quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O apresentador sem programa - Cristian Klein


É difícil saber o que o candidato Celso Russomanno (PRB) faria no comando da Prefeitura de São Paulo caso eleito. O apresentador evitou ao máximo, durante toda a campanha, dizer o que pensa. Quando decidiu se pronunciar, defendeu uma proposta aparentemente lógica, mas perigosa eleitoralmente: quem utiliza mais ônibus, pagará mais pelo transporte.

Como os usuários que andam mais são os moradores da periferia - e, logo, os mais pobres - Russomanno jogou contra o eleitorado que lhe pôs na liderança das pesquisas. Sem ter como voltar atrás e atacado pelos adversários, o ex-deputado federal caiu sete pontos percentuais pelo Ibope, divulgado anteontem, e cinco, pelo Datafolha de ontem.

Russomanno foi obrigado a parar de surfar na popularidade de apresentador de TV, cultivada há quase três décadas, e mergulhar na realidade dos problemas concretos da cidade.

Grandes problemas, complexos, mas cuja abordagem em sua propaganda eleitoral recebeu tratamento estrategicamente superficial, cosmético. Quanto menos se comprometer, melhor.

A questão do transporte público, essencial numa cidade com mais de 11 milhões de habitantes como São Paulo, já havia sido contemplada por Russomanno.

Ao estilo defensor dos direitos dos consumidores, pelo qual fez sua carreira em programas populares, o candidato propôs lutar pela entrega de um produto melhor: ônibus com piso rebaixado e ar-condicionado.

Mesmo o esquálido volume de propostas revela Russomanno

Nada muito sistêmico, estruturador - e sem previsão de custos. E nada muito diferente do restante de suas propostas, sequer organizadas em algo que se poderia chamar de programa de governo. O próprio candidato reconheceu ainda não ter um. Mas somente depois de ser instado a explicar a diferença entre o que anunciou como tal, em debate de TV, e o fino e genérico panfleto que já havia divulgado. Russomanno admitiu, então, que tem só um plano de governo - e não um programa.

Nos primeiros 26 dias de propaganda na TV, o candidato do PRB dedicou menos de 20% de suas inserções, os chamados spots, para tratar de políticas públicas, conforme mostrou o Valor. Em 80% dos spots, Russomanno falou de si mesmo ou de sua liderança nas pesquisas eleitorais.

Seu roteiro foi andar pelas ruas da cidade e apontar problemas como um repórter e apresentar soluções em forma de bandeira: "mais saúde", "melhor educação", "qualidade no transporte", sem entrar demasiadamente no mérito, em como mudar.

Os adversários demoraram a explorar o flanco - talvez até porque, entre eles mesmos, as propostas também não são levadas em alta conta. Queriam mais falar de religião. Enquanto as críticas a Russomanno se resumiam à acusação de pertencer a um partido que seria o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, o candidato do PRB empurrava a discussão para o campo, digamos, laico. A resposta - "Vamos falar de São Paulo?" - virou quase um bordão.

Ironicamente, quando os concorrentes resolveram questioná-lo sobre a cidade, Russomanno pareceu um leigo.

Às pressas, os cardeais - ou bispos - de sua candidatura procuram especialista de renome que possa assinar o incipiente programa de governo.

A falta de um corpo de ideias pode refletir uma decisão estratégica. Candidatos teimam em apresentar programas de governo quando isso deveria ser uma obrigação prévia - a legislação só exige que seja feito o registro de um plano. Também pode refletir o descaso, o despreparo ou a falta de um partido ou grupo político com formulações mais ou menos claras a respeito dos principais problemas a serem enfrentados.

Mas mesmo o esquálido volume de propostas sugerido pelo franzino candidato do PRB pode revelar suas preferências. Governar é fazer decisões políticas, que na maioria das vezes privilegiam um segmento em detrimento do outro.

Russomanno já foi filiado ao PFL (hoje DEM), ao PSDB e ao PP, e no início de sua vida política assessorou o então governador Paulo Maluf e o último vice-presidente do regime militar, Aureliano Chaves, ambos oriundos da Arena, partido que sustentava a ditadura. Sua linhagem partidária é conhecida e coerente. E diz muito sobre seu perfil ideológico, embora Russomanno, como a maioria dos políticos de direita no Brasil, não se assuma como tal.

A proposta do candidato para o transporte público de São Paulo segue a mesma lógica do pensamento que está por trás, por exemplo, das críticas às cotas sociais no ensino público e às transferência de renda para populações mais pobres.

É a lógica da não interferência do Estado na correlação de forças sociais e que leva à manutenção do status quo - uma das premissas clássicas do conservadorismo. A proposta de Russomanno, aparentemente igualitária, é, na verdade, liberal.

Não é um pecado capital para a candidatura, dado que o eleitorado em São Paulo tem se comportado tradicionalmente de modo conservador. Mas causou um estrago. Deu munição, principalmente para o petista Fernando Haddad, que esperava obter uma maior proporção de votos da periferia e tenta desmascarar Russomanno como o legítimo defensor dos interesses da população mais pobre.

É de se perguntar também por que o tropeço de Russomanno ocorreu na área de transporte. Uma explicação plausível é a limitação percebida em outros campos, como a saúde (seara mais afeita ao tucano José Serra, ex-ministro desta Pasta) e a educação (especialidade de Haddad, também ex-ministro, e do pemedebista Gabriel Chalita, ex-secretário estadual).

Se, por um lado, a disputa em São Paulo põe em xeque a importância dos dois principais partidos, o PT e o PSDB, em estruturar as preferências do eleitorado, por outro, a ascensão personalista de Russomanno não ficou imune às pressões dos sempre imponderáveis fatores de campanha. Resta saber se ele vai sobreviver.

Fonte: Valor Econômico

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