que a União ainda bancasse alguns de seus débitos atuais e que pudesse pagar
dívidas com sua parte do futuro Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional,
criado pela reforma tributária, tópicos que foram objeto de vetos de Lula.
Rio (com dívida equivalente a 188% da receita
corrente líquida em 2023), Rio Grande do Sul (185%) e Minas Gerais (168%) estão
entre os estados que mais gastam com salários e Previdência.
O governador mineiro, Romeu Zema (Novo),
criticou os vetos dizendo que o dinheiro dos pagamentos mineiros irá para
mordomias federais —Zema, diga-se, reajustou o seu salário e os da cúpula
estatal mineira. Tais itens não têm peso relevante nas contas fiscais, mas a
demagogia hipócrita é evidente e vai muito além de populismo nas redes sociais.
Minas não paga suas dívidas, amparada por
decisões judiciais duvidosas, não ajusta suas contas e, sob um governo que se
diz liberal, não privatiza empresas. Com o Propag, pode tentar empurrar suas
estatais para a União, em troca de abatimento de débitos e juros. Mas por que
não vendeu antes esses ativos?
No fim das contas, o governo federal terá de
fazer mais dívida a fim de compensar a perda de receita financeira. Seriam
mais R$ 20 bilhões por ano, na estimativa oficial —uma conta para
todos os contribuintes do país.
Da PM ao PCC
Folha de S. Paulo
Agentes da Polícia Militar de SP são
suspeitos de matar delator da facção; deve-se separar a banda podre da
corporação
Chamou a atenção pela audácia brutal o
assassinato a tiros de Antônio Vinícius Gritzbach, delator do Primeiro
Comando da Capital (PCC),
em 8 de novembro do ano passado, em plena luz do dia, no aeroporto de Cumbica,
em Guarulhos (SP), o maior do país.
De imediato, cogitou-se à época que o ataque
espetaculoso teria sido obra da facção criminosa. Dois homens encapuzados
saíram de um carro segundos depois que o empresário deixou a área de
desembarque do aeroporto, matando-o em meio a outros passageiros. Um motorista
de aplicativo também morreu.
Passados mais de dois meses, porém, uma
investigação da Corregedoria da Polícia
Militar abre a caixa de Pandora de conexões espúrias entre o crime
organizado e agentes da corporação.
Nesta quinta-feira (16), 15 PMs suspeitos de
envolvimento com o PCC foram alvo de uma operação realizada pela própria
instituição, com ordens de prisão decretadas pela Justiça. Entre
os presos está um cabo identificado como o autor do assassinato.
Se comprovada a linha até agora estabelecida,
a apuração da Corregedoria expõe a alarmante influência do PCC nas forças de
segurança do estado. Ivalda Aleixo, delegada do caso, relatou nesta semana que
trabalha com a hipótese de que a morte do delator tenha sido encomendada pela
facção e executada por policiais.
Não eram poucos os indícios da penetração
nefasta do crime organizado entre agentes. Desde novembro, policiais militares
e civis envolvidos na investigação já suspeitavam da participação de PMs. Entre
os detidos na operação está o tenente que chefiava a escolta de Gritzbach.
Trata-se de caso escandaloso que deveria, no
mínimo, fortalecer o controle tanto externo quanto interno sobre a atividade
policial, ainda precário. É preciso, por óbvio, que a corporação e a Justiça
demonstrem rigor na punição dos agentes eventualmente envolvidos com o PCC.
Ao
afirmar que a "PM está punindo a PM", o governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos) aponta o pouco que há de positivo no
episódio chocante, mas cumpre observar que estamos apenas nos estágios iniciais
da apuração. Há longo caminho até a acusação formal, o julgamento com pleno
direito à defesa e a condenação dos envolvidos.
A polícia paulista, cuja imagem já está desgastada devido à escalada de sua letalidade, precisa mostrar que não coaduna com o crime que diz combater —separando a banda podre do restante da corporação, que, espera-se, seja ampla maioria.
Lula já não governa. É governado
O Estado de S. Paulo
Ao ceder facilmente à pressão das redes,
revogando uma medida da Receita que era correta, o presidente mostrou-se
incapaz de defender até mesmo suas decisões mais comezinhas
O governo de Lula da Silva deu uma
inacreditável demonstração de covardia ao revogar uma normativa da Receita
Federal sobre o Pix, voltando atrás de uma decisão correta apenas porque foi
criticada e distorcida nas redes sociais. Se acreditava que a medida em questão
era boa, como de fato era, o governo deveria tê-la bancado. Ao ceder facilmente
à pressão das redes, o presidente da República mostrou-se incapaz de defender
até mesmo suas decisões mais comezinhas, como era o caso desta. Isto é, Lula
deu claros sinais de que já não governa – ao contrário, é governado.
E note-se: o veteraníssimo Lula não está
sendo governado apenas pelas raposas felpudas do Centrão, mas também por um
rapaz de 28 anos, mal entrado na política. O rapaz em questão é o deputado
oposicionista Nikolas Ferreira (PL-MG), que gravou um vídeo singelo no qual
levantou dúvidas sobre as verdadeiras intenções do governo ao obrigar bancos
digitais e operadoras de cartão de crédito a informar ao Fisco movimentações
mensais por Pix superiores a R$ 5 mil por pessoas físicas e a R$ 15 mil por
pessoas jurídicas – como, aliás, já fazem bancos públicos e privados e
cooperativas de crédito – com o propósito de fechar brechas para a sonegação
fiscal e a lavagem de dinheiro.
É ocioso discutir se a intenção do referido
deputado era suscitar questões legítimas ou explorar politicamente o receio dos
pequenos empreendedores de terem sua modesta renda mordida pelo Fisco. O fato é
que o vídeo teve mais de 200 milhões de visualizações e o espírito de sua
mensagem chegou com força ao mundo real. É muito provável que o parlamentar
tenha gastado em seu vídeo apenas uma ínfima fração do dinheiro que o governo
despendeu para contra-atacar a boataria, e, no entanto, foi infinitas vezes mais
bem-sucedido. E isso aconteceu porque ninguém mais acredita no governo.
Já faz algum tempo que Lula parece ter se
dado conta disso, a ponto de recentemente entregar sua Secretaria de
Comunicação a um profissional de marketing eleitoral, mas talvez fosse o caso
de contratar um ilusionista. Diante do desafio colossal de recuperar a
confiança dos brasileiros em Lula, o ministro-marqueteiro já avisou que tocará
adiante uma licitação de quase R$ 200 milhões para turbinar as redes sociais
governistas. Debalde: será jogar dinheiro no lixo, porque, a julgar pelo
episódio da normativa da Receita, os brasileiros já se convenceram de que o
único propósito do governo Lula é arrancar o suado dinheiro dos contribuintes
para aumentar a capacidade do Estado de lhes atrapalhar a vida. Fazer gracinhas
nas redes sociais, a título de confrontar o que o governo chama de fake
news, não vai resolver o problema de fundo do governo.
Se quisesse mesmo contestar o discurso da
oposição, bastaria ao governo encaminhar medidas que sinalizassem uma genuína
vontade de conter os gastos públicos, de modo a demonstrar aos cidadãos
ressabiados que há compromisso de reduzir a pesadíssima carga tributária. O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone
Tebet, até tentaram fazer isso, mas foram atropelados pelos imperativos
eleitoreiros do lulopetismo.
O governo, no entanto, prefere continuar a
passar vergonha. Não só revogou a normativa da Receita de maneira atabalhoada,
como editou uma medida provisória para garantir que o Pix não será taxado, algo
que já está estabelecido na legislação sobre esse meio de pagamento. Ou seja,
Lula assinou uma medida provisória – instrumento constitucional que tem força
de lei enquanto vigora e, por isso, deve respeitar pressupostos de urgência e
relevância – apenas para dar satisfação ao burburinho das redes sociais.
Assim, parece claro que Lula, outrora
demiurgo, está a reboque dos acontecimentos e se limita a reagir a eles de
maneira confusa e desorganizada. E isso tudo acontece porque, como está cada
vez mais claro, Lula não tem projeto para o País. Venceu a eleição com o
discurso de que era necessário impedir a vitória de Jair Bolsonaro e o avanço
das forças antidemocráticas, mas, uma vez no poder, viu-se refém de uma
conjuntura muito mais espinhosa do que a de seus mandatos anteriores e hoje
parece perdido – e incapaz de impor a sua versão dos fatos.
O problema da economia superaquecida
O Estado S. Paulo
Economia brasileira opera acima de seu
potencial e pressiona inflação e juros. Haddad reconhece problema e defende
calibragem, mas o reequilíbrio depende da política fiscal do governo
A economia brasileira cresce a um ritmo acima
de sua capacidade há sete trimestres consecutivos. O hiato positivo do produto
– indicador do quanto a economia está crescendo acima de sua capacidade, o que
é potencialmente inflacionário – começou com 0,7% no primeiro trimestre de 2023
e foi aumentando gradativamente até chegar a 4% no terceiro trimestre de 2024,
no maior descompasso entre demanda e oferta dos últimos 30 anos, como ressaltou
Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre, da
Fundação Getulio Vargas (FGV), ao Estadão.
Um estudo realizado por Considera em parceria
com a pesquisadora Elisa Andrade mostra que, antes do ciclo recessivo de 2014 a
2016, o potencial da economia e o seu crescimento efetivo avançavam de forma
equilibrada; depois da recessão, até 2023, passaram a rodar de forma desigual,
mas com taxas ainda próximas; a partir daí, a desproporção aumentou. O
levantamento apenas apresenta os dados, sem tecer comentários sobre as causas,
mas por óbvio não é mera coincidência a reversão ter ocorrido a partir da política
de incremento de gastos públicos adotada pelo governo Lula da Silva.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em
entrevista recente à GloboNews, admitiu pela primeira vez que a economia está
operando acima de seu potencial. Começou celebrando o fato de o País ter
crescido “7% em dois anos”, mas acabou por reconhecer que o déficit em
transações correntes em 2024 – estimado em US$ 54 bilhões pelo Banco Central
(BC) – indica que o crescimento deva “ser calibrado”. O ministro chegou a fazer
uma analogia entre conduzir o crescimento econômico e dirigir um carro de
Fórmula 1: “Acelerar é sempre bom? Depende”. Ou seja, se acelerar demais, pode
escapar na curva e bater no muro.
Ainda que tardio, é um sinal de alinhamento
da Fazenda com os argumentos usados pelo Banco Central para justificar a
política monetária contracionista que tenta evitar os efeitos inflacionários de
uma economia sobreaquecida. Diante do esforço da equipe econômica para recobrar
a credibilidade perdida depois do pacote que frustrou expectativas de contenção
de gastos, não há como garantir que essa seja uma convicção real ou apenas
retórica, mas, ao menos, é um começo.
A demanda acima da oferta que passou a
condicionar a economia depois de nove anos de hiato negativo, como revela o
levantamento da FGV, causa enorme pressão sobre os preços. A economia apresenta
sinais trocados: a produtividade do capital, em queda em 2014, apenas havia
começado a se recuperar quando despencou na pandemia e permanece estagnada; a
produtividade do trabalho também não se recuperou do baque do período de
pandemia. A despeito disso, o consumo aumenta.
A Instituição Fiscal Independente (IFI),
ligada ao Senado, e o Banco Central também apontam superaquecimento econômico
desde 2023. O governo começou a enxergar o fenômeno a partir do segundo
trimestre de 2024, baseado em estudo atualizado com a consultoria do
pesquisador Bráulio Borges, também da FGV. Ele calcula que em 2023 ainda havia
algum excesso de ociosidade na produção. De qualquer forma, há um consenso de
que a economia brasileira está, de fato, rodando acima de sua capacidade, e a
política fiscal contribui para jogar lenha na fogueira.
Haddad afirmou, na entrevista à GloboNews,
que o País “se desacostumou com disciplina nas contas públicas”. Não é uma
constatação para ser aceita passivamente. A inflação ameaça a estabilidade
porque há déficit de oferta para um consumo que cresce muito acima da produção.
E o consumo cresce porque a política do governo é de estímulo, com o forte
apelo dos programas de transferência e incentivo ao crédito.
Não à toa o hiato positivo do produto é o
argumento mais usado pelo Banco Central para justificar o aperto monetário para
tentar segurar a inflação. Quando, em setembro do ano passado, os juros
voltaram a subir, o comunicado do BC destacou que o conjunto dos indicadores
econômicos mostra “dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma
reavaliação do hiato para o campo positivo”. A calibragem seria mais fácil se
partisse do governo.
Tratamento VIP para o PCC
O Estado de S. Paulo
Regalias em presídio de segurança máxima
mostram falha inaceitável no sistema prisional
O Ministério Público (MP) e a Polícia Civil
de São Paulo deflagraram uma operação contra uma ONG e advogados suspeitos de
atuarem no sistema prisional a serviço de integrantes do Primeiro Comando da
Capital (PCC). Segundo as investigações, realizadas ao longo de três anos, eles
garantiriam facilidades e regalias a bandidos em um presídio de segurança
máxima.
Uma espécie de “plano de saúde do crime”
proporcionava serviços a presidiários da Penitenciária II de Presidente
Venceslau, no oeste paulista. Muito além das necessidades médicas, eram
oferecidos também tratamentos estéticos, como clareamento dental. Tudo isso se
deu em unidade gerenciada pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP)
do Estado mais rico do País, cujo governo se orgulha da linha dura contra o
crime.
Conhecidos como integrantes da “Sintonia dos
Gravatas”, os advogados eram responsáveis por levar à prisão médicos e
dentistas para atender os condenados. Mesmo quando estavam em unidade com o
Regime Disciplinar Diferenciado, mais conhecido como RDD e bastante temido
pelos integrantes da facção, em virtude de sua rigidez, bandidos receberam até
botox. Foi o caso, por exemplo, de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola,
principal líder do PCC.
Além de apurar o oferecimento desse
atendimento articulado pelos “gravatas”, os investigadores também desnudaram a
atuação da ONG Pacto Social & Carcerário – Associação de Familiares e
Amigos de Reclusos. A entidade, com sede em São Bernardo do Campo, no ABC
Paulista, teria sido criada sob demanda dos presos ligados ao PCC para fabricar
denúncias de violações de direitos humanos, atacar agentes públicos e tentar
mobilizar a opinião pública contra o Estado.
O trabalho da ONG foi tão bem-sucedido que
alguns de seus integrantes participaram de um documentário que discute o
sistema carcerário e seu impacto nas famílias dos detentos. O filme, disponível
na Netflix, se chama O Grito, título que inspirou o nome da operação
policial (“Scream Fake” – grito falso, em português) que cumpriu 12 mandados de
prisão, entre eles contra os advogados e os falsos ongueiros.
Segundo o relatório do MP e da Polícia Civil,
o PCC “invadiu a sociedade civil organizada e vem, agora, se apropriando de
discursos politizados para fazer valer os seus interesses próprios”.
Infelizmente, tal constatação pode colocar em dúvida o trabalho de entidades
sérias que buscam melhores condições nas prisões e defendem os direitos de
parentes de presos que não raro sofrem constrangimentos.
Está-se diante de uma nova estrutura do PCC, batizada de “Setor das Reivindicações” e que lembra um sindicato, nesse caso sustentado, sobretudo, por dinheiro do tráfico de drogas. Todo esse esquema só reforça a urgência de maior controle dos presídios, de onde, até hoje, líderes do PCC emitem ordens aos subordinados nas ruas para que dominem territórios, espalhem o terror e expandam o tráfico para mercados estrangeiros. O que não se sabia, e agora se sabe, é que no cárcere de “segurança máxima” tinham até tratamento VIP.
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