Como já pude observar noutra ocasião neste mesmo espaço, a ideia de uma reforma política, qualquer que seja, parece ter-se tornado uma preocupação nela mesma, desvinculada de modificações bem determinadas, que pudessem efetivamente aprimorar o nosso sistema político. A percepção amplamente difundida de que nossa política vai muito mal teve o condão de estimular um clamor indefinido pela mudança, proveniente de setores da mídia, da academia, do empresariado e, por fim, de segmentos da própria classe política profissional.
O risco que uma tal situação enseja é o de emergirem propostas que, em vez de aprimorar o sistema político, acabem por piorá-lo, seja mediante a introdução de inovações de validade duvidosa, seja ao deitar por terra avanços institucionais que tivemos nos últimos anos e que sequer foram plenamente experimentados. Ainda pior, algumas das propostas reformistas surgem para resolver questões atinentes a conveniências de certas lideranças, embora sejam apresentadas ao debate público como moralizantes medidas saneadoras. É este, claramente, o caso da tentativa de acabar com a reeleição. Embora se proclame o abusivo "uso da máquina", não se apresenta um único dado que permita comprovar que tal uso aumentou depois da emenda da reeleição. Será mesmo que chefes do Executivo no exercício do mandato precisam abusar mais de seus cargos para se reelegerem (quando se beneficiam da inércia) do que quando pretendem transferir seu prestígio a um afilhado político, muitas vezes menos conhecido do eleitorado? O que pudemos assistir nas últimas eleições sugere o contrário.
Uma reforma política pode piorar o que já é ruim
As propostas desastrosas de reforma política oriundas do Senado, contudo, parecem não ter fim. Inicialmente, além do fim do pouco testado instituto da reeleição, propôs-se também mudar o tempo de mandato, esticando o do presidente para cinco anos e, ao mesmo tempo, mantendo em quatro anos a duração das legislaturas. Com isto, descasar-se-iam as eleições legislativas e executivas, tornando mais difícil e custosa a construção das coalizões indispensáveis à governabilidade, as quais perderiam o impulso dado pelo alinhamento eleitoral e requereriam um processo de barganha de cargos ainda mais tumultuado do que este a que hoje assistimos.
Agora, a nova insensatez institucional oriunda de nossa Câmara Alta foi a proposta de unificar todas as eleições num único ano: de vereador a presidente da República. Se vigar na versão mais unificada, nossos eleitores terão de fazer até oito escolhas eleitorais distintas de uma única vez (vereador, prefeito, deputado estadual, governador, dois senadores, deputado federal, presidente da República). Já no caso de viabilizar-se a proposta mais moderada, teríamos as eleições municipais num semestre e as estaduais e nacionais no outro: ou seja, passaríamos um ano inteiro, de janeiro a dezembro, em campanha eleitoral. Haja fôlego!
O nosso atual calendário eleitoral, ao qual se chegou depois de um longo e gradual processo de amadurecimento institucional, é bem melhor e mais equilibrado do que essa bizarra proposta senatorial. Ele permite a circulação de nossas elites políticas entre os níveis local, estadual e federal, com a intercalação dos pleitos; propicia a intensificação do debate político a cada dois anos, com uma saudável pausa entre cada processo; separa a discussão dos assuntos de natureza nacional e local e reduz a complexidade do voto a que deve ser submetido o eleitor, pois diminui o número de escolhas que ele deve realizar.
Se fosse para aprimorar de fato esse sistema, faria mais sentido desdobrar as eleições nacionais (para a Presidência e o Congresso) das disputas estaduais e municipais (para governador, prefeito, Assembleias e Câmaras Municipais), mas isto sem abrir mão da bianualidade hoje existente. Ademais, tal calendário permite incluir na pauta eleitoral eventuais consultas populares (plebiscitos e referendos) sem a necessidade de organizar toda a parafernália eleitoral apenas para isto. A bianualidade também beneficiaria a positiva mudança proposta de alteração do atual modelo de suplência dos senadores, adotando-se eleições complementares para substituir os senadores que não terminam seus mandatos.
É preciso elevar o nível do debate sobre a reforma política, migrando do clamor desfocado por uma mudança qualquer para a elaboração de diagnósticos mais precisos acerca dos reais problemas de nosso sistema, de modo a tanto propor mudanças que efetivamente sejam necessárias, como evitar alterações que criariam o risco de tornar tudo pior do que já é. Em audiência pública de que participei na Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados, ficou absolutamente claro que o ponto que mais aflige os parlamentares qualificados de nossa Câmara Baixa é o elevadíssimo custo das campanhas eleitorais, o qual expulsa da disputa aqueles que não se dispõem a fazer qualquer negócio para se financiarem e, inversamente, atrai para seu seio os muito endinheirados - ou, ao menos, os muito dispostos a obter o dinheiro do jeito que der.
O problema do custo das campanhas é real e fonte de boa parte das demais mazelas que afetam o funcionamento de nosso sistema político. Seria útil desviar os termos do debate da "reforma política" pensada genérica, indefinida e abstratamente, para a questão do financiamento de campanha e de todas as mudanças que, de alguma maneira, puderem afetá-lo, como o sistema de lista fechada, ou mesmo o voto distrital (mas não o "distritão", outra proposta esdrúxula, que apenas pioraria as coisas). Ou seja, sem uma discussão focada sobre problemas específicos corremos o risco de logo, logo, clamarmos por uma nova reforma política, que desfaça os estragos que a reforma anterior promoveu.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.
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