Em entrevista ao jornal
espanhol "El País" a presidente afirmou que não discute as sentenças
do STF no julgamento do mensalão, mas ressaltou que isso não significa
"que ninguém neste mundo de Deus está acima dos erros e das paixões
humanas". Dilma se disse "radicalmente" favorável ao combate à
corrupção por "questão ética" e "critério político".
"Ninguém
está acima dos erros e das paixões"
Dilma fala sobre julgamento do mensalão, diz que acata decisão do STF, mas
faz ressalvas
UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA
A presidente Dilma Rousseff falou pela primeira vez sobre o julgamento do
mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que já condenou petistas como o
ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o ex-presidente do partido José
Genoino, entre outros. Em entrevista ao jornal espanhol "El País",
publicada ontem, Dilma afirmou que acata e não discute as decisões do STF, mas
ressaltou que "ninguém está acima dos erros e das paixões humanas",
sobretudo as relacionadas à política.
A entrevista foi concedida pela presidente no último dia 12, quando foram
anunciadas as penas para Dirceu e Genoino pela participação no mensalão.
Apontado como o chefe do esquema, Dirceu foi condenado a dez anos e dez meses
de prisão, além do pagamento de R$ 676 mil.
- Como presidente da República, não posso me manifestar sobre as decisões do
Supremo Tribunal Federal. Acato suas sentenças, não as discuto. O que não
significa que ninguém neste mundo de Deus está acima de erros e das paixões
humanas - afirmou Dilma, que foi questionada na entrevista se a política não
estaria entre as paixões citadas por ela. - Talvez estas sejam as maiores -
acrescentou.
Presidente cita combate à corrupção
Durante a entrevista ao "El País", a presidente Dilma fez questão
de ressaltar o combate à corrupção no Brasil e o controle dos gastos públicos
por parte do governo federal. Citou ações que foram implantadas na gestão do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
- Poucos governos fizeram tanto pelo controle dos gastos públicos, como o do
presidente Lula. Abrimos o Portal da Transparência, com todas as contas
públicas disponíveis para quem quiser consultá-las. Nós também fizemos uma lei
de acesso à informação que obriga a divulgação dos salários dos dirigentes.
Estou radicalmente a favor do combate à corrupção, não só por uma questão
ética, mas por um critério político.
Dilma ressaltou estar tratando da corrupção dos governos e não das empresas:
- Um governo é 10.000 vezes mais eficiente quanto mais controla, mais
fiscaliza e mais impede.
Na entrevista, concedida a Juan Luis Cebrián, fundador do "El
País", foi abordado que, quatro décadas depois do "Maio de
1968", muitos líderes dos movimentos de resistência em todo o mundo
passaram a ocupar posições de poder estratégicas e importantes na economia, na
política e na cultura, e hoje são objetos de protestos semelhantes aos que
encabeçaram no passado. O jornal questionou se valeu a pena tudo aquilo.
- Necessariamente a gente evolui. Em dezembro de 1968, eu não estava
envolvida com a política e nem havia me incorporado à clandestinidade. Então,
aconteceu o que se conhece no Brasil como o golpe dentro do golpe, um
endurecimento da ditadura militar - afirmou a presidente, referindo-se à
instituição do AI-5. - A partir disso, qualquer pessoa da minha geração que
tivesse a menor vontade democrática era violentamente perseguida. De modo que,
desde o meu ponto de vista, sim, valeu a pena e muito - respondeu.
A presidente considerou que uma parte da juventude brasileira foi generosa
ao lutar em favor do país, mesmo que alguns erros tenham sido cometidos.
- Pode ser que aqueles métodos não conduzissem a nada, não tivessem futuro e
constituíssem uma visão equivocada sobre a saída da ditadura. Mas nas pessoas
havia um sentimento de urgência, acreditavam que no Brasil não poderia haver
uma reforma democrática. Com os anos, comprovei nosso excesso de ingenuidade e
romantismo e nossa falta de compreensão da realidade. Não percebíamos que esta
era muito mais complexa, que podiam haver diferentes soluções de futuro -
defendeu.
- Meu tempo na prisão me ajudou a entender que o regime militar não
sobreviveria porque não podia deter, torturar e matar todos os jovens -
ressaltou.
Indagada se junto às transformações econômicas o Brasil manterá seu sistema
político, Dilma respondeu que um dos trunfos da democracia brasileira é sempre
ser rica em termos de debate:
- Estamos acostumados a discutir em torno de uma mesa, é um hábito nosso.
Isso chamou a atenção de Bill Clinton ( ex-presidente dos Estados Unidos). Em
alguns países pode causar estranheza ou pavor que a presidente da República
converse com as centrais sindicais. Para nós, é normal. Às vezes estamos de
acordo, às vezes, não.
Ainda ao abordar temas ligados à política, Dilma citou o presidente do
Uruguai, José Mujica, que lutou contra a ditadura em seu país. A presidente
contou que, durante um encontro com ele, Mujica afirmou que ambos são
representantes de uma "geração que lutou muito e cometeu alguns atos
estúpidos". Nesse encontro, Mujica disse que ele teve a época da política,
a da paixão, e, quando se tornou presidente, estava na época das flores (que
gosta de plantar).
- Essa é também a minha época, estou na época das flores - disse Dilma ao
encerrar a entrevista.
Dilma viajou à Espanha para participar da 22ª Cúpula Ibero-Americana, em
Cádiz, encerrada no último sábado. Sem compromissos oficiais ontem, a
presidente aproveitou a manhã de domingo para visitar o Museu de Arte
Thyssen-Bornemisza. Dilma estava acompanhada do ministro da Educação, Aloizio
Mercadante; da secretária de Comunicação Social, Helena Chagas; e do embaixador
do Brasil na Espanha, Paulo César de Oliveira Campos. Após a visita, Dilma foi
a Toledo, onde almoçou. A presidente retornou à tarde para Madri e passou o
restante do domingo descansando no hotel.
A presidente Dilma abre sua agenda oficial de hoje com um encontro na Casa
do Brasil com estudantes que integram o programa "Ciência sem
Fonteiras" e que participam do ProUni. Em seguida, se reúne com o
primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy, no Palácio de Moncloa.
Após a reunião, Dilma participa de um almoço oferecido pelo rei Juan Carlos
I e a rainha Sofia, na sala de banquetes do Palácio Real. A presidente ainda
participará da abertura do seminário "Brasil no caminho do
crescimento", promovido pelos jornais "El País" e "Valor
Econômico". O evento vai analisar o crescimento econômico do país e os
rumos escolhidos no enfrentamento da crise que atingiu o mundo todo. De acordo
com a Presidência, Dilma retorna hoje para Brasília.
Fonte: O Globo
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