O presidente Lula, em seu horror instintivo ao vácuo e a qualquer oposição, não perdia tempo com situações que pediam decisão. Se errasse, nomeava um culpado, remetia às urtigas as conseqüências e ia em frente sem olhar para trás. Deixava as sobras para a República acomodar.
A sucessora de Lula herdou a base parlamentar já insaciável em matéria de nomeações e verbas pessoais, mas se deu conta de que o sistema presidencialista de governo não pode ser uma armadilha para presidentes. No primeiro ano de mandato, Dilma Rousseff foi testada pela base parlamentar que se elegeu na mesma fornada de votos, sem nada apresentar de durável nem mostrar disposição de mudar no segundo.
O estilo toma lá, dá ca nada legou de durável, exceto as divergências. Dilma, no entanto, mostrou suficiente capacidade de se equilibrar na instabilidade e, ao começar o segundo ano, deparou-se com a urgência de uma decisão política para erradicar os equívocos que vicejam à margem dos fatos. Parece ter assimilado a observação de que a normalidade política também é incompatível com o vácuo e não abdica de uma oposição real para manter a forma . E, antes que hipóteses ociosas entrem em circulação periférica, ou que Lula recupere a palavra, a presidente optou por uma “interlocução geral e vai mostrar isso com atos”, segundo o novo líder do governo no Senado. Se o senador Eduardo Braga ouviu bem (dela e de mais ninguém), a presidente vai conversar inclusive com gente em franco desacordo - dentro e fora do governo – com o padrão chega pra lá na convivência política oficial.
O estilo vai ser polido e mudará para melhor as relações da presidente com a representação politica. “Uma nova prática, um novo modelo”, “mudança de paradigmas” e por aí afora. Definições feitas e anunciadas, o novo líder passou da palavra à ação, e falou da montagem de “maioria qualificada” para melhorar o varejo do dá ca, toma la da minoria desqualificada. E, acredite quem quiser, em tom coloquial o doutor Honoris Causa deu pessoalmente ao ministro aval à idéia: “conte comigo”. Ai de quem acreditar. No dia seguinte, o próprio Lula, para fomentar desavenças, não titubeou em proclamar padrão de dignidade política ninguém menos do que o ex-deputado Severino Cavalcanti, um dos que mais contribuíram para comprometer o exercício do mandato popular e esvaziar de credibilidade o Congresso Nacional.
A experiência de operar bases de apoio parlamentar com 17 partidos teve como resultado apenas a conclusão de que, na hora de decidir, não é o interesse público que pesa na balança. A presidente passou a sentir no resultado das votações de interesse do governo a prevalência de interesses menores, que passam longe e colidem com o Palácio do Planalto. Concluiu que é impossível saber com quantos votos pode contar dessa gente que se move por interesse próprio nas decisões de interesse público.
A dificuldade para sair desse atoleiro é que, depois de Lula, o Brasil passou a ter duas oposições e, para a democracia, uma é suficiente. Quem tem duas tem confusão e acaba sem nenhuma. A oposição propriamente dita está ofuscada pelos interesses conflitantes da base parlamentar sobre a qual se deslocam legendas movidas pela cobiça pessoal. A oposição de circunstância tem voto ao alcance para negociar com o governo favores de última hora. É pouco para uma democracia que ambiciona mais do que simulação.
O sinal de tempos escassos de idéias é a oposição que ficou entalada entre o liberalismo e uma inclinação democrática à esquerda, como podia ter sido mas não foi a social-democracia por aqui. Um país com tais dimensões não pode se privar de uma oposição, e até mesmo uma esquerda de peso teria o seu lugar. A direita também, embora este lado esteja resolvido de outra maneira.
O saldo do primeiro ano dos quatro de Dilma Rousseff foi lançado sobre a mesa dos que se serviram fartamente e saíram com fome. Quanto a ela, deve ter concluído que tal base de sustentação se vale do que, em bom português, pode-se perfeitamente – sem favor algum - considerar bullying político.
FONTE: JORNAL DO BRASIL
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