“Dizendo de outra maneira, há um
déficit de cidadania entre nós. Nem as pessoas exigem seus direitos e cumprem
suas obrigações nem as instituições têm força para transformar em ato o que é
princípio abstrato. Ainda recentemente um ex-presidente disse sobre outro
ex-presidente, numa frase infeliz, que diante das contribuições que este teria
prestado ao País não deveria estar sujeito às regras que se aplicam aos
cidadãos comuns... O que é pior é que essa é a percepção da maioria do povo,
nem poderia ser diferente porque é a prática habitual.
Pois bem, parece que as coisas começam a mudar. Os debates travados no
Supremo Tribunal Federal e as decisões tomadas até agora (não prejulgo
resultados, nem é preciso para argumentar) indicam uma guinada nessa questão
essencial. O veredicto valerá por si, mas valerá muito mais pela força de sua
exemplaridade. Condenem-se ou não os réus, o modo como a argumentação se está
desenrolando é mais importante que tudo. A repulsa aos desvios do bom
cumprimento da gestão democrática, expressada com veemência por Celso de Mello
e com suavidade, mas igual vigor, por Ayres Britto e Cármen Lúcia, é uma página
luminosa sobre o alcance do julgamento do que se chamou de
"mensalão". Ele abrange um juízo não político-partidário, mas dos
valores que mantêm viva a trama democrática. A condenação clara e indignada do
mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia. Assim como a
independência de opinião dos juízes mostra o vigor de uma instituição em pleno
funcionamento.”
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo. Foi presidente da Repúbica. Artigo ‘Sinal
de vida’. O Estado de S. Paulo, 7/10/2012
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