O ministro do STF
Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, condenou ontem o ex-ministro
da Casa Civil José Dirceu por corrupção ativa. Para Barbosa, Dirceu tinha
"posição de organização e liderança da prática criminosa, como mandante
das promessas de pagamentos de vantagens indevidas a parlamentares que viessem
a apoiar as votações de seu interesse". Também condenou, pelo mesmo crime,
o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-presidente do partido José Genoino.
Ricardo Lewandowski, ministro revisor, condenou Delúbio, mas absolveu Genoino.
Lewandowski deixou para hoje seu voto sobre Dirceu
José Dirceu, o
mandante
Ex-chefe da Casa Civil exercia a "liderança da prática criminosa",
diz Barbosa ao condená-lo
André de Souza, Carolina Brígido
BRASÍLIA - O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa,
declarou ontem que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu tinha posição de
"organização e liderança" no esquema de pagamento de propina a
parlamentares em troca de apoio político no Congresso. Segundo Barbosa, era
Dirceu quem mandava o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o presidente do
partido José Genoino fazerem os repasses. O relator votou pela condenação dos
três réus do PT por corrupção ativa, assim como outros cinco acusados do mesmo
crime. Em seguida, o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, votou pela condenação
de Delúbio, mas absolveu Genoino. Ele deixou para examinar a situação de Dirceu
hoje e também deverá absolvê-lo.
- Considero que o conjunto probatório contextualizado pela realidade fática
refletida nesta ação penal, ou seja, a dos pagamentos efetuados por Delúbio e
Marcos Valério aos parlamentares com os quais o acusado Dirceu mantinha
intensas e frequentes reuniões, coloca o então ministro-chefe da Casa Civil em
posição central, posição de organização e liderança da prática criminosa, como
mandante das promessas de pagamentos de vantagens indevidas aos parlamentares
que viessem a apoiar as votações do seu interesse - disse Barbosa, numa de suas
frases mais enfáticas sobre a participação de Dirceu no esquema do mensalão.
- Entender que Valério e Delúbio agiram, atuaram sozinhos contra o interesse
e a vontade do acusado José Dirceu, neste contexto de reuniões fundamentais do
ex-ministro, é a meu ver inadmissível - completou Barbosa.
"Negociador da obtenção de recursos"
O relator usou a maior parte da sessão para falar da participação de Dirceu
na trama. Segundo o relator, o ex-ministro utilizou os serviços do Banco Rural
e do BMG para conseguir R$ 55 milhões, com a ajuda de Valério. O dinheiro foi
usado para pagar propina a deputados do PP, PL (atual PR), PTB e PMDB em troca
de apoio político.
- O acervo probatório desses autos forma um grande mosaico no qual o acusado
José Dirceu é revelado como o negociador da obtenção de recursos utilizados no
esquema de compra de apoio político, que dependia também da sua atuação na Casa
Civil para a composição da base aliada - disse Barbosa.
O relator afirmou que Dirceu se reuniu várias vezes com a cúpula do Banco
Rural e do BMG em datas próximas à liberação dos empréstimos. Os encontros
tinham sempre a presença de Valério e Delúbio. Segundo o ministro, era Valério
quem sempre agendava os encontros. Barbosa também argumentou que as votações
das reformas da Previdência e tributária ocorreram em datas próximas às dos
empréstimos e repasses a parlamentares. E que Dirceu manteve encontros com os
líderes dos partidos beneficiados no mensalão em datas próximas à dos repasses.
- O acusado José Dirceu, portanto, aparece nas duas pontas do esquema.
Primeiro, aparece com as promessas de vantagens indevidas, ou seja, de
pagamento de dinheiro em espécie. Segundo, os pagamentos das vantagens
indevidas foram efetuados por acusados que também se reuniam com José Dirceu:
Valério e Delúbio Soares - disse.
Barbosa também rebateu o argumento da defesa de que Dirceu teria tratado com
os banqueiros sobre a liquidação do Banco Mercantil e a exploração do minério
nióbio. Segundo o ministro, essas não eram atribuições do chefe da Casa Civil.
Ele ressaltou que Marcos Valério tinha livre trânsito na Casa Civil.
- Os repasses eram feitos em nome do PT que, com isso, garantia o apoio dos
deputados federais ao governo. Outros dados permitem perceber que José Dirceu
efetivamente comandou a ação de Marcos Valério e Delúbio Soares. Os fatos já
mostrados aqui derrubam de uma vez a tese da defesa de que José Dirceu não
tinha nenhuma relação com Marcos Valério - disse Barbosa.
Em seu voto, Lewandowski chamou as acusações do MP contra Genoino de vagas,
lacônicas e kafkianas. Ele comparou a situação do réu à da personagem do livro
"O Processo", de Franz Kafka, que precisa se defender judicialmente
de algo que não sabe o que é:
- Mesmo depois de encerrada instrução criminal, na qual se produziu um
volume impressionante de elementos de convicção, o Ministério Público não
conseguiu nem de longe apontar de forma concreta os ilícitos que teriam sido
praticados por José Genoino.
Os dois ministros também divergiram em relação ao advogado Rogério
Tolentino, ligado a Valério. Barbosa condenou o réu e Lewandowski o absolveu.
Os ministros concordaram ao condenar Marcos Valério, seus ex-sócios Cristiano
Paz e Ramon Hollerbach e a ex-diretora financeira da SMP&B Simone
Vasconcelos. Eles também concordaram em absolver a ex-gerente da SMP&B
Geiza Dias e o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto.
Barbosa condenou Delúbio porque era dele o papel de apontar para Valério os
beneficiados dos pagamentos. Genoino, por sua vez, assinou empréstimos
fictícios contraídos no Banco Rural para alimentar o valerioduto.
Ao absolver Genoino, Lewandowski afirmou que seus atos teriam se limitado a
reunir-se com líderes partidários para falar de finanças e de alianças
políticas. O ministro ressaltou que a prática não configura crime. O presidente
do STF, Ayres Britto, chegou a ponderar que é preciso ver em que situação essas
reuniões ocorreram. O revisor insistiu que não havia prova de ilícitos,
provocando a ironia de Marco Aurélio Mello:
- O senhor está me convencendo de que o PT não fez qualquer repasse a
parlamentares.
Fonte: O Globo
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