sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa / Editoriais / Opiniões

Recuo no Pix expõe fragilidades da atuação do governo

O Globo

Campanha de desinformação reforça necessidade de regulação das redes e autocrítica pela sanha arrecadatória

A decisão do governo federal de cancelar norma da Receita Federal sobre o aumento da transparência das transações via Pix é constatação do estrago feito. Em setembro, o Fisco publicou nova regra avisando que a partir de 1º de janeiro de 2025 as instituições financeiras conhecidas como fintechs, como os bancos digitais, e as operadoras de cartões de crédito passariam a notificar movimentações de pessoas físicas acima de R$ 5 mil por mês. A medida não tinha nada de anormal. Os bancos tradicionais há muito têm regra idêntica. É um instrumento para detectar grandes sonegadores.

Bem explicada e com uma estratégia de comunicação ampla, a decisão seria compreendida facilmente pela população. Não foi o que ocorreu. Com a divulgação relapsa do governo, o que se viu nas duas primeiras semanas do ano foi desinformação, confusão, medo e queda nas transações por Pix. O erro não se deu no mérito da questão, mas na execução.

Logo os propagadores de fake news exploraram o vácuo deixado pelo governo. Informações falsas transmitidas de forma dolosa encheram as redes sociais. Uma das principais dizia que haveria quebra de sigilo de todos os usuários de Pix. Uma mentira, porque a medida da Receita não previa a exposição de detalhes das operações financeiras do cidadão. Apenas os responsáveis por movimentações suspeitas seriam chamados para esclarecimentos. O mesmo já acontece com correntistas de bancos grandes.

Outra falsidade propagada nas redes sociais dizia que estava sendo cobrado imposto sobre as transações ou que o governo tinha o plano de começar a taxar. A boataria foi tamanha que a quantidade de operações com Pix teve uma queda de 11% entre 4 e 10 de janeiro na comparação com igual período do ano passado. Na sexta-feira da semana passada, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva gravou vídeo fazendo transferência para o Corinthians quitar a dívida da construção de seu estádio e negando intenção de começar a taxar o Pix. Outras tentativas oficiais de esclarecimento deram em nada. O estrago estava feito.

Tomada a decisão de recuar, o governo ainda precisa agir, de forma concomitante, em pelo menos três frentes. A primeira é montar uma estratégia para aprovar de uma vez por todas a regulamentação das redes sociais no Congresso. O caso do Pix é apenas mais um numa longa lista de episódios de desinformação propagados nas redes. Vídeos e posts com mentiras deslavadas viralizaram, sem nenhuma reação das plataformas.

A segunda resposta esperada do governo é uma autocrítica. Fake news sobre a criação de novos impostos só se espalharam porque havia um terreno fértil. Desde que assumiu, o governo Lula sustentou parte do aumento do gasto público com uma rara sanha arrecadatória. No país com uma das cargas tributárias mais altas do mundo, a notícia falsa de mais um imposto logo ganha credibilidade.

Por fim, o governo deve procurar apoio no Congresso para aprovar medidas que voltem a dar poder de fiscalização à Receita contra sonegadores. O Pix não pode ser o paraíso para quem não quer pagar os impostos necessários na construção de estradas, escolas, creches, hospitais e postos de saúde. O monitoramento de movimentações financeiras deveria ser algo automático e simples.

Impacto da IA no mercado de trabalho exigirá atenção dos governantes

O Globo

No prazo de dez anos, 132 milhões de postos de trabalho na América Latina estarão expostos à tecnologia

Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) publicado no ano passado buscou projetar as consequências da inteligência artificial (IA) nos mercados de trabalho da América Latina e do Caribe. Análises anteriores davam peso à automatização de tarefas, esquecendo que a nova tecnologia tem aplicação sobretudo na ampliação das funções cognitivas. Os autores fizeram um esforço para incorporar na análise as chances de adoção, levando em conta a arquitetura regulatória. Concluíram que cerca de 84 milhões de postos de trabalho na América Latina e no Caribe estarão expostos à IA no prazo de um ano. Como a tendência é o avanço contínuo da tecnologia, os afetados aumentam com o passar do tempo. Em cinco anos, para 114 milhões. Em dez anos, para 132 milhões.

Estar exposto não significa necessariamente perda de emprego ou obsolescência. Apenas que as atividades têm maiores chances de passar por grandes transformações. Na lista das mais suscetíveis, há representantes de diferentes setores. No industrial, operadores de máquinas no setor calçadista, têxtil, de embalagens e retificação, além de preparadores de ferramentas. Nos serviços, caixas de supermercados e lojas, funcionários de empresas de contabilidade ou auditoria. Funcionários do setor de compras, atividade mais complexa, também correm riscos. Entre as atividades menos expostas estão cirurgiões, enfermeiros, professores, bombeiros, policiais, assistentes sociais e juízes. Na área médica, há nuances. Enquanto pediatras parecem imunes ao avanço da IA, em razão da maior interação com os pacientes, radiologistas e dermatologistas tendem a sofrer impacto maior.

Mesmo entusiastas da IA mais otimistas reconhecem os obstáculos. Até poucos meses atrás, bastava às empresas de tecnologia aumentar a quantidade de dados e de hardware para treinar modelos maiores. Parece claro agora que os resultados dessa estratégia são declinantes. Os cientistas terão de desenvolver novas técnicas para superar os desafios que começam a surgir.

A incapacidade de prever a velocidade com que as barreiras serão vencidas é apenas uma das limitações intrínsecas do estudo do BID. A análise tampouco leva em conta efeitos indiretos, como a queda da demanda de serviços que o uso da IA poderá trazer (se houver menos incêndios com o uso inteligente da eletricidade, haverá menos demanda por bombeiros, uma das profissões tidas como pouco expostas). As projeções são, contudo, um instrumento valioso para formuladores de políticas públicas. Com mais e melhores análises, ficará mais fácil decidir que intervenções adotar na educação ou no treinamento de profissionais para mitigar os efeitos negativos da nova tecnologia. A IA precisa ser encarada mais como oportunidade do que como ameaça.

Davos vê maiores riscos no aquecimento global e fake News

Valor Econômico

As expectativas sombrias de menor crescimento global, inflação mais alta e fragmentação encontram a economia brasileira em um momento de fragilidade

O mundo nunca esteve tão dividido depois da Guerra Fria quanto agora, e as perspectivas para a ordem global são sombrias tanto no curto quanto no longo prazo, apontam os relatórios que servem de base para a reunião da elite empresarial e financeira do Fórum Econômico Mundial em Davos. Os riscos mais severos nos próximos meses e anos não são econômicos, embora tenham profunda repercussão na economia: desinformação e informação enganosa nublam um ambiente marcado por polarização e confronto social. A longo prazo, eventos climáticos extremos são o principal foco de preocupação, com seu cortejo negativo de perda da biodiversidade e graves distúrbios nos sistemas ecológicos. A volta de Donald Trump à Casa Branca é um divisor de águas - a maioria dos economistas, políticos, empresários e acadêmicos consultados acredita que sua gestão terá consequências políticas e econômicas duradouras.

A ameaça de conflitos armados patrocinados por Estados, como a invasão da Ucrânia pela Rússia, ocupa a primeira posição das ameaças globais gerais identificadas pelo relatório de riscos globais. “Em um mundo que viu o número de conflitos armados se intensificar na última década, a segurança nacional começa a dominar as agendas políticas”, aponta o relatório. O vácuo criado com o enfraquecimento dos órgãos internacionais para garantir a estabilidade política levará os governos a priorizar a segurança - e coordenar esta prioridade e a de defesa com um seleto grupo de aliados ou com a tomada de decisões militares unilaterais. Como consequência, e não apenas por motivos de segurança, “o multilateralismo parece estar enfrentando o seu mais difícil período desde a fundação das Nações Unidas, em 1945”, conclui.

A iminência de guerras se relaciona com outra forte inquietação, a dos confrontos geopolíticos que, pelos relatórios, se acirrarão, com a disputa mais entre Estados Unidos e China, que deve se intensificar. Há dúvida, no entanto, se o conflito extrapolará para uma guerra comercial de todos contra todos. O ator principal neste campo é o novo presidente americano, Donald Trump.

A maioria dos economistas consultados prevê que a economia global se enfraquecerá este ano, pelas mudanças que a nova administração dos EUA executará, bem como se ampliará a fragmentação da ordem econômica, que já vem desde o primeiro mandato de Trump.

O relatório adverte que uma escalada global do protecionismo tarifário deve levar ao declínio do comércio global a longo prazo. A ruptura do comércio entre EUA e China terá repercussões em todas as esferas da vida social. Seu aprofundamento adicionará ainda incertezas nas perspectivas da economia global, diante da fraqueza econômica da Europa e da perda de vigor da economia chinesa.

Como resultado, os próximos anos não serão nada tranquilos. Apenas 11% preveem alguma estabilidade a curto prazo, ante 31% que esperam tempos turbulentos ou tempestuosos. Em dez anos, mais da metade dos entrevistados vê fortes instabilidades ou algo pior.

No capítulo sobre as possíveis consequências das mais prováveis políticas de Trump, há surpreendente consenso. Dos entrevistados, 97% acreditam que o endividamento público americano vai aumentar. A mesma coisa acontecerá com a inflação, para 94%, enquanto 91% consideram que os impostos cairão nos EUA. Nos próximos três anos, pode haver impacto positivo no crescimento econômico dessas políticas, que se desvanecerá rapidamente. No longo prazo, mais de 50% dos economistas ouvidos acreditam que os efeitos serão negativos. O impacto global das decisões de Trump deve ser muito ruim para o crescimento tanto no curto (opinião de 68%) como no médio (80%) e longo prazos (65%).

A fragmentação impulsionada pelos EUA aumentará, como já vem fazendo, o uso de políticas industriais protecionistas, com mais custos para empresas e consumidores; diminuirá as chances de ação coletiva contra o aquecimento global e elevará os riscos de conflito. Três quartos dos economistas esperam que as multinacionais executem reestruturações potencialmente caras de cadeias produtivas, regionalizando operações, ou concentrem atuação em mercados chave ou abandonem os mercados de maior risco.

As expectativas sombrias de menor crescimento global, inflação mais alta e fragmentação encontram a economia brasileira em um momento de fragilidade. Os riscos de uma avalanche de informações falsas ou desinformação podem enfraquecer politicamente o governo Lula, já minoritário no Congresso - a polêmica do Pix foi uma amostra dos estragos que provoca. Na área econômica, não há como se defender sem rearmar o escudo fiscal, com corte de gastos e obtenção de superávits primários. No caso das fake news, a Câmara deveria votar de vez o projeto que nela se encontra parado de responsabilização das redes sociais. Quanto à ameaça climática, o governo deveria encerrar as ambiguidades sobre uso de combustíveis fósseis e se engajar em uma agenda clara e detalhada de combate ao aquecimento global.

Governadores de MG, RJ e RS querem viver à custa do país

Folha de S. Paulo

Nos 3 estados campeões de irresponsabilidade fiscal, chefes do Executivo reclamam de mais um programa de socorro federal

Congresso Nacional aprovou no final de 2024 outro favor para os estados mais endividados do país. Minoritário no Parlamento, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve de engolir o que deve redundar em mais um perdão de dívidas com a União.

Os governadores dos três estados desde sempre campeões da irresponsabilidade fiscal —Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul— acharam pouco. Queixaram-se de vetos presidenciais sobre dispositivos que implicariam favores ainda maiores, de curto prazo, e aumentariam o déficit federal. Querem que os parlamentares derrubem os vetos.

Relembre-se a história: no final dos anos 1990, o governo federal assumiu os passivos de estados praticamente quebrados por endividamento excessivo e má gestão. Os maiores beneficiados foram São Paulo, que vem ajustando suas contas, Rio, Minas e Rio Grande do Sul.

O refinanciamento envolveu taxas de juros razoáveis e prazos de pagamento estendidos. Desde 2014, porém, tem havido novas revisões das condições de pagamento, regimes especiais para recalcitrantes e ajudas do Supremo Tribunal Federal.

O novo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), imposto em conchavo com o Congresso, permite que a taxa de juros da dívida seja reduzida a até zero, caso os governos entreguem ativos (de estatais a recebíveis), invistam em educação e segurança pública e contribuam para um fundo de compensação para unidades federativas que cuidam de suas finanças.

Mas o trio campeão do endividamento queria que a União ainda bancasse alguns de seus débitos atuais e que pudesse pagar dívidas com sua parte do futuro Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, criado pela reforma tributária, tópicos que foram objeto de vetos de Lula.

Rio (com dívida equivalente a 188% da receita corrente líquida em 2023), Rio Grande do Sul (185%) e Minas Gerais (168%) estão entre os estados que mais gastam com salários e Previdência.

O governador mineiro, Romeu Zema (Novo), criticou os vetos dizendo que o dinheiro dos pagamentos mineiros irá para mordomias federais —Zema, diga-se, reajustou o seu salário e os da cúpula estatal mineira. Tais itens não têm peso relevante nas contas fiscais, mas a demagogia hipócrita é evidente e vai muito além de populismo nas redes sociais.

Minas não paga suas dívidas, amparada por decisões judiciais duvidosas, não ajusta suas contas e, sob um governo que se diz liberal, não privatiza empresas. Com o Propag, pode tentar empurrar suas estatais para a União, em troca de abatimento de débitos e juros. Mas por que não vendeu antes esses ativos?

No fim das contas, o governo federal terá de fazer mais dívida a fim de compensar a perda de receita financeira. Seriam mais R$ 20 bilhões por ano, na estimativa oficial —uma conta para todos os contribuintes do país.

Da PM ao PCC

Folha de S. Paulo

Agentes da Polícia Militar de SP são suspeitos de matar delator da facção; deve-se separar a banda podre da corporação

Chamou a atenção pela audácia brutal o assassinato a tiros de Antônio Vinícius Gritzbach, delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), em 8 de novembro do ano passado, em plena luz do dia, no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), o maior do país.

De imediato, cogitou-se à época que o ataque espetaculoso teria sido obra da facção criminosa. Dois homens encapuzados saíram de um carro segundos depois que o empresário deixou a área de desembarque do aeroporto, matando-o em meio a outros passageiros. Um motorista de aplicativo também morreu.

Passados mais de dois meses, porém, uma investigação da Corregedoria da Polícia Militar abre a caixa de Pandora de conexões espúrias entre o crime organizado e agentes da corporação.

Nesta quinta-feira (16), 15 PMs suspeitos de envolvimento com o PCC foram alvo de uma operação realizada pela própria instituição, com ordens de prisão decretadas pela Justiça. Entre os presos está um cabo identificado como o autor do assassinato.

Se comprovada a linha até agora estabelecida, a apuração da Corregedoria expõe a alarmante influência do PCC nas forças de segurança do estado. Ivalda Aleixo, delegada do caso, relatou nesta semana que trabalha com a hipótese de que a morte do delator tenha sido encomendada pela facção e executada por policiais.

Não eram poucos os indícios da penetração nefasta do crime organizado entre agentes. Desde novembro, policiais militares e civis envolvidos na investigação já suspeitavam da participação de PMs. Entre os detidos na operação está o tenente que chefiava a escolta de Gritzbach.

Trata-se de caso escandaloso que deveria, no mínimo, fortalecer o controle tanto externo quanto interno sobre a atividade policial, ainda precário. É preciso, por óbvio, que a corporação e a Justiça demonstrem rigor na punição dos agentes eventualmente envolvidos com o PCC.

Ao afirmar que a "PM está punindo a PM", o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) aponta o pouco que há de positivo no episódio chocante, mas cumpre observar que estamos apenas nos estágios iniciais da apuração. Há longo caminho até a acusação formal, o julgamento com pleno direito à defesa e a condenação dos envolvidos.

A polícia paulista, cuja imagem já está desgastada devido à escalada de sua letalidade, precisa mostrar que não coaduna com o crime que diz combater —separando a banda podre do restante da corporação, que, espera-se, seja ampla maioria.

Lula já não governa. É governado

O Estado de S. Paulo

Ao ceder facilmente à pressão das redes, revogando uma medida da Receita que era correta, o presidente mostrou-se incapaz de defender até mesmo suas decisões mais comezinhas

O governo de Lula da Silva deu uma inacreditável demonstração de covardia ao revogar uma normativa da Receita Federal sobre o Pix, voltando atrás de uma decisão correta apenas porque foi criticada e distorcida nas redes sociais. Se acreditava que a medida em questão era boa, como de fato era, o governo deveria tê-la bancado. Ao ceder facilmente à pressão das redes, o presidente da República mostrou-se incapaz de defender até mesmo suas decisões mais comezinhas, como era o caso desta. Isto é, Lula deu claros sinais de que já não governa – ao contrário, é governado.

E note-se: o veteraníssimo Lula não está sendo governado apenas pelas raposas felpudas do Centrão, mas também por um rapaz de 28 anos, mal entrado na política. O rapaz em questão é o deputado oposicionista Nikolas Ferreira (PL-MG), que gravou um vídeo singelo no qual levantou dúvidas sobre as verdadeiras intenções do governo ao obrigar bancos digitais e operadoras de cartão de crédito a informar ao Fisco movimentações mensais por Pix superiores a R$ 5 mil por pessoas físicas e a R$ 15 mil por pessoas jurídicas – como, aliás, já fazem bancos públicos e privados e cooperativas de crédito – com o propósito de fechar brechas para a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro.

É ocioso discutir se a intenção do referido deputado era suscitar questões legítimas ou explorar politicamente o receio dos pequenos empreendedores de terem sua modesta renda mordida pelo Fisco. O fato é que o vídeo teve mais de 200 milhões de visualizações e o espírito de sua mensagem chegou com força ao mundo real. É muito provável que o parlamentar tenha gastado em seu vídeo apenas uma ínfima fração do dinheiro que o governo despendeu para contra-atacar a boataria, e, no entanto, foi infinitas vezes mais bem-sucedido. E isso aconteceu porque ninguém mais acredita no governo.

Já faz algum tempo que Lula parece ter se dado conta disso, a ponto de recentemente entregar sua Secretaria de Comunicação a um profissional de marketing eleitoral, mas talvez fosse o caso de contratar um ilusionista. Diante do desafio colossal de recuperar a confiança dos brasileiros em Lula, o ministro-marqueteiro já avisou que tocará adiante uma licitação de quase R$ 200 milhões para turbinar as redes sociais governistas. Debalde: será jogar dinheiro no lixo, porque, a julgar pelo episódio da normativa da Receita, os brasileiros já se convenceram de que o único propósito do governo Lula é arrancar o suado dinheiro dos contribuintes para aumentar a capacidade do Estado de lhes atrapalhar a vida. Fazer gracinhas nas redes sociais, a título de confrontar o que o governo chama de fake news, não vai resolver o problema de fundo do governo.

Se quisesse mesmo contestar o discurso da oposição, bastaria ao governo encaminhar medidas que sinalizassem uma genuína vontade de conter os gastos públicos, de modo a demonstrar aos cidadãos ressabiados que há compromisso de reduzir a pesadíssima carga tributária. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, até tentaram fazer isso, mas foram atropelados pelos imperativos eleitoreiros do lulopetismo.

O governo, no entanto, prefere continuar a passar vergonha. Não só revogou a normativa da Receita de maneira atabalhoada, como editou uma medida provisória para garantir que o Pix não será taxado, algo que já está estabelecido na legislação sobre esse meio de pagamento. Ou seja, Lula assinou uma medida provisória – instrumento constitucional que tem força de lei enquanto vigora e, por isso, deve respeitar pressupostos de urgência e relevância – apenas para dar satisfação ao burburinho das redes sociais.

Assim, parece claro que Lula, outrora demiurgo, está a reboque dos acontecimentos e se limita a reagir a eles de maneira confusa e desorganizada. E isso tudo acontece porque, como está cada vez mais claro, Lula não tem projeto para o País. Venceu a eleição com o discurso de que era necessário impedir a vitória de Jair Bolsonaro e o avanço das forças antidemocráticas, mas, uma vez no poder, viu-se refém de uma conjuntura muito mais espinhosa do que a de seus mandatos anteriores e hoje parece perdido – e incapaz de impor a sua versão dos fatos.

O problema da economia superaquecida

O Estado S. Paulo

Economia brasileira opera acima de seu potencial e pressiona inflação e juros. Haddad reconhece problema e defende calibragem, mas o reequilíbrio depende da política fiscal do governo

A economia brasileira cresce a um ritmo acima de sua capacidade há sete trimestres consecutivos. O hiato positivo do produto – indicador do quanto a economia está crescendo acima de sua capacidade, o que é potencialmente inflacionário – começou com 0,7% no primeiro trimestre de 2023 e foi aumentando gradativamente até chegar a 4% no terceiro trimestre de 2024, no maior descompasso entre demanda e oferta dos últimos 30 anos, como ressaltou Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre, da Fundação Getulio Vargas (FGV), ao Estadão.

Um estudo realizado por Considera em parceria com a pesquisadora Elisa Andrade mostra que, antes do ciclo recessivo de 2014 a 2016, o potencial da economia e o seu crescimento efetivo avançavam de forma equilibrada; depois da recessão, até 2023, passaram a rodar de forma desigual, mas com taxas ainda próximas; a partir daí, a desproporção aumentou. O levantamento apenas apresenta os dados, sem tecer comentários sobre as causas, mas por óbvio não é mera coincidência a reversão ter ocorrido a partir da política de incremento de gastos públicos adotada pelo governo Lula da Silva.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista recente à GloboNews, admitiu pela primeira vez que a economia está operando acima de seu potencial. Começou celebrando o fato de o País ter crescido “7% em dois anos”, mas acabou por reconhecer que o déficit em transações correntes em 2024 – estimado em US$ 54 bilhões pelo Banco Central (BC) – indica que o crescimento deva “ser calibrado”. O ministro chegou a fazer uma analogia entre conduzir o crescimento econômico e dirigir um carro de Fórmula 1: “Acelerar é sempre bom? Depende”. Ou seja, se acelerar demais, pode escapar na curva e bater no muro.

Ainda que tardio, é um sinal de alinhamento da Fazenda com os argumentos usados pelo Banco Central para justificar a política monetária contracionista que tenta evitar os efeitos inflacionários de uma economia sobreaquecida. Diante do esforço da equipe econômica para recobrar a credibilidade perdida depois do pacote que frustrou expectativas de contenção de gastos, não há como garantir que essa seja uma convicção real ou apenas retórica, mas, ao menos, é um começo.

A demanda acima da oferta que passou a condicionar a economia depois de nove anos de hiato negativo, como revela o levantamento da FGV, causa enorme pressão sobre os preços. A economia apresenta sinais trocados: a produtividade do capital, em queda em 2014, apenas havia começado a se recuperar quando despencou na pandemia e permanece estagnada; a produtividade do trabalho também não se recuperou do baque do período de pandemia. A despeito disso, o consumo aumenta.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, e o Banco Central também apontam superaquecimento econômico desde 2023. O governo começou a enxergar o fenômeno a partir do segundo trimestre de 2024, baseado em estudo atualizado com a consultoria do pesquisador Bráulio Borges, também da FGV. Ele calcula que em 2023 ainda havia algum excesso de ociosidade na produção. De qualquer forma, há um consenso de que a economia brasileira está, de fato, rodando acima de sua capacidade, e a política fiscal contribui para jogar lenha na fogueira.

Haddad afirmou, na entrevista à GloboNews, que o País “se desacostumou com disciplina nas contas públicas”. Não é uma constatação para ser aceita passivamente. A inflação ameaça a estabilidade porque há déficit de oferta para um consumo que cresce muito acima da produção. E o consumo cresce porque a política do governo é de estímulo, com o forte apelo dos programas de transferência e incentivo ao crédito.

Não à toa o hiato positivo do produto é o argumento mais usado pelo Banco Central para justificar o aperto monetário para tentar segurar a inflação. Quando, em setembro do ano passado, os juros voltaram a subir, o comunicado do BC destacou que o conjunto dos indicadores econômicos mostra “dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo”. A calibragem seria mais fácil se partisse do governo.

Tratamento VIP para o PCC

O Estado de S. Paulo

Regalias em presídio de segurança máxima mostram falha inaceitável no sistema prisional

O Ministério Público (MP) e a Polícia Civil de São Paulo deflagraram uma operação contra uma ONG e advogados suspeitos de atuarem no sistema prisional a serviço de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo as investigações, realizadas ao longo de três anos, eles garantiriam facilidades e regalias a bandidos em um presídio de segurança máxima.

Uma espécie de “plano de saúde do crime” proporcionava serviços a presidiários da Penitenciária II de Presidente Venceslau, no oeste paulista. Muito além das necessidades médicas, eram oferecidos também tratamentos estéticos, como clareamento dental. Tudo isso se deu em unidade gerenciada pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado mais rico do País, cujo governo se orgulha da linha dura contra o crime.

Conhecidos como integrantes da “Sintonia dos Gravatas”, os advogados eram responsáveis por levar à prisão médicos e dentistas para atender os condenados. Mesmo quando estavam em unidade com o Regime Disciplinar Diferenciado, mais conhecido como RDD e bastante temido pelos integrantes da facção, em virtude de sua rigidez, bandidos receberam até botox. Foi o caso, por exemplo, de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, principal líder do PCC.

Além de apurar o oferecimento desse atendimento articulado pelos “gravatas”, os investigadores também desnudaram a atuação da ONG Pacto Social & Carcerário – Associação de Familiares e Amigos de Reclusos. A entidade, com sede em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, teria sido criada sob demanda dos presos ligados ao PCC para fabricar denúncias de violações de direitos humanos, atacar agentes públicos e tentar mobilizar a opinião pública contra o Estado.

O trabalho da ONG foi tão bem-sucedido que alguns de seus integrantes participaram de um documentário que discute o sistema carcerário e seu impacto nas famílias dos detentos. O filme, disponível na Netflix, se chama O Grito, título que inspirou o nome da operação policial (“Scream Fake” – grito falso, em português) que cumpriu 12 mandados de prisão, entre eles contra os advogados e os falsos ongueiros.

Segundo o relatório do MP e da Polícia Civil, o PCC “invadiu a sociedade civil organizada e vem, agora, se apropriando de discursos politizados para fazer valer os seus interesses próprios”. Infelizmente, tal constatação pode colocar em dúvida o trabalho de entidades sérias que buscam melhores condições nas prisões e defendem os direitos de parentes de presos que não raro sofrem constrangimentos.

Está-se diante de uma nova estrutura do PCC, batizada de “Setor das Reivindicações” e que lembra um sindicato, nesse caso sustentado, sobretudo, por dinheiro do tráfico de drogas. Todo esse esquema só reforça a urgência de maior controle dos presídios, de onde, até hoje, líderes do PCC emitem ordens aos subordinados nas ruas para que dominem territórios, espalhem o terror e expandam o tráfico para mercados estrangeiros. O que não se sabia, e agora se sabe, é que no cárcere de “segurança máxima” tinham até tratamento VIP.

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