Exibindo invejável vitalidade física e intelectual, Fernando Henrique Cardoso chega aos 80 anos festejado Brasil afora, até mesmo por seus mais aguerridos adversários, pelo muito que fez pelo país. Acima das mesquinharias partidárias, seus méritos vêm sendo, afinal, amplamente reconhecidos. Já não se contesta a enorme importância que seus dois mandatos tiveram na consolidação da estabilização, na modernização da economia e na criação de condições propícias para um projeto mais ambicioso de crescimento e desenvolvimento social no país.
Nos oito anos em que ocupou o Palácio do Planalto, FH enfrentou longa sequência de grandes desafios. E não faltam bons exemplos de situações com que se defrontou entre 1995 e 2002, em que seus muitos talentos lhe foram de grande valia. Mas o melhor momento da admirável carreira política de FH se deu, na verdade, antes de ter sido eleito presidente. Foi como ministro da Fazenda do problemático governo Itamar Franco, em circunstâncias extremamente adversas, que FH mostrou a verdadeira extensão do variado leque de talentos que, com o sucesso do Plano Real, o conduziria à Presidência.
Defrontando-se com um quadro econômico delicado, com incertezas exacerbadas pelo impeachment de Collor, Itamar Franco deu-se ao luxo de nomear nada menos que quatro ministros da Fazenda diferentes nos seus sete primeiros meses de governo. Sua última escolha, em maio de 1993, recaiu sobre FH.
A taxa de inflação voltara a superar 30% ao mês e, mais uma vez, o Planalto se via pressionado a agir. Mas havia grande ceticismo sobre as reais possibilidades do governo Itamar Franco. Seu desempenho inicial havia sido deplorável. Faltavam-lhe apenas 19 meses de mandato e em menos de um ano o Congresso estaria totalmente mobilizado com as eleições de outubro de 1994. Parecia pouco provável que tivesse condições, tempo e espaço de manobra para conceber e implementar uma política econômica de mais fôlego.
A montagem de uma equipe econômica competente havia se tornado tarefa quase impossível. O tempo médio de permanência no cargo dos três primeiros ministros da Fazenda de Itamar Franco havia sido de 75 dias. Não é surpreendente que, nessas circunstâncias, tivesse ficado muito difícil encontrar nomes respeitáveis que se dispusessem a integrar a equipe econômica do governo. É notável, portanto, que, não obstante todo o desalento quanto às possibilidades do governo Itamar Franco, FH tenha conseguido quebrar esse círculo vicioso e montar uma equipe econômica de alto nível. Contribuíram para o êxito com que enfrentou esse primeiro desafio a estatura política do novo ministro, sua ascendência sobre o grupo de economistas que afinal compôs o núcleo de sua equipe econômica e a percepção de que FH teria melhores condições que seus antecessores de estabelecer uma relação mais estável com o Planalto.
O grupo levaria meses para desenvolver um plano completo e bem acabado. FH logo percebeu a importância de assegurar condições de trabalho adequadas, que facilitassem esse desenvolvimento. Evitou interferências indevidas nas discussões técnicas e aceitou que prevalecessem regras não hierárquicas, que conferissem mais legitimidade à depuração do livre fluxo de ideias no âmbito do grupo.
Mas, para conseguir que o Plano Real fosse lançado com sucesso, FH teria de mostrar seus talentos como negociador e sua capacidade de liderança e persuasão em várias outras esferas, bem além dos limites estreitos de sua relação com a equipe econômica: dentro do governo Itamar Franco, no seu próprio partido, na busca de apoio no Congresso e, sobretudo, no esforço de convencer a opinião pública de que o novo plano seria completamente diferente dos anteriores e teria boa chance de ser bem-sucedido.
Ter enfrentado com sucesso, em tão pouco tempo, todos esses desafios e assegurado condições adequadas para levar adiante uma operação da complexidade do Plano Real, foi, sem dúvida, o melhor momento de Fernando Henrique Cardoso, por mais notável que tenha sido seu desempenho posterior como presidente da República.
Rogério Furquim Werneck é professor de economia da PUC-Rio.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/O GLOBO
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