sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Juízes perguntam - Merval Pereira

Uma novidade importante está sendo registrada neste julgamento do mensalão: juízes fazendo perguntas diretamente a advogados, o que não é comum no Brasil. O relator, ministro Joaquim Barbosa, fez perguntas ontem a Marthius Sávio Cavalcante Lobato, defensor do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, e o ministro Dias Toffoli havia feito o mesmo anteontem a Maurício de Oliveira Campos Júnior, que defende o dirigente do Banco Rural Vinícius Samarane.

Isso não é comum, embora seja permitido pelo regimento interno do STF, mas também este não é um caso típico. Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas/Rio e especialista no sistema judiciário americano, considera que neste caso há a certeza de que os ministros já leram tudo, estudaram tudo várias vezes pela dimensão do caso, pois estava tudo digitalizado, eles tiveram acesso a todas as peças muito tempo antes, e há muita expectativa.

Por isso, as perguntas podem ser importantes para esclarecer pontos específicos dos autos. Não é comum, mas é uma prática muito boa, diz ele.

Na Suprema Corte dos Estados Unidos, ao contrário, essa é a prática. O advogado até prepara a sustentação oral, mas mal consegue falar, pois é logo crivado de perguntas. O que é interessante, diz Arguelhes, é que na Suprema Corte há essa discussão sobre questões de Direito, vão perguntando qual é a implicação do seu argumento, qual precedente, mas no caso do mensalão não se está fazendo debate de teses jurídicas, eles queriam esclarecer questões de fato, o que é fundamental em processo tão complexo, com tantos fatores, tantas peças para encaixar. É muito bom que o ministro interrogue para esclarecer dúvidas, diz ele. Joaquim Barbosa queria saber exatamente do que Pizzolato tinha ou não participado, quem autorizava os repasses. Ao que tudo indica, as respostas do advogado foram benéficas para o réu, mas é difícil saber até onde Joaquim Barbosa quis chegar, porque não sabemos tudo o que está nos autos.

O relator do caso insistiu muito na participação de Pizzolato na liberação de dinheiro para a agência de Marcos Valério, já que a acusação diz que parte do dinheiro público veio de acordo do Visanet com o Banco do Brasil. Ao mesmo tempo, o comentário do advogado Cavalcante Lobato de que Pizzolato não sabia que, em pacote que Valério lhe dera, havia R$ 326.660 foi simplesmente ridículo.

Diego Arguelhes comenta que essa talvez seja uma falha do nosso sistema. "Os ministros poderiam ser mais proativos quando é dito algo que contraria o bom-senso." Mas ele admite que esse talvez seja um tipo de pergunta que pode sinalizar um pouco mais de agressividade por parte dos juízes, justamente por ser uma prática inédita.

"Fica um pouco interrogador, mas a gente caminha para um momento em que essa pergunta poderia ser feita, certamente seria feita nos Estados Unidos", diz Arguelhes.

Aqui, a falta dessa tradição de os ministros interrogarem tem várias explicações, mas em primeiro lugar está o respeito à figura do advogado, a valorização do momento da sustentação oral como algo importante da tarefa do defensor, e interromper pode ser associado de algum modo a um menosprezo. Arguelhes lembra que temos a tradição das grandes sustentações orais dos advogados brasileiros, com destaque para as de Rui Barbosa, que enchiam o Supremo no início do século.

Mas hoje, ele lembra, com a evolução tecnológica, a sustentação do advogado não é mais novidade para os juízes, pelo menos num caso como este.

Seria difícil dizer que de maneira geral todos os juízes já chegam com os casos estudados, pois isso não acontece normalmente, comenta Diego Arguelhes. Mas, nos casos importantes, especialmente no Supremo, isso é verdade. Para ele, nos Estados Unidos há uma cultura mais adversarial no processo judicial. A própria relação entre as partes é diferente, há coisas que não acontecem no Brasil, ressalta. Lá um advogado pode atacar diretamente a sua testemunha, já no Brasil tudo é mediado pelo juiz. "Talvez a ideia de o juiz interpelar o advogado indique uma perda de neutralidade, o medo tradicional seja esse."

O caso do mensalão mostra que esse processo não se dá necessariamente assim, a pergunta de Joaquim Barbosa, por exemplo, pode ter sido importante para Pizzolato.

FONTE: O GLOBO

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