DEU NO JORNAL DA CIDADE DE PINDAMONHANGABA/SP
Algumas observações sobre as eleições enquanto ainda estão frescas na memória:
1. Ficou patente a dificuldade das campanhas em abordar a questão econômica, e para mim o motivo é claro - o modelo econômico do governo Lula, tirando algumas firulas mais ou menos assistencialistas e aspectos pseudo-ideológicos estatistas ou privatistas, é essencialmente o mesmo de FHC, o tripé câmbio flutuante, juros altos e superávit primário. Com seus índices e variações fortemente determinados pelo papel que o sistema econômico mundial, principalmente o sistema financeiro, reserva para o Brasil.
Para Serra, contrapor-se a isso ficou muito difícil, pois também está vinculado, como quase tudo no mundo globalizado de hoje, a essas forças econômicas que se fazem presentes em suas alianças políticas e em sua campanha. Tentou colocar-se nesse campo também como a alternativa de ser um melhor gerente, de uma mesma política. Enganou-se redondamente. Nesse meio, gerente se contrata e se demite, não se decide em eleição. Na eleição interessa quem defende melhor seus interesses e isso estava muito claro: o governo Lula e a campanha de Dilma, que pouco tocaram nesse assunto, e quando o fizeram sempre afirmaram que o lema nessa área é: continuar para seguir continuando.
2. Não restou dúvida sobre o abandono da oposição dos movimentos populares, sindicais e estudantis. Só houve campanha de Dilma nessas searas. Não só pela política de “correias de transmissão” e apelegamento através de verbas e programas (inclusive de entidades e lideranças supostamente independentes e/ou oposicionistas), mas pelo vazio de discurso. O que tem tudo a ver com a observação acima.
3. A questão democrática, e dentro dela a questão da ética e da corrupção, ainda tem pouco apelo nas massas populares, embora tenham tido uma certa penetração nas camadas médias e mais instruídas. A lógica predominante no eleitorado ainda é: se o pirão é pouco, o meu primeiro.
A indicação no mapa do voto resultante dessas eleições, continuando e ampliando o mapa da eleição anterior, é que isso tende a mudar. Onde a economia e a cultura são mais desenvolvidas os eleitores não se empolgaram tanto com o continuísmo. Por mais que alguns intelectuais e propagandistas ligados aos vencedores tentem minimizar ou desqualificar essa questão, não dá para negar esse fato. Tanto a configuração do mapa nacional, como no interior dos estados indicam o mesmo padrão: onde o IDH é mais baixo foi maior a votação da situação, com poucas exceções, que confirmam a regra.
4. Lula, permanentemente nesse segundo mandato, mais que a própria campanha de Dilma, trabalhou essa propensão pragmática do eleitorado de forma precisa, com duas vertentes de argumentação que não se excluem. Na primeira afirmava que as denúncias de corrupção e coisas do gênero são mentiras orquestradas, veiculadas e aumentadas pela imprensa, para atrapalhar o seu governo, dirigido por um homem do povo que defende esse mesmo povo contra indefinidas e malvadas “elites” e que garante sua ascensão social e econômica.
A segunda, mais direcionada à sua base histórica e àqueles com certo grau de politização estabelece que as malfeitorias, os desvios, as alianças sem princípios e coerência, o populismo e a corrupção são tributos inescapáveis que a virtude paga ao vício para que se possa permanecer no poder, e quem sabe algum dia cumprir as “bandeiras históricas” que foram dobradas, guardadas e, de vez em quando, convenientemente desfraldadas e desempoeiradas em Planos Nacionais de Direitos Humanos, em discursos antiimperialistas retóricos e na colocação (e retirada rápida) dos bonés do MST.
5. Houve sim um componente altamente conservador e retrógrado dentro das campanhas com matiz ideológico marcadamente antipopular direitista e, digamos, fundamentalista, com maior presença na campanha de Serra, mas também existente nas de Dilma e de Marina. Felizmente, não observei nem vi estímulo a isso dentro das campanhas oficiais, pelo contrário. Porém, uma certa estrutura e lideranças paralelas se constituíram nos partidos e, principalmente, nos movimentos religiosos. Exemplos patéticos disso foram o “santinho” de Serra citando Jesus e a “carta-compromisso” que as lideranças evangélicas arrancaram de Dilma.
A criação de uma organicidade desse pensamento ultraconservador na política brasileira, que sabemos existir mas não tem conseguido muito espaço após a redemocratização do país, é uma coisa que pode preocupar mais adiante.
6. Foi imperdoável, anti-republicana e deseducadora a ausência da questão internacional das campanhas e do debate. Além de ser o Chefe de Governo, (vá lá que seja só com perfil gerencial) o Presidente também responde como Chefe de Estado. Não ser esse tema de alto interesse do eleitorado em geral não justifica o silêncio sobre ele.
Urbano Patto, Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista -PPS- do Estado de São Paulo.
Algumas observações sobre as eleições enquanto ainda estão frescas na memória:
1. Ficou patente a dificuldade das campanhas em abordar a questão econômica, e para mim o motivo é claro - o modelo econômico do governo Lula, tirando algumas firulas mais ou menos assistencialistas e aspectos pseudo-ideológicos estatistas ou privatistas, é essencialmente o mesmo de FHC, o tripé câmbio flutuante, juros altos e superávit primário. Com seus índices e variações fortemente determinados pelo papel que o sistema econômico mundial, principalmente o sistema financeiro, reserva para o Brasil.
Para Serra, contrapor-se a isso ficou muito difícil, pois também está vinculado, como quase tudo no mundo globalizado de hoje, a essas forças econômicas que se fazem presentes em suas alianças políticas e em sua campanha. Tentou colocar-se nesse campo também como a alternativa de ser um melhor gerente, de uma mesma política. Enganou-se redondamente. Nesse meio, gerente se contrata e se demite, não se decide em eleição. Na eleição interessa quem defende melhor seus interesses e isso estava muito claro: o governo Lula e a campanha de Dilma, que pouco tocaram nesse assunto, e quando o fizeram sempre afirmaram que o lema nessa área é: continuar para seguir continuando.
2. Não restou dúvida sobre o abandono da oposição dos movimentos populares, sindicais e estudantis. Só houve campanha de Dilma nessas searas. Não só pela política de “correias de transmissão” e apelegamento através de verbas e programas (inclusive de entidades e lideranças supostamente independentes e/ou oposicionistas), mas pelo vazio de discurso. O que tem tudo a ver com a observação acima.
3. A questão democrática, e dentro dela a questão da ética e da corrupção, ainda tem pouco apelo nas massas populares, embora tenham tido uma certa penetração nas camadas médias e mais instruídas. A lógica predominante no eleitorado ainda é: se o pirão é pouco, o meu primeiro.
A indicação no mapa do voto resultante dessas eleições, continuando e ampliando o mapa da eleição anterior, é que isso tende a mudar. Onde a economia e a cultura são mais desenvolvidas os eleitores não se empolgaram tanto com o continuísmo. Por mais que alguns intelectuais e propagandistas ligados aos vencedores tentem minimizar ou desqualificar essa questão, não dá para negar esse fato. Tanto a configuração do mapa nacional, como no interior dos estados indicam o mesmo padrão: onde o IDH é mais baixo foi maior a votação da situação, com poucas exceções, que confirmam a regra.
4. Lula, permanentemente nesse segundo mandato, mais que a própria campanha de Dilma, trabalhou essa propensão pragmática do eleitorado de forma precisa, com duas vertentes de argumentação que não se excluem. Na primeira afirmava que as denúncias de corrupção e coisas do gênero são mentiras orquestradas, veiculadas e aumentadas pela imprensa, para atrapalhar o seu governo, dirigido por um homem do povo que defende esse mesmo povo contra indefinidas e malvadas “elites” e que garante sua ascensão social e econômica.
A segunda, mais direcionada à sua base histórica e àqueles com certo grau de politização estabelece que as malfeitorias, os desvios, as alianças sem princípios e coerência, o populismo e a corrupção são tributos inescapáveis que a virtude paga ao vício para que se possa permanecer no poder, e quem sabe algum dia cumprir as “bandeiras históricas” que foram dobradas, guardadas e, de vez em quando, convenientemente desfraldadas e desempoeiradas em Planos Nacionais de Direitos Humanos, em discursos antiimperialistas retóricos e na colocação (e retirada rápida) dos bonés do MST.
5. Houve sim um componente altamente conservador e retrógrado dentro das campanhas com matiz ideológico marcadamente antipopular direitista e, digamos, fundamentalista, com maior presença na campanha de Serra, mas também existente nas de Dilma e de Marina. Felizmente, não observei nem vi estímulo a isso dentro das campanhas oficiais, pelo contrário. Porém, uma certa estrutura e lideranças paralelas se constituíram nos partidos e, principalmente, nos movimentos religiosos. Exemplos patéticos disso foram o “santinho” de Serra citando Jesus e a “carta-compromisso” que as lideranças evangélicas arrancaram de Dilma.
A criação de uma organicidade desse pensamento ultraconservador na política brasileira, que sabemos existir mas não tem conseguido muito espaço após a redemocratização do país, é uma coisa que pode preocupar mais adiante.
6. Foi imperdoável, anti-republicana e deseducadora a ausência da questão internacional das campanhas e do debate. Além de ser o Chefe de Governo, (vá lá que seja só com perfil gerencial) o Presidente também responde como Chefe de Estado. Não ser esse tema de alto interesse do eleitorado em geral não justifica o silêncio sobre ele.
Urbano Patto, Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista -PPS- do Estado de São Paulo.
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