Luiz Carlos Bresser Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A agência que substituir o FMI deverá alertar os países que ultrapassarem o limite de déficit em conta corrente
NOS PRÓXIMOS dias os líderes políticos e econômicos dos grandes países reunir-se-ão para discutir uma nova Bretton Woods, ou seja, uma nova arquitetura e um sistema de regulação mais rigoroso para o sistema financeiro mundial. Aproveitarão também para repassar as medidas que já tomaram para garantir a solvência e para aumentar a liquidez dos bancos.
Nesse ponto, o essencial já foi decidido e está sendo implementado: a recapitalização dos bancos. O crédito, porém, está demorando a ser restabelecido, dada a natural desconfiança dos bancos em relação às demais empresas. Nos Estados Unidos, o Fed vem se encarregando de agir nessa direção; no Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já revelou essa disposição, embora aqui o problema dos grandes bancos não seja grave.
Entrementes as previsões quanto às conseqüências reais da crise estão se agravando. O JPMorgan prevê para 2009 queda de 0,5% no PIB dos países ricos e crescimento de 4,2% no dos emergentes. Para o Brasil, as previsões estão tendendo para 2%. Nouriel Roubini fala em estag-deflação. Embora não tenha dúvida quanto à recessão dos países ricos e à diminuição das taxas de crescimento dos emergentes, creio haver excesso de pessimismo. No momento em que as medidas que estão sendo tomadas fizerem efeito -e farão- deixará de haver motivo para a retração violenta da atividade econômica que está sendo prevista.
Como aconteceu em 1929, a crise financeira terá conseqüências reais, mas não serão tão graves porque, ao contrário do que ocorreu naquela época, os governos agora agiram com rapidez e competência para enfrentá-la. Deverão, adicionalmente, tomar medidas fortes para neutralizar a natural contração real da demanda. Medidas dessa natureza começaram a ser tomadas ainda pelo governo Hoover depois de 1929, mas eram tímidas; as políticas mais fortes vieram com Roosevelt, mas em 1933 o desastre já estava feito.
O que constituirá uma nova Bretton Woods em vez de meros remendos à desgovernança montada desde 1971? Nessa questão, é preciso diferenciar o crédito interno a empresas do crédito externo a países para cobrir déficits em conta corrente. No crédito interno, o essencial é uma regulação muito maior sobre os bancos de varejo, ao mesmo tempo em que se tomem medidas duras para reduzir a desintermediação financeira -ou seja, a concessão de crédito por agências que não são bancos comerciais. É necessário também limitar os bônus dos agentes financeiros, porque são uma causa maior de especulação irresponsável.
No plano internacional, o fundamental é limitar o crédito dado aparentemente a empresas, mas que, na verdade, financia déficits em conta corrente. Em Bretton Woods não havia essa preocupação, e o Banco Mundial foi criado para viabilizar déficits em conta corrente ou "crescimento com poupança externa".
Recentemente, ficou afinal claro que os países não crescem com poupança externa, mas com um bom sistema de crédito interno e com suas próprias poupanças. Os déficits em conta corrente são apenas causa de substituição da poupança interna pela externa, e por crises do balanço de pagamentos. A agência internacional que substituir o FMI (Fundo Monetário Internacional) deverá ter como uma de suas atribuições principais alertar publicamente os países que ultrapassarem o limite, a ser convencionado internacionalmente, de déficit em conta corrente.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A agência que substituir o FMI deverá alertar os países que ultrapassarem o limite de déficit em conta corrente
NOS PRÓXIMOS dias os líderes políticos e econômicos dos grandes países reunir-se-ão para discutir uma nova Bretton Woods, ou seja, uma nova arquitetura e um sistema de regulação mais rigoroso para o sistema financeiro mundial. Aproveitarão também para repassar as medidas que já tomaram para garantir a solvência e para aumentar a liquidez dos bancos.
Nesse ponto, o essencial já foi decidido e está sendo implementado: a recapitalização dos bancos. O crédito, porém, está demorando a ser restabelecido, dada a natural desconfiança dos bancos em relação às demais empresas. Nos Estados Unidos, o Fed vem se encarregando de agir nessa direção; no Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já revelou essa disposição, embora aqui o problema dos grandes bancos não seja grave.
Entrementes as previsões quanto às conseqüências reais da crise estão se agravando. O JPMorgan prevê para 2009 queda de 0,5% no PIB dos países ricos e crescimento de 4,2% no dos emergentes. Para o Brasil, as previsões estão tendendo para 2%. Nouriel Roubini fala em estag-deflação. Embora não tenha dúvida quanto à recessão dos países ricos e à diminuição das taxas de crescimento dos emergentes, creio haver excesso de pessimismo. No momento em que as medidas que estão sendo tomadas fizerem efeito -e farão- deixará de haver motivo para a retração violenta da atividade econômica que está sendo prevista.
Como aconteceu em 1929, a crise financeira terá conseqüências reais, mas não serão tão graves porque, ao contrário do que ocorreu naquela época, os governos agora agiram com rapidez e competência para enfrentá-la. Deverão, adicionalmente, tomar medidas fortes para neutralizar a natural contração real da demanda. Medidas dessa natureza começaram a ser tomadas ainda pelo governo Hoover depois de 1929, mas eram tímidas; as políticas mais fortes vieram com Roosevelt, mas em 1933 o desastre já estava feito.
O que constituirá uma nova Bretton Woods em vez de meros remendos à desgovernança montada desde 1971? Nessa questão, é preciso diferenciar o crédito interno a empresas do crédito externo a países para cobrir déficits em conta corrente. No crédito interno, o essencial é uma regulação muito maior sobre os bancos de varejo, ao mesmo tempo em que se tomem medidas duras para reduzir a desintermediação financeira -ou seja, a concessão de crédito por agências que não são bancos comerciais. É necessário também limitar os bônus dos agentes financeiros, porque são uma causa maior de especulação irresponsável.
No plano internacional, o fundamental é limitar o crédito dado aparentemente a empresas, mas que, na verdade, financia déficits em conta corrente. Em Bretton Woods não havia essa preocupação, e o Banco Mundial foi criado para viabilizar déficits em conta corrente ou "crescimento com poupança externa".
Recentemente, ficou afinal claro que os países não crescem com poupança externa, mas com um bom sistema de crédito interno e com suas próprias poupanças. Os déficits em conta corrente são apenas causa de substituição da poupança interna pela externa, e por crises do balanço de pagamentos. A agência internacional que substituir o FMI (Fundo Monetário Internacional) deverá ter como uma de suas atribuições principais alertar publicamente os países que ultrapassarem o limite, a ser convencionado internacionalmente, de déficit em conta corrente.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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