Joaquim Barbosa quebra tradição no STF
Questionado pelo ministro, advogado de ex-diretor do Banco do Brasil se complica ao sustentar que dinheiro do Fundo Visanet, que irrigou mensalão, tinha origem privada
Quebrando uma tradição dos ministros do STF de quase nunca fazer perguntas a advogados, o relator Joaquim Barbosa cobrou do defensor de Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do BB, explicações sobre a origem dos recursos do Fundo Visanet destinados à agência DNA, de Marcos Valério e, depois, repassados a políticos. As perguntas levaram à confirmação do uso de verbas públicas, o que o advogado negava. Os réus do PP responsabilizaram um ex-deputado do partido já falecido.
Perguntas e contradições
Barbosa faz advogado de ex-diretor do BB se complicar sobre origem de verba do mensalão
André de Souza, Evandro Éboli
Um julgamento para a história
BRASÍLIA Na primeira intervenção do relator na parte reservada às defesas do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa acabou expondo contradições na defesa apresentada pelo advogado de Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil. Sem emitir opinião, mas fazendo perguntas diretas, Barbosa cobrou do advogado Marthius Sávio Cavalcante Lobato explicações sobre a origem dos recursos do Fundo Visanet que foram destinados à agência de publicidade DNA, de Marcos Valério, e, depois, repassados para políticos ligados ao governo. No centro dos argumentos do Ministério Público Federal está a acusação de que o mensalão usou recursos públicos, supostamente desviados do BB.
Por quase uma hora, o advogado tentou sustentar que seu cliente não tinha autonomia para autorizar sozinho repasses milionários do Visanet para a DNA. Tudo era feito, segundo ele, por decisões colegiadas da diretoria do BB. O defensor ainda insistiu que os recursos liberados para a agência não eram públicos. Já tinha acabado de falar quando o relator pediu que ele retornasse à tribuna para esclarecimentos.
- Como se dava o mecanismo de transferência do dinheiro, desse Fundo Visanet para a agência de propaganda (DNA)? Quem determinava, o momento que determinava, e o montante? Quem dizia? Havia algum comitê, algum órgão que tinha esse poder de dar ordens para que o dinheiro fosse transferido para a agência de propaganda? - indagou o relator.
- O Banco do Brasil, quando pensava em fazer uma divulgação de sua bandeira, ele fazia o projeto como está aqui (...). E citava qual era o projeto - disse o advogado.
- Quem era o responsável por isso dentro do Banco do Brasil?
- Naquela época, era o comitê de marketing todo, era aprovado dentro do próprio comitê. Não era aprovado individualmente. Era aprovado no comitê, que fazia institucionalmente essa propaganda e era direcionado ao fundo.
O advogado só não deu detalhes sobre como funcionava esse comitê. Em 2003 e 2004, o comitê de marketing era composto por seis gerentes-executivos da Diretoria de Marketing do BB e pelo diretor, que na época era o próprio Pizzolato. Barbosa ainda quis saber da origem dos recursos repassados para a DNA:
- De onde saía esse dinheiro para a propaganda dos cartões de bandeira Visa, inclusive o do Banco do Brasil, o Ourocard?
- Cada banco tem sua bandeira Visa. Então, quando Vossa Excelência usa seu cartão Visa, faz uma compra, um percentual dessa sua compra é destinado a esse fundo, vai compor esse fundo para essa propaganda. Por isso, é eminentemente privado. Porque esse dinheiro é composto por dinheiro privado. Ele não tem aportes financeiros de nenhum dos acionistas - disse o advogado ao ministro.
Laudo feito por peritos da Polícia Federal, porém, dá outra explicação: "Os recursos destinados ao Fundo de Incentivo Visanet foram disponibilizados pelo próprio Visanet e eram compartilhados pelos "incentivadores" de acordo com a participação acionária de cada um na empresa. Nesse sentido, é possível inferir que o Banco do Brasil, na condição de acionista e quotista do Fundo, era o titular dos recursos da quota a ele disponibilizada".
Em outras palavras, havia recursos públicos do BB no Fundo Visanet. Para arrematar, o relator indagou ao advogado qual era a relação jurídica entre a agência de propaganda e o Visanet. O advogado não respondeu. Na verdade, o vínculo contratual da DNA não era com o Visanet. A agência era contratada pelo Banco do Brasil. Barbosa se deu por satisfeito e chegou a perguntar se outro ministro queria mais algum esclarecimento. Ninguém quis, e o advogado foi dispensado.
Antes dos pedidos de esclarecimentos do relator, Lobato insistiu que seu cliente não tinha poderes para tomar sozinho decisões no BB. O advogado ainda apresentou documentos para dizer que Pizzolato não fazia parte do Visanet e que o BB havia indicado na época um servidor para representar o banco no fundo. E citou o nome de Léo Batista dos Santos, que teria assinado as ordens de pagamento para a DNA.
No laudo da PF, é dito que Pizzolato, "na condição de diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, aprovou repasses de recursos do Fundo Visanet à agência de publicidade DNA Propaganda Ltda. nos montantes de R$ 23.300.000,00 (vinte e três milhões e trezentos mil reais) em 06/05/2003 e R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais) em 22/01/2004".
Ao deixar a tribuna, o advogado disse que ficou surpreso com a decisão do relator de fazer perguntas. Para Lobato, as perguntas demonstram que os argumentos apresentados por ele suscitaram uma questão importante no processo, que não estava devidamente esclarecida.
- Foi uma surpresa. Eu estava saindo quando ele (Barbosa) falou. Não sabia se ele estava me chamando ou se estava propondo uma questão de ordem. Não me senti repreendido. Foi salutar. Demostra que você foi ouvido e conseguiu suscitar uma questão importante - disse.
FONTE: O GLOBO
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