Mensalão à parte, o que mudou entre os governos Lula e Dilma no relacionamento
com o Congresso? A pedra no sapato de Luiz Inácio Lula da Silva virou palmilha
ortopédica para a sucessora. O Senado tem sido muito mais amigável do que foi
para o ex-presidente e tornou-se a casa legislativa de melhor trânsito para
Dilma Rousseff - exatamente o oposto da era Lula.
Os deputados, em compensação, têm submetido a presidente a uma dieta de
derrotas frequentes. É um sururu de origem partidária, regional ou eleitoral? A
receita tem muitos ingredientes.
Comparando-se os primeiros 23 meses de Lula e Dilma, há diferenças notáveis.
A maior delas é o tamanho do núcleo duro dos dois governos na Câmara. O de
Lula, ao final do segundo ano de governo, tinha 301 deputados que votaram no
mínimo 90% das vezes com o presidente. Sob Dilma, ele não chega nem à metade
absoluta da Câmara: 214 dos 513 deputados.
Não foi por falta de assunto. Votou-se bem mais no começo do governo Lula do
que no de Dilma: 211 votações a 124, e de temas polêmicos. Houve reforma
tributária e da Previdência, alteraram-se alíquotas de Imposto de Renda e
PIS/Cofins, criou-se o Bolsa Família, aprovou-se a Lei dos Transgênicos. Apesar
de mais votações, Lula perdeu menos vezes na Câmara do que Dilma. Porque a
fidelidade dos partidos da base era maior, exceto a do PMDB.
Os peemedebistas estão onde sempre estiveram, alugados ao poder. A taxa de
governismo dos deputados do PMDB hoje é exatamente igual à que era no mesmo
período do governo Lula: 89%. Não é coincidência, é estilo. O apoio dá ao
partido vantagens inerentes a quem é situação, mas vez ou outra vota-se contra
para lembrar ao presidente de plantão que o apoio é transitório e, sobretudo,
tem preço. Ter a vice-presidência não conta.
Poucas coisas são tão previsíveis quanto o morde-e-assopra do PMDB. Só,
talvez, o governismo oposicionista de Lael Varela. No biênio 2003/2004, o
deputado mineiro votou com o governo Lula 89% das vezes. No biênio 2011/2012,
votou 85% com Dilma. A única coisa que mudou nesse tempo foram as letras de sua
sigla: de PFL para DEM. O partido permaneceu na oposição, e ele, na situação.
Não foi o único. O PSD de Lula chamava-se PL. Como o novo partido presidido
por Gilberto Kassab, a agremiação comandada por Valdemar Costa Neto promoveu, após
a eleição de 2002, um catado de deputados eleitos pela oposição. Eles podiam
não simpatizar com o partido do novo presidente, mas precisavam do governo
federal para sobreviver politicamente.
No começo do governo Lula, o PL de Valdemar e do vice-presidente José
Alencar garantiu 95% dos votos de seus deputados para o presidente. Parte da
contrapartida recebida então está sendo dosimetrada agora pelo STF no
julgamento do mensalão.
Na gestão Dilma, o PL já entrou PR. Mudaram as letras, mas não as pessoas, tampouco
as práticas. O partido caiu na vassoura da faxina presidencial, minguou e fez
pirraça: só 78% dos votos dos deputados seguiram a orientação do líder do
governo nesses 23 meses. A taxa de apoio declinou na razão proporcional à fatia
do orçamento federal sob os, por assim dizer, cuidados do PR.
O PSD nasceu governista, virou oposição durante a campanha municipal e,
agora, entrou na muda, de olho em quanto fubá vai ganhar de Dilma. Sua taxa de
governismo em 2011 foi de 98%. Em 2012, caiu para 74%. O partido de Kassab
votou contra a orientação presidencial na divisão dos royalties do petróleo e
nas mudanças para constranger prefeituras e governos estaduais a pagarem
dívidas do Pasep.
Algumas dessas votações tiveram influência de prefeitos e governadores.
Houve disputa entre Estados que ganhariam ou perderiam com as mudanças. Também
as eleições municipais influíram no comportamento dos deputados, mas
prevaleceu, na média, a lógica partidária.
PTB, PDT e PP estão todos menos governistas na Câmara em 2012 do que foram
em 2011. No caso dos petebistas, a queda foi de 93% para 75%; no dos
pedetistas, de 86% para 78%; e no dos pepistas, de 93% para 84%. Também caiu no
PSB, mas menos, de 94% para 87%. Dos maiores partidos, só o PT permaneceu
totalmente fiel a Dilma: foi de 98% de governismo em 2011 para 99% em 2012.
Todos esses números estão no Basômetro - ferramenta online criada pelo
Estadão Dados. Eles sugerem que as taxas de governismo variam, mas o jogo
continua o mesmo. Os votos dos partidos ainda dependem de favores do governo,
de qualquer governo. A punição dos crimes do mensalão é simbolicamente
importante. Mas falta muito para ultrapassar o simbolismo.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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