Quem acompanhou os excruciantes debates do julgamento do mensalão,
especialmente aqueles entre Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco
Aurélio Mello, sabe que a temperatura no Supremo Tribunal Federal irá elevar-se
após a saída do zen Ayres Britto da presidência da corte.
Mas a gestão de Barbosa, que começa nesta semana, não terá sua estabilidade
ameaçada apenas pelo temperamento mercurial do presidente, ou pelas brigas algo
pueris entre senhores que se detestam. O perigo também vem de fora.
Defensores de réus têm obrigação de ir até o fim. O advogado de José Dirceu
tem toda a legitimidade para tentar reduzir a pena do seu cliente.
Ele pode também ventilar que a teoria do domínio do fato foi deturpada e
contratar o alemão que a formulou para tentar anular a condenação por formação
de quadrilha -o que deixaria Dirceu "só" culpado por corrupção, mas
fora do regime fechado.
Tudo bem que a chance de sucesso pareça remota. O próprio jurista teutônico
só deu frases genéricas, que já viraram a seguinte "verdade" nas
redes sociais e entre os "progressistas": Dirceu teria sido condenado
sem provas. Isso é um disparate.
O problema é o corolário petista: o STF quis atingir o PT. E a tese não vem
só dos hidrófobos de sempre, como os que elaboraram a perniciosa nota do
partido sobre o caso.
Porta-voz de Lula à época do mensalão, o habitualmente cordato André Singer
argumentou sábado em sua coluna nesta Folha, após constatar que a prisão de
Dirceu manchará o PT, que "a suspeita que paira é se o exagero punitivo
não mirou tal alvo [prejudicar o partido], distorcendo, assim, a finalidade do
processo".
O Judiciário é falho, claro, e tem de ser objeto de escrutínio. Sua cúpula é
formada por humanos, demasiadamente, como está explícito. Mas tentar imputar ao
Supremo a pecha de tribunal de exceção é desrespeito institucional e, no
limite, golpismo.
Fonte: Folha de S. Paulo
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